A Pessoa e Obra do Espírito Santo (264)

Herança gloriosa

Paulo ora pelos crentes efésios: Iluminados (fútil/zw) os olhos do vosso coração (carde/a), para saberdes (oi)=da) qual é a esperança do seu chamamento (quelha=sij), qual a riqueza da glória da sua herança (klhronomi/a) nos santos” (Ef 1.18).

          Considerando que Deus já iluminara os olhos do coração dos efésios, Paulo suplica no sentido de que eles pudessem entender a extensão da riqueza da glória de sua herança que nos foi outorgada definitivamente em Cristo, estando esta glória associada ao propósito final do seu chamamento.

Percebam então, que não há nenhum mal em pensar, ocupar a nossa mente com a herança graciosa que nos aguarda.  Se entendermos que a “celestialidade” e glória do céu estão não em um lugar, mas, em uma Pessoa, Jesus Cristo, devemos, sem dúvida, ambicionar ardentemente o céu.[1]

          Aqui (Ef 1.18) Paulo retoma o que falara no verso 14, dizendo ser o Espírito Santo“o penhor da nossa herança, até ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glória” (Ef 1.14).[2]

          Calvino está correto ao afirmar que “o conhecimento dos santos nunca é suficientemente puro, senão que alguns problemas turvam seus olhos, e a obscuridade os impede a que vejam com clareza”.[3] A dificuldade, portanto, não está na revelação de Deus, nos seus atos na história e no testemunho do Espírito, mas, em nossa incapacidade, fruto, por vezes, de nossa incredulidade, em enxergar o que Deus tem nos concedido.

          A vocação de Deus, que, como vimos, envolve a responsabilidade de nossa santidade, tem também algo glorioso que escapa à nossa compreensão: Deus nos chama à sua herança.

          No Novo Testamento além da associação natural do verbo herdar (klhronome/w), do substantivo herança (klhronomi/a) e do adjetivo herdeiro (klhrono/moj)[4] com o recebimento de posses da parte dos pais (Mt 21.37-38; Lc 12.13; Gl 4.30), encontramos, com maior ênfase, a conotação espiritual.

          À luz do Novo Testamento podemos dizer que a oração de Paulo envolve a consciência de:

  1. Vida eterna (Mt 19.29; Mc 10.17; Lc 10.25; 18.18; Tt 3.7; Hb 9.15),
  2. Salvação (Ef 1.14,18; Cl 3.24; 1Pe 1.4; Hb 1.14/Hb 6.12/At 20.32),
  3. Glória futura (Rm 8.17-18) e
  4. Bênção escatológica (1Pe 3.9/Hb 12.17/Ap 21.7).

          No Antigo Testamento o povo de Israel é chamado de herança de Deus (Dt 9.29/Dt 4.20; Ex 34.9).[5] Como os levitas não herdariam nenhuma porção da Terra Prometida, sendo isso, aparentemente injusto, Deus mostra que além de lhes prover o sustento (Nm 18.20-32), se declara a sua herança; não haveria nada maior: “Pelo que Levi não tem parte nem herança com seus irmãos; o SENHOR é a sua herança (hl’x]n:) (nachalah), como o SENHOR, teu Deus, lhe tem prometido” (Dt 10.9).

Devemos enfatizar que todas estas heranças advêm de Cristo, visto que Ele é o herdeiro único e pleno de todas as coisas.

O escritor de Hebreus descrevendo aspectos da Revelação progressiva de Deus, pontifica com Jesus Cristo, a Palavra final de Deus: “Nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro (klhrono/moj) de todas as coisas, pelo qual também fez o universo” (Hb 1.2).

Quando Paulo se despede dos presbíteros de Éfeso reunidos em Mileto, fala sobre os lobos ferozes que surgiriam na Igreja e que não poupariam o rebanho. No entanto, em sua advertência há uma palavra de grande consolo:

29 Eu sei que, depois da minha partida, entre vós penetrarão lobos vorazes, que não pouparão o rebanho. 30 E que, dentre vós mesmos, se levantarão homens falando coisas pervertidas para arrastar os discípulos atrás deles. 31 Portanto, vigiai, lembrando-vos de que, por três anos, noite e dia, não cessei de admoestar, com lágrimas, a cada um. 32Agora, pois, encomendo-vos ao Senhor e à palavra da sua graça, que tem poder para vos edificar e dar herança (klhronomi/a) entre todos os que são santificados. (At 20.29-32).

          Paulo confia os presbíteros à Palavra da graça do Senhor. Por meio da Palavra Deus nos edifica e nos conduz à herança entre os que são santificados. Os presbíteros não poderiam perder este alto privilégio, especialmente quando estivessem em dificuldades, lutando pela fé em meio à presença de lobos vorazes – falsos mestres – que, certamente com o apoio de muitas ovelhas ingênuas ou mal-intencionadas, seriam ouvidos, admirados e seguidos. Eles deveriam persistir no ensino da Palavra. Somente por meio dela a igreja seria edificada e conduzida à herança que Deus tem preparada para os santos.

