A Pessoa e Obra do Espírito Santo (274)

6.4.6. Cristo como Senhor e cabeça da Igreja[1] 


                  “22E pôs todas as coisas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, 23 a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas” (Ef 1.22-23).

          Estes versos aludem a algumas verdades que queremos destacar. Me concentrarei  em uma delas:

  1. É-nos dito que Cristo é o Senhor de todas as coisas. Tudo está debaixo de seus pés. Toda a realidade está sob o seu domínio. Conforme já dissemos, Ele governa todas as coisas, conhecidas e ignoradas por nós, visíveis e invisíveis. O seu domínio não está limitado à nossa compreensão e abrangências do real: “E pôs todas as coisas debaixo dos pés” (Ef 1.22). Deste modo, o universo, as incontáveis galáxias, a história, os governantes, os pássaros e os fios de cabelo que caem, aquilo que ocupa a sua mente neste momento e inquieta o seu coração, nada escapa ao seu poder e controle. Nada lhe é indiferente. Nada lhe é estranho.

A abrangência de seu domínio, não exclui a particularidade de seu poder e controle. Isso também envolve a Satanás e os seus anjos. Não há poderes neste mundo, nem no porvir que estejam fora da esfera de domínio do Senhor ressurreto.

  • Ele é Senhor do universo. No entanto, a sua providência é especialíssima,[1] se manifestando no seu cuidado amoroso para com a Igreja, que é o seu corpo. A Igreja como Israel de Deus é a menina dos seus olhos (Zc 2.8/Dt 32.10). Esta certeza faz parte essencial da fé cristã. Deus preserva a Igreja em todas as circunstâncias. Mesmo nas noites mais trevosas de nossas angústias, podemos ter a certeza de que ninguém pode nos separar de Cristo (Rm 8.31-39). Estamos guardados e protegidos em suas poderosas mãos (Jo 10.28-30).[2] Esta convicção é um antídoto poderoso e eficaz contra a nossa angústia e depressão, nos capacitando resistir às tentações que procuram produzir em nós a sensação de solidão, fraqueza e desamparo. Isso é motivo de grande estímulo, conforto e alegria para todos nós.

          Turretini (1623-1687) escreve de modo penetrante:

Da confiança na providência provém a mais profunda consolação e incrível tranquilidade mental para os santos. Ela os leva a repousar serenamente no seio de Deus e a encomendar-se inteiramente ao seu paternal cuidado, esperando sempre dele o bem no futuro, não duvidando de que Ele sempre cumprirá o ofício de um Pai para com eles, conferindo o bem e afastando os males; exemplos disso temos em Davi (1Sm 17.37; Sl 23.1,4,6) e em Paulo (2Tm 4.17,18). Sentem eles que sob a proteção de Deus (o qual tem todas as criaturas em seu poder), não negligenciando indolentemente os meios, nem preocupadamente pondo neles a confiança, usando-os, porém, prudentemente segundo o seu mandamento, lançam todos os seus cuidados sobre o Senhor (1Pe 5.7) e, em todas as suas perplexidades, sempre exclamam com o pai dos fiéis: “O Senhor proverá”.[3]

  • A glória de Cristo se tornará plena e completa por meio da Igreja, quando Ele mesmo consumar a obra, enchendo a igreja e sendo cheio por ela em alegria e amor (Ef 1.23).

          Paulo diz que Jesus Cristo ressurreto, evidencia a supremacia do poder do Pai e do Filho, sendo constituído o cabeça sobre todas as coisas e, como evidência disso, o Pai o deu à Igreja. Do mesmo modo, escrevendo aos Colossenses, afirmou: 9porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade. 10Também, nele, estais aperfeiçoados. Ele é o cabeça de todo principado e potestade” (Cl 2.9-10).

