A Pessoa e Obra do Espírito Santo (313)

1) Ser vocacionado (Continuação)

A vontade de Deus

Quando nos deparamos com esse assunto, em geral, cedemos a um grau exagerado de subjetividade. Tornou-se até certo ponto comum, pessoas falarem: “Se Deus quiser; Ele há de querer”, como se o meu desejo de que assim seja, tivesse algum poder de determinar o querer e fazer de Deus.

Aliás, é preciso dizer, que isso, longe de me frustrar, causa grande alívio. Deus é sábio, justo e amoroso. Jamais se guiará por meus desejos como fim último de sua vontade e determinação.

          O fato é que quando estamos apaixonados por uma ideia é fácil ver “sinais” comprobatórios em qualquer lugar. É comum que nossos desejos sejam mais fortes do que as evidências em contrário. Por outro lado, uma tênue brisa favorável, pode se tornar um vendaval diretivo na condução de nossa jangada chamada desejo.

          Se ainda cultivarmos a ilusão de que o nosso coração preserva uma reserva moral intacta, o que “sentimos”, deduzimos: deve ser verdade. Assim, caminhamos misticamente em nossos devaneios que, quando sacralizados por uma fé manipulada pelos nossos desejos, podem ser extremamente perigosos em suas concretizações.

          Analisemos algumas questões relacionadas à vontade de Deus sem nos alongarmos em demasia.

           Paulo deseja que a igreja experimente, no sentido de vivenciar e aprovar,  a vontade de Deus. Ele a qualifica como sendo boa, agradável e perfeita. (Rm 12.2).

A boa vontade de Deus

          Falar que a vontade de Deus é boa pode sugerir-nos uma série de conceitos diferentes e até equivocados. O que Paulo quer dizer quando declara que a vontade de Deus é boa?

          A ideia de “bem” pode estar circunscrita a uma série de circunstâncias que nos fazem avaliar o seu significado de forma diferente. Por exemplo, quando digo que uma faca é boa para cortar carne e, ao mesmo tempo, falo para o meu filho pequeno não mexer nela porque ela é perigosa. Neste caso, usei o mesmo objeto, todavia, fiz declarações antagônicas, porque o classifiquei dentro de referenciais diferentes: a faca é boa para cortar carne, todavia, por ser afiada (justamente o que a torna boa para aquele propósito), traz perigo para uma criança manuseá-la. O fogo que aquece uma comida e o mesmo que incendeia uma casa.

Isto significa que o que torna alguma coisa boa para determinada tarefa, pode ser justamente o que a desqualifica para outra.

          Há também a questão do bem individual e do bem coletivo. Quantas vezes estamos dispostos a julgar “bom” aquilo que é melhor para a coletividade e não para nós, especificamente? Há também caminhos que seguimos que nos parecem ser os melhores, contudo, depois descobrimos que eles tinham apenas uma aparência “boa” mas que, de fato, não eram; as próprias circunstâncias nas quais estávamos metidos facultou um tipo de ilusão, uma deficiência na interpretação do fenômeno. Agora, depois de muitas dificuldades, podemos então perceber o nosso erro e nos arrepender do rumo que tomamos.

          Sendo assim, o que Paulo estaria dizendo, então?

          A palavra usada por ele para descrever a vontade de Deus, denota o que é moral e praticamente bom. A vontade de Deus é boa, excelente (a)gaqo/j) porque Ele é bom (Lc 18.19). Deus é bom essencialmente. A sua vontade é uma expressão de sua bondade eterna. Por Deus ser bom é que Ele se comunica com todas as suas criaturas de modo terno, generoso e benevolente.

          A vontade de Deus é boa em si mesma, não estando dependente de épocas ou circunstâncias. Ela é proveniente de um Deus eterno e absolutamente bom.

O que muitas vezes ocorre conosco é que queremos “ensinar” a Deus o nosso “bem” momentâneo: assim, neste afã, a igreja ora para que certo político seja eleito, sugere determinadas soluções para Deus nos dirigir em nossa vida pessoal, encaminha alguns procedimentos solicitando o aval de Deus, etc.

Temos, quando muito, uma visão momentânea de “bem” e, mesmo assim, bastante ofuscada pelos nossos pecados e contingências – interesses, predileções, falta de discernimento, entre outras coisas –; no entanto, ainda assim, queremos que Deus faça a nossa vontade. A resposta de Deus sempre é boa e, ela é justamente o que desejaríamos, se tivéssemos um perfeito discernimento espiritual.[1]

          Quando oramos: “seja feita a Tua vontade”, estamos de fato, confiando na vontade bondosa de Deus, sabendo que ela não é boa apenas naquele momento, naquelas circunstâncias, ou para os nossos interesses egoístas; mas é boa em sua própria natureza, sendo harmônica com o ser de Deus, que é bom, santo, justo, amoroso, fiel.

          Moisés, consciente disso, diz ao povo: “O Senhor nos ordenou cumpríssemos todos estes estatutos, e temêssemos o Senhor nosso Deus, para o nosso perpétuo bem (bAj) (tob),[2] para nos guardar em vida, como tem feito até hoje”(Dt 6.24).

          A vontade de Deus é essencial e perenemente boa para nós dentro dos propósitos santos e eternos de Deus.

Maringá, 11 de outubro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Cf. Charles Hodge, Teologia Sistemática, São Paulo: Editora Hagnos, 2001, p. 1540.

[2]A palavra tem o sentido de: Bondade (Sl 21.3; 23.6); bom (Sl 25.8; 34.9,15); bem (Sl 34.11,12; 37.3); melhor (Sl 63.3; 118.8,9); vale mais (Sl 84.10); bens (Sl 107.9). A Criação é, em seu estado original, avaliada por Deus como sendo boa (Gn 1.4,10,12,18,21,25,31). Veja-se: Alan Richardson, ed. A Theological Word Book of the Bible, London: SCM Press, 13. impression, 1975, p. 99.

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