A Pessoa e Obra do Espírito Santo (447)

6.4.12.1.4. A Sabedoria do Espírito na cotidianidade do povo de Deus (Continuação)

 Um exemplo prático desta sabedoria está na orientação de Paulo no que se refere, ainda que não exclusivamente, à evangelização. Devemos aproveitar as oportunidades, falando com graça e com o sal que Deus nos deu, fruto de nossa transformação espiritual e evidência de nosso discipulado,[1] para que não sejamos insípidos: 5Portai-vos (peripate/w) com sabedoria (sofi/a) para com os que são de fora; aproveitai as oportunidades (kairo/j). 6A vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal [com graça e integridade], para saberdes como deveis responder a cada um” (Cl 4.5-6).

            A oração de Paulo é no sentido de que Deus, pelo Espírito, nos dê sabedoria, nos conduzindo à maturidade espiritual (1Co 2.6) para que entendamos a sua revelação em Jesus Cristo mediante o conhecimento intenso de sua Pessoa. Somente pela Sabedoria do Espírito (1Co 2.6-16), [2] tendo como padrão a cruz de Cristo, podemos avaliar toda a realidade, envolvendo a grandeza e a miséria, a sabedoria e a loucura, e, o que de fato é relevante. 

           A sabedoria do Espírito nos concede discernimento e um critério absoluto para enxergar todas as coisas. Dizendo de outro modo, Paulo roga a Deus para que os efésios fossem cheios do Espírito Santo.

            A profundidade da sabedoria de Deus revelada na Criação e em seus atos (Rm 11.33-36) não é para ser alvo de especulações, antes, de contemplação adoradora e de nossa vivência na história como povo de Deus.

            Sem o Espírito de sabedoria jamais entenderíamos as maravilhas do Evangelho que consistem no conhecimento não de uma doutrina, mas de uma Pessoa (Jo 17.3).[3]

            Aqui nesta oração temos uma súplica retroalimentadora: pela sabedoria concedida por Deus podemos entender a revelação. Na compreensão progressiva desta revelação vamos adquirindo, por graça, maior sabedoria. O conhecimento de Deus não se esgota. Devemos prosseguir e nos desenvolver neste conhecimento.

            Esta oração se torna concreta em nós na medida em que sinceramente desejamos a sabedoria do alto. A nossa súplica sincera por sabedoria (Tg 1.5) [4] deve vir acompanhada pela leitura e meditação da Escritura.

            Aqui me vejo na necessidade de retomar um assunto já tratado, acrescentando novos elementos, sob a grande importância de usar de nosso pensamento. Mesmo sabendo da real necessidade que temos da sabedoria espiritual concedida por Deus, isso não significa que devamos abdicar de nossa capacidade de pensar conforme Deus nos concedeu.  Não estamos estabelecendo paradoxos. Antes, o que estou afirmando é que o pensar é um imperativo fundamental de nossa condição de imagem de Deus. Como homens e mulheres criados à imagem de Deus devemos nos valer dessa capacidade tão cara concedida a nós. O pensamento e a fé devem caminhar juntos.

            Não vivemos em um mundo de aparências. A realidade é acessível e Deus deseja que a conheçamos. O mundo real foi revelado a nós. Deus nos concedeu meios para conhecê-lo dentro do palco maravilhoso de sua glória revelado na Criação.

            O Senhor nos dá compreensão, nos faz ter entendimento de toda a realidade. O real não é uma mera utopia, antes, é acessível e, portanto, conhecível. Se não tivéssemos acesso à realidade, seria, por exemplo, impossível escrever história e, da mesma forma, estudá-la. Qual seria o sentido disso além de um exame psicológico do historiador?[5]

Não vivemos num mundo de imagens, mas, de realidade, por mais desagradável que essa possa se configurar a nós em determinadas circunstâncias. No entanto, precisamos refletir a respeito. Não basta ler, é preciso refletir. O que me faz pensar que o caminho para a compreensão das coisas é um pensar intenso, humilde e submisso a Deus. Nem sempre as coisas se mostram a nós de forma clara e evidente. Precisamos pensar a respeito. O pensar e o repensar podem fazer parte de um processo cognitivo abençoador de considerar, compreender e viver de acordo com o propósito de Deus.

            Todo conhecimento parte de um pré-conhecimento que é-nos fornecido pela nossa condição ontologicamente finita e pelas circunstâncias temporais, geográficas, intelectuais e sociais dentro das quais construímos as nossas estruturas de conhecimento. Afinal, a humanidade atesta a sua humanidade; a criatura demonstra a sua condição. Não existe neutralidade existencial porque de fato, não há neutralidade ontológica.[6]

Esta realidade pré-julgadora na maioria das vezes é-nos imperceptível. O que pensamos determina a nossa visão e compreensão do objeto. Numa relação de conhecimento, o cérebro influencia mais o olho do que o olho ao cérebro. É por isso que a visão que tenho, ainda que respaldada por forte elemento referente, é minha visão, com suas particularidades.

Em geral, o que me privilegia, me delimita. Em outras palavras: o que me possibilita uma visão mais adequada de um ponto, é justamente o que dificulta a visão mais ampla de outros. É por esse, entre outros motivos, que a ciência é um saber social, constituído de várias visões, de diversos saberes que se completam,[7] se transformam e se aperfeiçoam.

São Paulo, 30 de março de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]“Bom é o sal; mas, se o sal vier a tornar-se insípido, como lhe restaurar o sabor? Tende sal em vós mesmos e paz uns com os outros” (Mc 9.50/Mt 5.13).

[2]6 Entretanto, expomos sabedoria entre os experimentados; não, porém, a sabedoria deste século, nem a dos poderosos desta época, que se reduzem a nada; 7 mas falamos a sabedoria de Deus em mistério, outrora oculta, a qual Deus preordenou desde a eternidade para a nossa glória; 8 sabedoria essa que nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor da glória; 9 mas, como está escrito: Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. 10 Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito; porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus. 11 Porque qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espírito, que nele está? Assim, também as coisas de Deus, ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus. 12 Ora, nós não temos recebido o espírito do mundo, e sim o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente. 13 Disto também falamos, não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito, conferindo coisas espirituais com espirituais. 14 Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. 15 Porém o homem espiritual julga todas as coisas, mas ele mesmo não é julgado por ninguém. 16 Pois quem conheceu a mente do Senhor, que o possa instruir? Nós, porém, temos a mente de Cristo” (1Co 2.6-16).

[3]“E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (Jo 17.3).

[4]Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida” (Tg 1.5).

[5] Sei que a narrativa histórica não é objetiva e que o historiador é fundamental no diálogo com os “fatos”. Para uma abordagem mais detalhada sobre o assunto, veja-se: Hermisten M. P. Costa, Introdução à metodologia das ciências teológicas, Goiânia, GO.: Editora Cruz, 2015, p. 155-208.

[6]Vejam-se: H.R. Rookmaaker, A Arte não precisa de justificativa, Viçosa, MG.: Editora Ultimato, 2010, p. 39; H.R. Rookmaaker, Arte Moderno y la Muerte de una Cultura, Barcelona: CLIE; Publicaciones Andamio, 2002, p. 285-286.

[7] “A ciência é obra coletiva, porquanto supõe vasta cooperação de todos os sábios, não somente de dada época, mas de todas as épocas que se sucedem na história” (Émile Durkheim, Educação e Sociologia, 5. ed. São Paulo: Melhoramentos, (s.d.) p. 35).

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