Introdução ao Estudo dos Credos e Confissões (3) – Tipos de Símbolos

Este artigo é continuação do: Introdução ao Estudo dos Credos e Confissões (2) – Os Símbolos de Fé

Acesse aqui esta série de estudos completa.


 

Crédito: Carlos Alberto Gómez Iñiguez on Unsplash

 

A classificação dos símbolos pode obedecer a diversos critérios, sem contar as diferenças de conceitos que alguns fazem entre símbolo e sinal;[1] todavia, para o nosso estudo, no qual este assunto é apenas secundário, não adentrarei a tais questões,[2] seguindo uma classificação quase que “convencional”. Ei-la: Convencional, Acidental e Universal.

 1. Símbolo Convencional

É aquele em que a relação entre o símbolo e o objeto simbolizado é convencionada, não havendo necessariamente nenhuma relação essencial entre eles. Por exemplo: o som da palavra “cadeira” está relacionado com aquilo que estou sentado neste instante. Qual a relação essencial entre as letras C-A-D-E-I-R-A e o objeto “cadeira”? Nenhuma. Nós estabelecemos esta relação mental porque aprendemos assim e, desta forma, a relação foi convencionada. A linguagem é um conjunto de símbolos (= sinais) convencionais que visam a comunicação; o mesmo ocorre com as cores do semáforo, a sinalização rodoviária etc.

 

A relação entre o símbolo e a realidade simbolizada muitas vezes tem uma ligação bastante tênue, dependendo de uma explicação que – mesmo não esgotando o assunto –, faculta a percepção da relação possível, ainda que outras também o sejam. Na convencionalidade do símbolo, há a priorização de determinada característica, elevando-a ao conceito de ponto dominante ou de univocidade, estabelecendo assim uma relação em nosso imaginário entre o ponto priorizado ou exclusivizado e a coisa simbolizada. Portanto, o símbolo é sempre parcial; ele não esgota a realidade simbolizada nem exaure por completo o sentido do instrumento simbolizante. Como exemplo, cito o fato de que mesmo a cruz sendo um símbolo do Cristianismo, sabemos que a cruz não diz tudo a respeito da fé cristã e, por sua vez, a cruz não se aplica apenas a este fim.

Encontramos um resumo do que estamos dizendo nas palavras de Schlette:

 

No exemplo do símbolo cristão da cruz podemos perceber que também a analogia (do ser) entre o objeto simbólico e aquilo que é simbolizado não é absolutamente necessária (embora conveniente) para que surja o símbolo (pelo menos o símbolo cristão) no fato de que uma cruz, antigo instrumento de suplício, possa se tornar o símbolo da fé cristã na salvação, não podemos ver senão um paradoxo e uma prova da superioridade da analogia fidei sobre a analogia entis.[3]

 

A cruz que nos fala de sofrimento, dor e aparente derrota, para o cristão significa também a justiça de Deus, Seu amor, santidade e o prenúncio da ressurreição: vitória sobre o pecado, a morte e o diabo. A cruz é o fundamento da ressurreição, ascensão e regresso glorioso de Cristo. “A cruz tanto domina como permeia toda a verdadeira teologia cristã, com seu fio tecido através de sua estrutura” (Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo, São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 36),

 

Calvino (1509-1564), comentando as Epístolas de Paulo, evidencia parcialmente isso: “Paulo mostra quão estúpido é desprezar em Cristo a humilhação da cruz, visto que esta se acha associada à incomparável glória de sua ressurreição” (João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 13.4), p. 262). Em outro lugar: “Para concluir com poucas palavras, afirmo que a cruz de Cristo triunfa definitivamente no coração dos crentes contra o Diabo, a carne, o pecado, a morte e os ímpios quando voltam seu olhar para contemplar o poder da Sua ressurreição” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 4, (17.38), p. 218).