          É sintomático que uns 5 anos depois da despedida de Paulo dos presbíteros de Éfeso (At 20), ao que parece entre a primeira e a segunda prisão em Roma, ele deixa Timóteo como pastor da Igreja. Não muitos anos depois, escreve-lhe cartas. Na primeira, Paulo já identifica alguns problemas vigentes ali, contra os quais Timóteo deveria canalizar a sua atenção, já que determinadas pessoas estavam se perdendo em especulações e frivolidades espirituais, desviando-se assim, da “sã doutrina” (1Tm 1.10):

3 Quando eu estava de viagem, rumo da Macedônia, te roguei permanecesses ainda em Éfeso para admoestares a certas pessoas, a fim de que não ensinem outra doutrina,  4 nem se ocupem com fábulas e genealogias sem fim, que, antes, promovem discussões do que o serviço de Deus, na fé.  5 Ora, o intuito da presente admoestação visa ao amor que procede de coração puro, e de consciência boa, e de fé sem hipocrisia.  6 Desviando-se algumas pessoas destas coisas, perderam-se em loquacidade frívola,  7 pretendendo passar por mestres da lei, não compreendendo, todavia, nem o que dizem, nem os assuntos sobre os quais fazem ousadas asseverações. (1Tm 1.3-7).

1Ora, o Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores e a ensinos de demônios,  2 pela hipocrisia dos que falam mentiras e que têm cauterizada a própria consciência,  3 que proíbem o casamento e exigem abstinência de alimentos que Deus criou para serem recebidos, com ações de graças, pelos fiéis e por quantos conhecem plenamente a verdade;  4 pois tudo que Deus criou é bom, e, recebido com ações de graças, nada é recusável,  5 porque, pela palavra de Deus e pela oração, é santificado.  6 Expondo estas coisas aos irmãos, serás bom ministro de Cristo Jesus, alimentado com as palavras da fé e da boa doutrina que tens seguido.  7 Mas rejeita as fábulas profanas e de velhas caducas. Exercita-te, pessoalmente, na Piedade. (1Tm 4.1-7).

          Aqui há algo de excelsa magnitude: Somos herança de Deus e, ao mesmo tempo, feitura dele (Ef 2.10).[6] A igreja é o reflexo dos atos da Trindade. O Deus Trino atua de tal forma que a Sua igreja foi constituída e é preservada até a consumação definitiva da obra de Cristo, quando Ele será glorificado na Igreja e a Igreja nele:

Quando vier para ser glorificado nos seus santos e ser admirado em todos os que creram, naquele dia (porquanto foi crido entre vós o nosso testemunho). Por isso, também não cessamos de orar por vós, para que o nosso Deus vos torne dignos da sua vocação e cumpra com poder todo propósito de bondade e obra de fé, a fim de que o nome de nosso Senhor Jesus seja glorificado em vós, e vós, nele, segundo a graça do nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo. (2Ts 1.10-12).

          Sem dúvida, a Igreja de Deus é a herança de Cristo confiada pelo seu Pai.

Maringá, 15 de agosto de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “Livremo-nos, pois, da espiritualidade que se orgulha de que é extraordinariamente pura porque não está interessada nem no céu nem no inferno. (…) Não hesito em asseverar que quanto mais perto estivermos de Cristo, mais meditaremos na glória que Ele preparou para nós. Esta é uma invariável e infalível prova da verdadeira espiritualidade” (D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 369).

[2]Sobre a herança dos filhos e o Espírito como penhor de nossa salvação, veja-se: Hermisten M.P. Costa, Efésios – O Deus bendito, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 86-89; 113-116.

[3]João Calvino, Efésios,São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 1.16), p. 40.

[4] Quanto à origem e emprego da palavra, vejam-se: W. Foerster; J. Herrmann, klh=roj, etc.: In: G. Kittel, ed.Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 3, p. 758-785; J. Eichler, Herança: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 2, p. 364-371; G. Giacumakis Jr., Herança (Palavras): In: Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 3, p. 77; E.M. Blaiklock, Herança (Conceito): In: Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 3, p. 77-80; W. Barabas, Herdeiro: In: Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 3, p. 80-81; J.H. Friedrich, klhrono/moj: In: Horst Balz; G. Schneider, eds. Exegetical Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 1999 (Reprinted), v. 2, p. 298-299.

[5]Todavia, são eles o teu povo e a tua herança, que tiraste com a tua grande força e com o braço estendido” (Dt 9.29).

[6]Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2.10).

One thought on “A Pessoa e Obra do Espírito Santo (264)

  • 16 de agosto de 2021 em 20:54
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    Ambicionar ardentemente o céu! Maranata!

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