A Pessoa e Obra do Espírito Santo (387)

6.4.9.1.7. Na interpretação dos fatos

Jesus Cristo mostrou ao povo que os homens, por mais simples que sejam, sabem raciocinar, e isto era evidente na interpretação das condições climáticas. Todavia, Ele os recrimina por não estarem usando desta capacidade para discernir o que era justo no que se referia ao próprio Cristo. De fato, o que julgo atingir a mim, considero de máxima importância. Enquanto, aquilo que me parece remotamente relacionado com os meus interesses, não costumo avaliar.

54Disse também às multidões: Quando vedes aparecer uma nuvem no poente, logo dizeis que vem chuva, e assim acontece; 55 e, quando vedes soprar o vento sul, dizeis que haverá calor, e assim acontece. 56 Hipócritas, sabeis interpretar o aspecto da terra e do céu e, entretanto, não sabeis discernir esta época? 57E por que não julgais também por vós mesmos o que é justo? (Lc 12.54-57).

           Jesus dá a entender que, nesta questão, que eles eram apenas conduzidos pelos seus interesses circunstanciais e egoístas.

          O Espírito Santo agiu na Igreja fazendo com que fossem registrados as Epístolas e o Apocalipse. Hoje, ele continua dirigindo a Igreja na interpretação dos fatos, concedendo-nos discernimento para ver e interpretar os sinais dos tempos. Isto faz parte do Ministério do Espírito que, como Jesus mesmo disse, Ele “vos anunciará as cousas que hão de vir”(Jo 16.13).(Vejam-se: Mt 16.1-4/1Tm 4.1; 2Tm 4.1-5).[1]

          Cabe à Igreja viver o presente de tal forma que revele a sua interpretação correta dos fatos. A nossa postura no mundo não é, nem pode ser estranha à nossa cosmovisão (Vejam-se: Rm 13.11-14; Ef 5.8,14-16). Mas, parece que quando as evidências são ainda tênues, não queremos enxergar. Depois que se escancaram os efeitos deletérios de sintomas antes assinalados mas, que tiveram ouvintes desinteressados, há uma teologia histérica que se irradia por todos os lados. Em geral, isso já é tarde além de levantar os fanáticos apocalípticos que como galos sem discernimento de tempo, só cantam depois que a família já está de pé.

          Um dos perigos para nós cristãos é simplesmente não usar a nossa mente. A nossa conversão a Deus envolve também uma nova mente, uma nova maneira de perceber a realidade, vendo o real como de fato é, ainda que não exaustivamente. Nosso coração e mente precisam ser convertidos ao Senhor.[2] É necessário que usemos a nossa mente em submissão a Deus.[3]

          Devemos aprender a entender a vontade de Deus em todas as circunstâncias e submetermo-nos a ela. A nossa mente deve ser tão devotada a Deus como o nosso coração. Excluí-la, significa não amar a Deus como ele requer. Deus deseja que o amemos e o sirvamos também com nossa inteligência: “Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração (kardi/a), de toda a tua alma (yuxh//) e de todo o teu entendimento (dia/noia). Este é o grande e primeiro mandamento” (Mt 22.37-38).

          Assim, o nosso testemunho exige o uso abalizado de nossa inteligência. A rejeição de um racionalismo autônomo, egorreferente, cuja única referência seria o eu pensante, não significa o abandono da racionalidade na compreensão e transmissão da mensagem do evangelho.

          Indicando a responsabilidade que temos de consagrar as nossas mentes ao serviço de Deus, em 1980, Charles Habib Malik (1906-1987), filósofo e diplomata cristão de origem libanesa, declarou na inauguração do Billy Graham Center no campus do Wheaton College:

