Diáconos e Presbíteros: Servos de Deus no Corpo de Cristo (12)

Comunidade em maturação: uma boa ansiedade

Assim, é Deus mesmo e não outro, quem nos concede talentos para servi-lo (Ef 4.7,11/1Co 12.11,18). A consciência dessa realidade, como temos enfatizado, deve nos conduzir à uma atitude de gratidão, real humildade e serviço (1Co 4.7; 1Co 15.10),[1] visto que Deus nos concedeu os talentos para o serviço do Reino: “A manifestação do Espírito é concedida a cada um, visando a um fim proveitoso” (1Co 12.7).

 

Paulo continua: “Para que não haja divisão no corpo; pelo contrário, cooperem os membros, com igual cuidado (merimna/w = “preocupação”),[2] em favor uns dos outros” (1Co 12.25).

 

Escreve Calvino:

 

O Senhor nos colocou juntos na Igreja, e destinou cada um ao seu posto, de tal maneira que, sob a única Cabeça, venhamos a nos auxiliar uns aos outros. Lembremo-nos também de que tão diferentes dons nos têm sido concedidos para podermos servir ao Senhor humilde e despretensiosamente, e aplicar-nos ao avanço da glória daquele que nos tem dado tudo quanto temos.[3]

 

Deste modo, os talentos recebidos, foram-nos concedidos para que os usássemos para a edificação da Igreja, não para a disseminação de discórdias, ou para usar de nossa influência para dividir, denegrir, solapar ou mesmo para promover e solidificar a nossa projeção pessoal amparada em valores totalmente seculares: Deus não desperdiça os dons “por nada e nem os destina para que sirvam de espetáculo”, enfatiza Calvino.[4] O objetivo é claro, visando sempre à maturidade e fortalecimento: “Com vistas ao aperfeiçoamento (katartismo/j[5] = “preparar”, “equipar para o serviço”) dos santos” (Ef 4.12).

 

Ainda que de passagem, deve ser acentuado que o Deus que nos chama, também nos capacita. Deus não vocaciona pessoas supostamente capacitadas, mas, Ele mesmo, ao longo da história, vai nos munindo e preservando com talentos necessários para desempenharmos o nosso ofício.

 

Calvino resume:

 

Sempre que os homens são chamados por Deus, os dons são necessariamente conectados com os ofícios. Pois Deus não veste homens com máscara ao designá-los apóstolos ou pastores, e, sim, os supre com dons, sem os quais não têm eles como desincumbir-se adequadamente de seu ofício.[6]

 

São Paulo, 17 de junho de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

 

 


 

[1]“Pois quem é que te faz sobressair? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido?” (1Co 4.7). “Mas, pela graça de Deus, sou o que sou; e a sua graça, que me foi concedida, não se tornou vã; antes, trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo” (1Co 15.10).

[2]A palavra tem o sentido de solicitude, preocupação e inquietação. Ela ocorre 18 vezes no NT. O seu uso no Novo Testamento não tem um sentido apenas negativo; Paulo a emprega positivamente, como por exemplo no texto citado (1Co 12.25). Do mesmo modo, quando se refere a Timóteo: “Porque a ninguém tenho de igual sentimento, que sinceramente cuide (Merimnh/sei) dos vossos interesses” (Fp 2.20) e, também quando descreve as suas lutas em favor da Igreja: “Além das cousas exteriores, há o que pesa sobre mim diariamente, a preocupação (Me/rimna) com todas as Igrejas” (2Co 11.28).

            O termo também é usado negativamente: Jesus, o emprega duas vezes neste sentido: “Não andeis ansiosos (merimna=te) pela vossa vida” (Mt 6.25). À Marta, inquieta com os seus afazeres e diante da aparente inércia de Maria, diz: “Marta! Marta! andas inquieta (Merima=j) e te preocupas com muitas coisas” (Lc 10.41).

Paulo, também trata dessa questão, dizendo aos filipenses: “Não andeis ansiosos (Merimna/w) de cousa alguma” (Fp 4.6). No entanto, esta exortação pode parecer inócua sem a indicação de um caminho eficaz para a canalização de nossas ansiedades existentes. Paulo então, propõe a solução para o problema: “Em tudo, porém, sejam conhecidas diante de Deus as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graça” (Fp 4.6).

[3] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 4.7), p. 134.

[4]João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 12.7), p. 376.

[5]A ideia da palavra é de preparar de forma adequada e própria (espiritual, intelectual e moral) para a execução de determinada tarefa. O seu sentido é mais funcional do que qualitativo (Cf. R. Schippers, R. Retidão: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 4, p. 215). O verbo katarti/zw tem um amplo sentido de restauração: consertar as redes (Mt 4.21; Mc 1.19); boa instrução (Lc 6.40); perfeita união (1Co 1.10); aperfeiçoar/equipar (2Co 13.11; Hb 13.21; 1Pe 5.10; 2Co 13.9 (kata/rtisij); correção (Gl 6.1); reparo (1Ts 3.10), formar (Hb 10.5; 11.3). O termo grego utilizado por Paulo, no campo cirúrgico, era usado para “consertar um osso quebrado”. “Ajustar em conjunto num só corpo” (David M. Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 172). “A ideia fundamental do termo é de pôr nas condições em que devem estar já uma coisa ou uma pessoa” (William Barclay, Efésios, Buenos Aires: La Aurora, 1973, p.156). Calvino diz que o termo grego “significa literalmente a mútua adaptação (= coaptitionem) de coisas que devem ter simetria e proporção; assim como, no corpo humano, há uma combinação apropriada e regular dos membros; de modo que o termo é também usado para ‘perfeição’. Mas como a intenção de Paulo aqui é expressar um arranjo simétrico e metódico, prefiro o termo constituição (= constitutio]. Pois, estritamente falando, o latim indica uma comunidade, ou reino, ou província, como constituída, quando a confusão dá lugar ao estado regular e legítimo” (João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 4.12), p. 124).

[6] João Calvino, Efésios, (Ef 4.11), p. 119.

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