A Pessoa e Obra do Espírito Santo (378)

3) Fidelidade, perseguição, crescimento e consolo (Continuação)

O conceito de Deus e a pregação do Evangelho

O modo como pregamos o evangelho reflete o nosso conceito de Deus. Nada é mais importante do que o caráter de Deus. Todavia, quando perdemos a dimensão de quem é Deus, as demais coisas são descaracterizadas.

          Somente a compreensão correta de Deus, envolvendo a sua santidade e glória,  pode conferir sentido à nossa existência e a todo o nosso labor missionário. Diante da majestade de Deus, todas as demais coisas tornam-se aos nossos olhos, o que realmente são, pequenas.[1] De fato “Não há glória real senão em Deus”, declara Calvino.[2]

          A perda da dimensão correta da Majestade de Deus, tem como causa primeira, o descrédito para com a sua Palavra. Quando não somos instruídos pelas Escrituras[3] deixamos de reconhecer salvadoramente a Jesus Cristo, o Filho de Deus (Mt 22.29/Os 4.1,6).[4]

Deus não existe para satisfazer as ambições humanas, os desejos, os apetites de consumo, ou nossos interesses espirituais particulares. Precisamos nos focalizar em Deus em nossa adoração, e não em satisfazer nossas próprias necessidades. Deus é soberano no culto, não nós. Nossa preocupação precisa estar no reino de Deus, não em nossos próprios impérios, popularidade ou êxito.[5]

            O que anunciamos jamais será o Evangelho bíblico se se consistir apenas numa mensagem de alívio para as supostas necessidades do homem. Esta concepção nos parece imperiosamente relevante. Quando proclamamos o Evangelho, estamos glorificando a Deus por meio de nossa obediência ao seu mandamento de anunciar a mensagem de redenção a todos os homens. “O nome de Deus nunca é melhor celebrado do que quando a verdadeira religião é extensamente propagada e quando a Igreja cresce, a qual por essa conta é chamada ‘plantações do Senhor, para que Ele seja glorificado’ [Is 61.3]”, interpreta Calvino.[6]

          Contudo, devemos também ter em mente que o nosso propósito em assim fazê-lo deve ser o de glorificar a Deus no anúncio de sua mensagem redentiva. Deus é glorificado não somente por intermédio dos que creem, quando a sua misericórdia resplandece, mas, mesmo por intermédio daqueles que rejeitam a mensagem, sendo glorificada a sua paciência e justiça (Rm 9.22-24)[7] que são tão santas como o seu amor e misericórdia.

          Schreiner, portanto, está correto ao declarar: “Eu definiria a glória de Deus como a beleza, majestade e grandiosidade de quem Ele é; portanto, a grandiosidade de seu ser é demonstrada em tudo o que Ele faz, quer na salvação, quer no julgamento”.[8]

          A Igreja de Deus, no seu ato essencial de proclamar as virtudes de Deus (1Pe 2.9-10), tem como objetivo final a Glória de Deus (Rm 11.36; 1Co 10.31). A Evangelização visa glorificar a Deus, por meio do anúncio da natureza de Deus e de sua obra eficaz efetivada em Cristo Jesus.

          Ousamos dizer, que a Evangelização tem fundamentalmente como alvo final, glorificar a Deus. Deus é glorificado por meio da salvação de seu povo (Is 43.7; Jo 17.6-26; Ef 1.7/2Ts 1.10-12) e a consequente confissão de sua soberania (Fp 2.5-11). A glória de Deus é muito maior do que a nossa salvação; mas, também sabemos que “a glória de Jesus é a salvação de seus seguidores”.[9]

          O Espírito dirige a Igreja na glorificação de Cristo, ensinando-lhe a obediência proveniente da fé.[10] Para isto, temos no Filho o próprio paradigma a ser seguido. Foi justamente na obediência perfeita ao Pai, que o Filho O glorificou.

          O Filho ora: “Eu te glorifiquei (doca/zw) na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer” (Jo 17.4). Quando evangelizamos estamos revelando o nosso amor a Deus e ao nosso próximo, glorificando a Deus, sendo-lhe obedientes na vivência de nossa natureza de testemunho e serviço: “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama”(Jo 14.21).