          A Igreja é comandada por Cristo como o cabeça e, ao mesmo tempo tem a sua vitalidade em Cristo como a cabeça. Ele é que é o cabeça, quem comanda e dirige a Igreja e, é a cabeça quem a completa em um único Corpo. Aqui temos um sentido escatológico visto que “Cristo não pode ser perfeito como um Cristo místico, a menos que seus membros sejam ressuscitados com ele”.[4]

          Paulo quando usa a metáfora da Igreja como Corpo, aplica a singularidade do nome de Cristo: “Porque, assim como o corpo é um e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, constituem um só corpo, assim também com respeito a Cristo” (1Co 12.12). A força e vitalidade da Igreja estão na cabeça que é Cristo. Paulo não trata da glória da Igreja divorciada da glória de Cristo porque isso seria impossível. Por isso é que antes de falar da igreja ele já tratou da Pessoa de Cristo (Ef 1.3-13). Sem esta compreensão, a Igreja se perderá em seus descaminhos fruto de uma compreensão errada de sua natureza e propósito. A Igreja está unida a Cristo em uma santa e perpétua união.[5] Por isso, “toda teologia, quando alienada de Cristo, é não só vã e confusa, mas também nociva, enganosa e espúria”.[6]

          Com o pecado, a condição de Cabeça da Criação assume aspecto redentivo. O Senhor que comprou a Igreja com o seu próprio sangue, nos conduz de volta a Deus. Ele mesmo nos comunica as bênçãos adquiridas para nós por meio de sua morte e ressurreição.[7] Todos os servos de Deus, por mais proeminentes que sejam ou tenham sido, não têm vida em si mesmos.[8] Independência é morte (Jo 15.1-8).[9]

          “Nossa verdadeira plenitude e perfeição consiste em estarmos unidos no Corpo de Cristo”, exulta Calvino.[10] Portanto, não podemos separar o que Deus prazerosamente uniu desde a eternidade.

          Bavinck acentua com precisão:

A doutrina de Cristo não é o ponto de partida, mas certamente é o ponto central de todo o sistema dogmático. Todos os outros dogmas ou preparam para ela ou são inferidos dela. Nela, que é o coração da dogmática, pulsa toda a vida eticorreligiosa do Cristianismo.[11]

Maringá, 21 de agosto de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Sobre este capítulo, veja-se: Hermisten M.P. Costa, Introdução à Cosmovisão Reformada, Goiânia, GO.: Editora Cruz, 2017.

[2]Veja-se: J. Calvino, As Institutas, I.17.6.

[3] É muito sugestiva a análise do uso bíblica da expressão “mão de Deus”, demonstrando como o Deus pessoal cuida de seu povo dentro das categorias tempo e espaço, bem como além e depois (Veja-se: Francis A. Schaeffer, Não Há Gente Sem Importância, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 31-41).

[4]François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 676.

[5]Thomas Watson, A Fé Cristã, estudos baseados no breve catecismo de Westminster, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 351.

[6]“Pensar em Cristo sem a igreja é separar o que Deus uniu em santa união” (Joel Beeke, Coisas Gloriosas são ditas sobre Ti. In: John MacArthur, et. al. Avante, Soldados de Cristo: uma reafirmação bíblica da Igreja, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 33).

[7]João Calvino, Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 14.6), p. 93.

[8]Veja-se: João Calvino, evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2015, v. 2, (Jo 17.21), p. 200-201.

[9]Veja-se: João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 182-183.

[10]Veja-se: D. M. Lloyd-Jones, O supremo propósito de Deus: Exposição sobre Efésios 1.1-23, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 410-411.

[11]João Calvino, Efésios, (Ef 4.12), p. 124.

[12]Herman Bavinck, Dogmática Reformada: O pecado e a salvação em Cristo, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 3, p. 279. Vejam-se: Wolfhart Pannenberg, Fundamentos de Cristologia, Barcelona: Ediciones Sígueme, 1973, p. 27-28; Donald M. Baillie, Deus Estava em Cristo,São Paulo: ASTE., 1964, p. 51; Carl E. Braaten, A Pessoa de Jesus Cristo: In: Carl E. Braaten; Robert W. Jenson, eds. Dogmática Cristã,São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1990, v. 1, p. 459; Millard J. Erickson, Introdução à Teologia Sistemática,São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 275.

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