Devo ser franco com vocês: o maior perigo que o cristianismo evangélico americano enfrenta é o anti-intelectualismo. A mente, compreendida em suas maiores e mais profundas faculdades, não tem recebido suficiente atenção. No entanto, a educação intelectual não ocorre sem uma profunda imersão por alguns anos na história do pensamento e do espírito. Aqueles que estão com pressa de saírem da faculdade e começarem a ganhar dinheiro ou a servir na igreja ou a pregar o evangelho não têm ideia do valor infinito de se gastar anos conversando com as maiores mentes e almas do passado, desenvolvendo, afiando e ampliando seu poder de pensamento. O resultado é que a arena do pensamento criativo é abandonada e entregue ao inimigo. Quem, entre os acadêmicos evangélicos, pode enfrentar os grandes pensadores seculares em seus próprios termos acadêmicos? Quem, entre os acadêmicos evangélicos, é citado pelas maiores autoridades seculares como fonte normativa em história, filosofia, psicologia, sociologia ou política? O modo evangélico de pensar teria a menor chance de se tornar dominante nas grandes universidades da Europa e América que moldam toda nossa civilização com seu espírito e suas ideias? Por uma maior eficácia no testemunho de Jesus Cristo, assim como pela sua própria causa, os evangélicos não podem se dar ao luxo de viver na periferia da existência intelectual responsável.[4]

          Na segunda epístola destinada a Timóteo, Paulo se despede. Apresenta instruções finais e palavras de encorajamento ao seu discípulo mais próximo. Escreve então:

          Pondera (noe/w) (= atentar, compreender, pensar, entender) o que acabo de dizer, porque o Senhor (ku/rioj) te dará compreensão (su/nesij) (= entendimento, inteligência, discernimento) em todas as coisas” (2Tm 2.7).

          Pensar, pensar sobre o pensar é algo salutar e muito desafiante e abençoador. Somos destinados ao pensar. Devemos nos valer deste privilégio, próprio do ser humano, concedido pelo Criador.

          Precisamos aprender que a fé não elimina a nossa responsabilidade de pensar. Pensar não exclui a nossa fé. Ambas as atitudes devem caracterizar a vida do cristão a fim de que a nossa fé seja compreensível e a nossa razão seja guiada pela fé. A nossa fé e a nossa inteligência devem caminhar de mãos dadas em submissão a Deus.

          O Senhor nos dá compreensão, nos faz ter entendimento de toda a realidade. O real não é uma mera utopia, antes, é acessível e, portanto, conhecível. Não vivemos num mundo de imagens, mas, de realidade, por mais desagradável que essa possa se configurar a nós em determinadas circunstâncias. No entanto, precisamos refletir a respeito. Não basta ler, é preciso refletir. O que me faz pensar que o caminho para a compreensão das coisas é um pensar intenso, humilde e submisso a Deus. Nem sempre as coisas se mostram a nós de forma clara e evidente. Precisamos pensar a respeito.

Maringá, 24 de janeiro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Veja-se: A. A. Hoekema, A Bíblia e o Futuro,p. 175-185.

[2]Ver: Oliver Barclay, Developing a Christian Mind, Great Britain: Christian Focus, 2006, p. 16-17; Gene Edward Veith, Jr., De Todo o Teu Entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 133-138.

[3] “A razão é boa e necessária enquanto souber submeter-se à verdade” (William Edgar, Razões do Coração: reconquistando a persuasão cristã, Brasília, DF.: Refúgio, 2000, p. 15).

[4]Apud Garrett J. DeWeese; J.P. Moreland, Filosofia Concisa: uma introdução aos principais temas filosóficos, São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 154-155. (Do mesmo modo em: J.P. Moreland; William L. Craig, Filosofia e Cosmovisão Cristã, São Paulo: Vida Nova, 2005, p. 15; William L. Craig, Apologética Cristã para Questões difíceis da vida, São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 14-15).

            Cerca de 20 anos antes deste pronunciamento, Blamires, em sua obra clássica, A mente Cristã, constatava com tristeza (1963):

            “Não existe mais uma mente cristã. Existe ainda, naturalmente, uma ética cristã, uma prática cristã e uma espiritualidade cristã. O cristão moderno, como ser moral, subscreve a um código diferente daquele do não cristão. Como membro da igreja, ele assume obrigações e observâncias ignoradas pelo não-cristão. Como ser espiritual, em oração e meditação, ele se esforça para cultivar uma dimensão de vida inexplorada pelo não-cristão. Mas como um ser pensante, o cristão moderno já sucumbiu à secularização” (Harry Blamires, A Mente Cristã: como um cristão deve pensar? São Paulo: Shedd Publicações, 2006, p. 15-16). Sobre este ponto, veja-se a excelente e densa obra de Carson: D.A. Carson, O Deus amordaçado: o Cristianismo confronta o pluralismo, São Paulo: Shedd Publicações, 2013.

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