          A obediência é fruto da genuína fé.[11]Na obediência a Cristo, a Igreja o glorifica. O Espírito que cumpre seu ministério obedientemente (Jo 16.13-14),[12] conduz a Igreja a ser a glorificação de Cristo em sua obediência (Jo 17.9,10).[13]

          Se pudéssemos imaginar na eternidade alguém perguntando sobre os frutos da obra do Pai, do Filho e do Espírito Santo, encontraríamos a resposta na indicação jubilosa da Igreja de Deus, a qual Ele comprou com o seu próprio sangue e preservou até o fim (At 20.28/Is 43.7/Ef 1.3-14; 2.6,7).  Conforme vimos, “a Igreja é o brilho mais esplendente da sabedoria de Deus (…). A Igreja é a expressão final da sabedoria de Deus, a realidade que, acima de todas as demais, capacita até os anjos a compreenderem a sabedoria de Deus”, exulta Lloyd-Jones.[14]

          O Evangelho deve ser anunciado em sua inteireza a todos os homens e ao homem todo. A Teologia oferece solidez na transmissão desta verdade, mostrando quem é Deus e a real necessidade do homem.

    Van Til (1895-1987) comenta:  “Tudo o que as Escrituras dizem a respeito do homem, e particularmente tudo o que elas dizem sobre a salvação do homem, é afinal de contas para glória de Deus. Nossa teologia está centralizada em Deus porque nossa vida está centrada em Deus”.[15]

          Quando a evangelização se transforma apenas em questão de estatística ― número de membros, tamanho do edifício, arrecadação, relevância social das pessoas que frequentam os cultos, etc. ―, há muito deixamos de compreender o genuíno significado do Evangelho bíblico. A grandeza e importância da Igreja está em seu Senhor; as demais coisas são periféricas. A mensagem do Evangelho propõe-se a anunciar a Deus na beleza de sua santidade, sabendo que Deus será glorificado por meio de nossa fidelidade à sua Palavra.

Maringá, 15 de janeiro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Comentando Dn 3.28 – quando Nabucodonosor admite que Sadraque, Mesaque e Abedenego preferiram obedecer a Deus ao decreto real –, Calvino escreve: “Toda e qualquer pessoa que olha para Deus, facilmente menospreza a todos os mortais e a tudo o que se afigura esplêndido e majestoso no mundo inteiro” (João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dn 3.28), p. 228).

[2]João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 1.17), p. 46.

[3]“Ninguém jamais aprenderá o que Cristo é, ou o propósito de suas ações e sofrimentos, salvo pela orientação e ensino das Escrituras. Até onde, pois, cada um de nós deseja progredir no conhecimento de Cristo, teremos que meditar bastante e continuamente sobre a Escritura” (João Calvino, O evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 2.17), p. 100).

[4]“Respondeu-lhes Jesus: Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus” (Mt 22.29). “Ouvi a palavra do Senhor, vós, filhos de Israel, porque o Senhor tem uma contenda com os habitantes da terra, porque nela não há verdade, nem amor, nem conhecimento de Deus. (…) O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento. Porque tu, sacerdote, rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos” (Os 4.1,6).

[5]Documento consultado em 19/08/2020 no site: http://www.alliancenet.org/cambridge-declaration : www.alliancenet.org . Em português: James M. Boice: Benjamin E. Sasse, Reforma Hoje, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p. 19.

[6] João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Edições Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 102.21), p. 581.

[7]“Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória (do/ca) em vasos de misericórdia, que para glória (do/ca) preparou de antemão, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios?” (Rm 9.22-24).

[8]Thomas R. Schreiner, Uma Teologia bíblica da glória de Deus: In: S. Storms; J. Taylor, orgs. John Piper: ensaios em sua homenagem, São Paulo: Hagnos, 2013, p. 262.

[9]William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Cultura Cristã, 2004, (Jo 17.6), p. 758.

[10]“A principal obra do Espírito Santo é glorificar ao Senhor Jesus Cristo. Portanto, não haverá valor em nossas orações, se não crermos nele, em sua divindade singular, em sua encarnação, nascimento virginal, milagres, morte expiatória, ressurreição e ascensão. O Espírito O glorifica e, portanto, devemos crer nele e ser ‘unânimes’ em nossa doutrina” (D. Martyn Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 72).

[11]Dietrich Bonhoeffer, Discipulado,2. ed. São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1984, p. 25.

[12]“Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorificará (doca/zw), porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar” (Jo 16.13-14).

[13]“É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus; ora, todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas; e, neles, eu sou glorificado” (Jo 17.9-10).

[14]D. Martyn Lloyd-Jones, As Insondáveis Riquezas de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 77.

[15]Cornelius Van Til, An Introduction to Systematic Theology, Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing Co. 1974, p. 1.

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