 

Ilustrando aspectos que desenvolvemos no parágrafo anterior, perguntamos: Qual a explicação para as cores de nossa bandeira? Por que a sarça ardente se constituiu durante tantos anos no símbolo da Igreja Presbiteriana do Brasil?  Ou, tomando os exemplos de Girard:

 

Por que a folha vermelha do ácer se tornou o emblema do Canadá?[4] Por que o azul-branco-vermelho simboliza a França,[5] e o sol vermelho sobre fundo branco, o Japão?[6] A flora canadense está longe de restringir-se a uma só espécie vegetal, mais típica, aliás, do Leste que do Oeste do país; e a cor verde da folha de ácer pode ser observada por muito mais tempo do que sua efêmera cor de outono! A cada uma das faixas verticais da bandeira tricolor francesa é ligada mais ou menos artificialmente uma significação (cor, respectivamente, da cidade capital, da realeza, da revolução); mas, pode-se perguntar, por que o azul está à esquerda, ao passo que na bandeira holandesa, marcada pelas mesmas três cores (de interpretação diferente), o azul está na faixa horizontal inferior?[7]… Enfim, ninguém pretenderá que o sol se levante só no Japão, não obstante no país do sol levante.[8]

 

Outro ponto que gostaria de realçar, é que os símbolos convencionais, conforme vimos, também são usados para ocultar uma mensagem daqueles que não sabem a relação estabelecida entre o símbolo e a sua mensagem. Na literatura apocalíptica judaica os símbolos foram amplamente usados; o seu objetivo era levar uma mensagem de conforto para os judeus – que no caso, tinham condições de discernir e interpretar os símbolos –, e ocultá-la dos opressores estrangeiros. (Veja-se: Hermisten M.P. Costa, A Literatura Apocalíptica Judaica, p. 43-44).

 

A Igreja Primitiva, por exemplo, usou o símbolo do peixe para expressar a sua fé e, ao mesmo tempo para ocultá-la aos seus perseguidores.[9] Peixe em grego, se escreve i)xJu/j (ichthys); todavia, os cristãos primitivos tomaram a palavra e a escreveram em forma de acróstico: I)hsou=j Xristo/j Qeo/j ui(o/j Swth/r.

 

I – I)hsou=j (JESUS)

X – Xristo/j (CRISTO)

Q – Qeo/j (DEUS)

U – ui(o/j (FILHO)

S – Swth/r (SALVADOR)

 

Assim temos:

 

“JESUS CRISTO, FILHO DE DEUS, SALVADOR”

 

 

Os cristãos primitivos também chamavam a Jesus de Peixe, visto entenderem na palavra uma confissão de fé. Além disso, Tertuliano (c. 160-220), escrevendo por volta do ano 200 contra uma seita obscura, denominada “cainitas” – que, entre outras heresias, tentava reabilitar a figura de Caim e de Judas,[10] combatendo também o batismo cristão –, emprega a sugestiva figura referindo-se ao batismo: “Mas, nós, os peixinhos, segundo nosso ‘Ichthys’ Jesus Cristo, no qual nascemos, só somos salvos permanecendo na água”.[11] Há também uma catacumba do terceiro ou quarto século, encontrada na França, em 1839, que traz um registro referindo-se a Jesus desta forma.[12] E este não foi um caso isolado. Agostinho (354-430), explicando o emprego desse símbolo, interpreta: “Esse nome místico simboliza Cristo, porque apenas Ele foi capaz de viver vivo, quer dizer, sem pecado, no abismo de nossa mortalidade, semelhante às profundezas do mar” (Agostinho, A Cidade de Deus, 2. ed. Petrópolis, RJ./São Paulo: Vozes/Federação Agostiniana Brasileira, 1990, v. 2, XVIII.23; p. 336-337).

 

Todavia, o uso corrente deste símbolo logo desapareceu; no princípio do quinto século já não mais o encontramos na arte religiosa.[13]

 

2. Símbolo Acidental

O símbolo acidental é praticamente exclusividade de cada um, diferindo de pessoa para pessoa, sendo por isso, difícil de ser transmitido. Ele representa de forma subjetiva, aquilo que ocorre conosco. Exemplifiquemos: Suponhamos que você haja tido uma boa experiência de vida numa determinada cidade, bairro ou rua onde vive. Posteriormente você se muda para outra cidade ou bairro e, aquele antigo local de sua residência, transmite a você aquelas lembranças agradáveis, aqueles sentimentos que permearam a sua existência ali, passando a ser o símbolo de uma agradável saudade. Particularmente, Campinas e Belo Horizonte me trazem sentimentos análogos, pois foram, respectivamente, onde passei quatro e cinco dos melhores anos de minha vida de estudante e onde comecei o meu ministério pastoral e docente. Ambas as cidades são para mim o símbolo de alegria e aprendizado, embora não possa transferir estes símbolos…

 

