A Pessoa e Obra do Espírito Santo (240)

2) A santificação envolve um combate confiante

 A mensagem do Evangelho é costumeiramente pregada como mensagem de paz. Isso é verdade (At 10.36).[1] Jesus Cristo nos promete a sua paz conquistada com o seu sangue (Jo 14.27,33/Ef 2.14,15,17; Cl 1.20; 3.15). Deus é o Deus da paz (Rm 16.20),[2] de onde procede a paz (2Co 1.2; Fp 4.9).[3] 

          Porém, se essa paz com Deus, resultado de nossa reconciliação com Ele por meio de Cristo (Rm 5.1; 8.1), devemos considerar que a paz de Deus excede a todo entendimento (Fp 4.7).[4]  Por isso mesmo é que é impossível defini-la. Podemos reconhecê-la e identificá-la. Porém, quando se trata de defini-la, não sabemos; as nossas categorias são limitadas.

Entre outras verdades aqui ditas, devemos entender que a nossa reconciliação com Deus marcando o início de nossa nova caminhada, envolve um combate intenso e confiante. Isso nos leva à conclusão de que a paz de Deus não significa necessariamente a ausência de conflitos, antes, a paz em meio às batalhes e conflitos.

O próprio Senhor Jesus já ensinara: Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada” (Mt 10.34). “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo” (Jo 16.33).

          Ao contrário que possa parecer, o grande conflito que passamos a enfrentar começa após a nossa conversão. Sproul enfatiza: “A entrada na vida cristã é o ingresso na guerra cósmica. O caminho da santificação é o caminho da militância”.[5]

De fato. A nossa guerra é no campo espiritual onde satanás dispõe de amplos recursos e estratégias, encontrando com muita frequência dentro de nós um aliado terrível: o pecado sobrevivente.

Como temos visto, a regeneração é a condição essencial para a santificação. A regeneração consiste na renovação integral de nossa natureza (1Ts 5.23). Como o pecado atingiu e afetou a inteireza do seu humano, o novo nascimento requer uma transformação em nossa natureza essencial e vivencial.[6]

          A conversão, o ato de voltar-se para Deus com fé e obediência, é o primeiro exercício da regeneração [7] A santificação, portanto, é a demonstração prática da regeneração. A justificação, não nos conduz à letargia ou indiferença espiritual, antes nos motiva ao progredir em santidade.[8] A justificação e a regeneração são meios conducentes à santificação e, por fim, à glorificação.

          Contudo, os crentes, mesmo com uma nova natureza, tendo sido regenerados e declarados justos pela justiça de Cristo, terão que combater o pecado enquanto viverem. Deus já realizou a sua obra justificadora (já não há condenação para nós) e regeneradora (tivemos a nossa natureza transformada). Agora, o Espírito opera esta santificação em nós por meio da verdade, nos libertando da corrupção do pecado. “A regeneração é a ação de Deus, e tão-somente de Deus. É responsabilidade nossa viver o que a regeneração efetua. É responsabilidade nossa ser santos”, adverte-nos Murray.[9]

          Este combate será árduo. A Bíblia não poupa figuras para descrever esta luta com cores vivas. Todavia, a Palavra de Deus nos garante, com ênfase maior, a vitória que temos em Cristo. Daí a nossa certeza de que devemos lutar contra o pecado, sabedores que Deus é por nós nesta luta.

          Este é o bom combate da fé. “Bom” por causa de sua necessidade e objetivo. Paulo exorta a Timóteo:Combate (a)gwni/zomai) o bom combate (a)gw/n) da fé” (1Tm 6.12).

          Este combate (a)gwni/zomai) muitas vezes se manifestará de forma angustiante devido à sua intensidade e gravidade. Por isso, a ideia embutida de esforço extremo (Lc 13.24; Cl 1.29; 4.12; 1Tm 4.10), empenho (Jo 18.36), fadiga (Cl 1.29) e, figuradamente, é ilustrado com o esforço de um atleta que compete (1Co 9.25).

          Paulo orienta os gálatas evidenciando as duas forças operantes em nós, os regenerados: “Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer”(Gl 5.17).

          A Confissão de Westminster diz:

Esta santificação é no homem todo, porém imperfeita nesta vida; ainda persistem em todas as partes dele restos da corrupção, e daí nasce uma guerra contínua e irreconciliável – a carne lutando contra o espírito e o espírito contra a carne (XIII.2).[10] (Rm 7.19,23; Gl 5.17; Fp 3.12; 1Ts 5.23; 1Pe 2.11; 1Jo 1.10).

Maringá, 17 de julho de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Esta é a palavra que Deus enviou aos filhos de Israel, anunciando-lhes o evangelho da paz, por meio de Jesus Cristo. Este é o Senhor de todos(At 10.36).

[2] “E o Deus da paz, em breve, esmagará debaixo dos vossos pés a Satanás. A graça de nosso Senhor Jesus seja convosco” (Rm 16.20). “O que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isso praticai; e o Deus da paz será convosco” (Fp 4.9).

[3]Graça a vós outros e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo(2Co 1.2).

[4] E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus” (Fp 4.7).

[5] R.C. Sproul, O Ministério do Espírito Santo,São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1997, p. 117.

[6] “Pelo termo nascer de novo ele tem em mente não a reparação de uma parte, mas a renovação da natureza inteira. Daqui se deduz que não há em nós absolutamente nada que não seja defectivo, pois se a reforma é necessária na totalidade e em cada parte, então a corrupção deve ter se expandido por toda parte” (João Calvino, O evangelho segundo João. São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 3.3), p. 116). Veja-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 2, p. 824.

[7] Veja-se: A.A. Hodge,  Esboços de Theologia,Lisboa: Barata & Sanches, 1895, p. 489.

[8]Vejam-se:  Joel Beeke; Mark Jones, Teologia Puritana: Doutrina para a vida, São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 1191ss.; Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática,São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 623-624.

[9]John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1993, p. 126.

[10] Veja-se: Catecismo Maior de Westminster,  Pergunta 78.

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