Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (14)

5.7. É Perfeitamente Justa

 

“Embora a razão carnal nos sugira que o mundo se move ao acaso e seja dirigido a esmo, contudo devemos considerar que o infinito poder de Deus é sempre associado à perfeita justiça”, instrui-nos Calvino.[1]

 

Visto que o pecado é voluntário e universal, Deus continuaria sendo perfeito em Sua justiça – como de fato é –, se não salvasse a ninguém (Mt 20.14,15; Rm 9.14,15).

 

“Se todos recebessem a punição, a punição não seria injusta”, conclui Agostinho (354-430).[2] Deus não devia misericórdia a ninguém.[3] Ele não é obrigado a ser misericordioso: Deus olha para a nossa miséria e nos ajuda, porque assim decidiu fazer. Os salvos não se constituem em vasos de merecimentos resultantes de sua suposta fé ou boas obras, antes, em vasos de misericórdia (Rm 9.23).[4] A sua misericórdia também é soberanamente livre. Da mesma forma, a nossa eleição e consequente salvação é resultado do amor misericordioso de Deus, o qual não pode ser reivindicado, visto não termos direito a nada. “Não devemos ignorar a antítese entre o nome de Deus e os méritos dos homens, visto que Deus, levando em conta sua própria glória, não pode achar em nós nenhuma causa pela qual ele fosse movido a salvar-nos”, insiste Calvino.[5]

 

Louis Berkhof (1873-1957), argumenta:

 

Se Deus devesse perdão ao pecado e a vida eterna a todos os homens, seria injustiça se Ele salvasse apenas um número limitado deles. Mas o pecador não tem, absolutamente, nenhum direito ou alegação que possa apresentar quanto às bênçãos decorrentes da eleição divina. De fato, ele perdeu o direito a essas bênçãos. Não somente não tem direito de pedir contas a Deus por eleger uns e omitir outros, como também devemos admitir que Ele seria perfeitamente justo, se não salvasse ninguém, Mt 24.14.15; Rm 9.14.15.[6]

 

Por outro lado, podemos dizer que a eleição é superjusta, visto que ela vai além da justiça humana. Todos merecíamos a morte por causa de nossos pecados (Rm 3.23; 6.23). A condenação seria justa, como de fato é para aqueles que se perdem. Porém, Deus, por Sua misericórdia, salvou quem Ele determinou salvar. Isto é mais do que justiça.[7]

 

A graça reina pela justiça. A misericórdia de Deus não se digladia com a sua justiça. Deus é perfeito em tudo. Mas, na misericórdia vemos estampada a sua justiça. Deus não se esquece de sua justiça como se fosse uma “perfeição imperfeita” do seu caráter, antes, Ele a cumpre, pagando o preço de nossos pecados em amor e misericórdia, nos imputando a justiça obtida por Cristo.

 

Calvino coloca esta verdade em termos belos: “Deus se paga a Si mesmo por Sua misericórdia manifestada em Seu Filho, nosso Salvador Jesus Cristo, que uma vez por todas se ofereceu ao Pai para ser Ele próprio a satisfação que Lhe deveríamos prestar”.[8]

 

A justiça de Deus está relacionada de forma essencial com Sua aliança estabelecida com o Seu povo, por meio da qual Ele promete salvar a todos aqueles que recebem pela fé a Jesus Cristo, tornando-se participante dos Seus merecimentos obtidos para o Seu povo. Deste modo, em Cristo nós temos o “Justo” e o justificador: A graça e a justiça (Rm 3.26). “Uma graça reinante à parte da justiça não é apenas inverossímil, mas também inconcebível”, conclui Murray (1898-1975).[9]

 

A.A. Hodge (1823-1886), considerando a situação dos “réprobos”, faz uma distinção ente o aspecto “negativo” e “positivo” da reprovação:

 

Em seu aspecto negativo a reprovação é simplesmente a não eleição, e é absolutamente soberana, fundada unicamente no beneplácito de Deus, que deseja eleger uns porque assim o quer e não porque sejam menos dignos. Positivamente, a reprovação não é soberana senão judicial, porque Deus há determinado tratar aos réprobos precisamente conforme os seus méritos e à vista de sua absoluta justiça.[10]

 

A nossa salvação repousa na perfeição dos atributos de Deus, revelados para nós, de forma mais específica, em justiça e amor. Louvemos a Deus por isso.

 

São Paulo, 9 de abril de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

 

*Leia esta série completa aqui.

 


[1] João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 36.5), p. 128.

[2]Agostinho, A Graça (I), 2. ed. São Paulo: Paulus, 1999, p. 115.

[3] “A misericórdia não é um direito ao qual o homem faz jus. A misericórdia é aquele atributo adorável de Deus, pelo qual tem dó dos miseráveis e os alivia” (A.W. Pink, Deus é Soberano, Atibaia, SP.: FIEL, 1977, p. 23). “É em razão de ser misericordioso que Deus primeiro nos recebe em sua graça, e então prossegue nos amando” (João Calvino, As Pastorais, (1Tm 1.2), p. 27).

[4] Ver Agostinho, A Graça (I), 2. ed. São Paulo: Paulus, 1999, p. 115-116.

[5] João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 3, (Sl 106.8), p. 674.

[6] L. Berkhof, Teologia Sistemática, p. 116.

[7]Veja-se: Cânones de Dort, I.1.

[8]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, v. 3, (III.9), p. 129.

[9]John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, p. 19.

[10] A.A. Hodge, Esboços de Theologia, p. 67.

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