Se, por outro lado, alguém tiver passado maus momentos nestas mesmas cidades, ambas terão em sua lembrança um simbolismo bem diferente, daí a impossibilidade de se comunicar o símbolo acidental. A outra pessoa poderá até entender o que estamos dizendo, todavia, isto não faz parte da sua experiência e, dificilmente poderá ser interiorizado como tal.[14]

 

3. Símbolo Universal

O símbolo universal é aquele em que há uma relação intrínseca entre o símbolo e aquilo que ele representa, podendo por isso, ser compartilhado com todos; desta forma, temos: O choro = tristeza; sorriso = alegria; fumaça = fogo; nuvem escura = chuva iminente; sol = vida; água = pureza, etc. É claro que alguns destes símbolos podem, eventualmente, representar uma imagem diversa: alguém chora de alegria; ri de nervosismo e tristeza; as águas sujas, indicando a poluição dos rios, etc., todavia, estas exceções não invalidam a universalidade destes símbolos, apenas a confirmam.

 

4. A Igreja e os Símbolos

A Bíblia está repleta de símbolos: cores, números, animais, nomes de lugares e de pessoas, metais, pedras preciosas etc. Como já vimos, a Igreja pós-apostólica sentiu-se à vontade para empregar figuras que expressassem a sua fé em Deus: O acróstico da palavra “peixe” (“Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador”); as duas letras iniciais do nome “Cristo”, colocadas uma sobre a outra (X (Chi) e R (Rho))  = (“Cristo”); um círculo (= “vida eterna”); e o triângulo com três lados iguais (= Trindade), são apenas alguns dos muitos símbolos usados pela Igreja.[15]

 

Todavia, a palavra símbolo foi usada pela primeira vez no sentido teológico, por Cipriano[16] em 250 nas suas Epístolas (76 ou 69), referindo-se ao cismático Novaciano.[17]

O Credo Apostólico (2º século) – que fora atribuído tradicionalmente aos apóstolos – recebeu o designativo de símbolo, ao que parece no Sínodo de Milão (390), numa carta subscrita por Ambrósio (c. 334-397), sendo designado de “symbolum apostolorum”.[18]

 

Lutero (1483-1546) e Melanchthon (1497-1560) foram os primeiros a usar a palavra “símbolo” para os credos protestantes,[19] passando desde então, a designar os Catecismos e Confissões adotados pelas Igrejas Luteranas e Reformadas como elementos distintivos da sua compreensão teológica.

 

São Paulo, 16 de novembro de 2018.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 


 

[1] A palavra sinal (shmei=on) (semeion) indica uma marca ou sinal indicativo pelo qual alguma coisa é identificada; aponta para outra coisa cujo significado parece obscuro.

[2] Para uma visão comparativa entre símbolo e sinal, ver, entre outros: Paul Tillich, Dinâmica da Fé, São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1974, p. 30ss.; Idem. Teologia Sistemática, São Paulo/São Leopoldo, RS.: Paulinas/Sinodal, 1984, p. 201ss. e 252; Battista Mondin, O Homem, quem é Ele?, São Paulo: Paulinas, 1980, p. 136-138; Marc Girard, Os Símbolos na Bíblia, 2. ed. São Paulo: Paulus, 2005, p. 46-47; Ernst Cassirer, Antropologia Filosófica, 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1977, p. 59ss.; F.E. Gaebelein, Simbolismo/Símbolo: In: Merrill C. Tenney, org. ger. Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 5, p. 626.

[3] H.R. Schlette, Símbolo: In: Heinrich Fries, org. Dicionário de Teologia: conceitos fundamentais da Teologia atual, 2. ed. São Paulo: Loyola, 1987, v. 5, p. 234-235.

[4]

[5]

As três faixas do mesmo tamanho (azul, branca e vermelha) simbolizam a Revolução Francesa (1789), sendo que o azul representa o poder legislativo, branco o poder executivo e o vermelho o povo, os três dividindo igualmente o poder. Ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Bandeira_da_ Fran%C3%A7a (Consulta feita em 16.11.2018).

[6]

[7]

 As cores de forma ascendente são: azul, branca e vermelha.

[8]Marc Girard, Os Símbolos na Bíblia, p. 27-28.

[9] Ver: Peixe: In: Gerd Heinz-Mohr, Dicionário dos Símbolos: imagens e sinais da arte cristã, São Paulo: Paulus, 1994, p. 283. O autor também apresenta outros empregos deste símbolo por parte dos cristãos primitivos e na arte cristã posterior (p. 283-285).

[10] Irineu (c.120-202) que escreveu a respeito dos cainitas, retrata a posição deste grupo gnóstico: “Dizem que Judas, o traidor, sabia exatamente todas estas coisas (a respeito da importância de Caim, Esaú, Coré) e por ser o único dos discípulos que conhecia a verdade, cumpriu o mistério da traição e que por meio dele foram destruídas todas as coisas celestes e terrestres. E apresentam, à confirmação, um escrito produzido por eles, que intitulam Evangelho de Judas” (Irineu, Irineu de Lião, São Paulo: Paulus, 1995, I.31.1. p. 122).

[11]Tertuliano, O Sacramento do Batismo: teologia pastoral do batismo segundo Tertuliano, Petrópolis, RJ.: Vozes, 1981 (Col. Os Padres da Igreja/3) Cap. I, p.15. Tertuliano: “Mas nós, peixinhos, nascemos da água segundo nosso ichtys Jesus Cristo” (Apud Peixe: In: Gerd Heinz-Mohr, Dicionário dos Símbolos, p. 284). Mircea Eliade analisa o uso bastante generalizado na antiguidade do “simbolismo aquático” (Ver: Mircea Eliade, Imagens e Símbolos, São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 151ss.).

[12] Vejam-se os dizeres da catacumba, In: Henry Bettenson, Documentos da Igreja Cristã, São Paulo: ASTE., 1967, p. 127.

[13] Cf. Withrow, Catacumbas, p. 252-255. Apud Benjamin Scott, As Catacumbas de Roma, 4. ed. Rio de Janeiro: CPAD., 1982, p. 106. Ver também: M. Carletti, Símbolos-Smbolismo: In: Ângelo Di Bernardino, org. Dicionário Patrístico e de Antiguidades cristãs, Petrópolis, RJ.; São Paulo: Vozes; Paulus, 2002, p. 1291a.

[14] Ainda que não usando do mesmo tipo que emprego, Gaebelein apresenta algumas analogias enriquecedoras do que estamos falando. Ver: F.E. Gaebelein, Simbolismo/Símbolo: In: Merrill C. Tenney, org. ger. Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 5, p. 627.

[15] Cf. Benjamin Scott, As Catacumbas de Roma, p. 95ss.; F.R. Worth, Simbolism: In: Vergilius Ferm, ed. An Encyclopaedia of Religion, New York: The Philosophical Library, 1945, p. 754; Simbolos, Histórico-Cristãos: In: Russel N. Champlin; João Marques Bentes, Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, São Paulo: Candeia, 1991, v. 6, p. 276-277.

[16] Vejam-se os textos das Epístolas In: A. Roberts; J. Donaldson, eds. The Ante-Nicene Fathers, New York: The Christian Literature Publishing Company, 1885, v. 5, (Epístola 76), p. 402-404; (Epístola 69), p. 375-377. (Doravante citado como ANF).

[17] Cf. Philip Schaff, The Creeds of Christendom, 6. ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (Revised and Enlarged), 1977, v. 1, p. 3 e Philip Schaff, ed. Religious Encyclopaedia: or Dictionary of Biblical, Historical, Doctrinal, and Practical Theology, Chicago: Funk; Wagnalls, Publishers, (revised edition), (1891) v. 4, p. 2276.

[18]Ambrósio, Ep. 42,5. (Vejam-se: J.N.D. Kelly, Primitivos Credos Cristianos, . Salamanca: Secretariado Trinitario, 1980, p. 15; F.D. Danker, Simbolismo, Simbología: In: E.F. Harrison, ed. Diccionario de Teologia, Grand Rapids, Michigan: T.E.L.L., 1985, p. 500; G.W. Bromiley, Credo, Credos: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 1, p. 366). Cipriano, Agostinho e Rufino encontram-se entre aqueles que utilizaram o nome “Símbolo” para referirem-se ao “Credo Apostólico” (Cf. Charles A. Briggs, Theological Symbolics, New York: Charles Scribners’s Sons, 1914, p. 3,4).

[19] Cf. In: Philip Schaff, ed. Religious Encyclopaedia: or Dictionary of Biblical, Historical, Doctrinal, and Practical Theology, v. 4, p. 2276; Philip Schaff, The Creeds of Christendom, v. 1, p. 3-4 (nota).

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