Diáconos e Presbíteros: Servos de Deus no Corpo de Cristo (20)

II – O OFÍCIO de Diácono

Introdução

1. Terminologia

 

O termo “diácono” e suas variantes, provêm do grego dia/konoj, diakoni/a e diakone/w, palavras que significam respectivamente, “servo”, “serviço” e “servir”.

 

2. “Diácono” na literatura secular

2.1. Na Literatura grega

 

As palavras relacionadas à diaconia apresentam três sentidos especiais, com uma pesada conotação depreciativa: a) Servir à mesa; b) Cuidar da subsistência; c) Servir: No sentido de “servir ao amo”.

 

Aqui temos que ter cautela para não incorrermos no equívoco generalizante de tomar um pensamento aqui e outro ali e presumir termos a amostragem característica do pensamento grego. Nem sempre, por exemplo, os pensamentos de Sócrates (469-399 a.C.), Platão (427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.) representam o modo habitual dos gregos verem a realidade.[1]

 

Tomando o cuidado necessário, podemos observar que dentro do ideal grego de reflexão e serenidade, não há espaço para um pensar em “trabalho braçal”. Daí a visão grega do trabalho ser extremamente negativa, sendo considerado algo inferior.[2] Assim, é fácil compreender a justificativa da escravidão. Como a vida contemplativa e de prazeres sensoriais é a mais valiosa, nos assemelhando aos deuses,[3] os homens livres poderiam se aproximar deste modelo de contemplação divina.[4]

 

Mesmo Hesíodo (c. 750-c. 650 a.C.) reconhecendo que “o trabalho não é vergonha alguma, mas a preguiça é!”,[5] na descrição que faz da Idade de Ouro,[6] os deuses viviam sob o domínio de Cronos[7] em perfeita paz, sem preocupações, alegrando-se nas festas, usufruindo dos bens produzidos espontânea e generosamente pela terra; ou seja: na ociosidade celestial e terrena.[8]

 

Para os gregos, servir era algo indigno. Os Sofistas chegavam a afirmar que o homem reto só deve servir aos seus próprios desejos, com coragem e prudência.

 

Partindo da compreensão grega de que nascemos para comandar, não para servir, Platão (427-347 a.C.) e Demóstenes (384-322 a.C.), um pouco mais moderados, admitiam que o serviço (diakoni/a) só tinha algum valor quando prestado ao Estado. Portanto, “a ideia de que existimos para servir a outrem não cabe, em absoluto, na mente grega”.[9]

 

No mundo Romano, apesar de todo o seu empreendimento, filósofos como Cícero (106-43 a.C.) e Sêneca (c. 4 a.C.-65 d.C.) e o historiador Tito Lívio (59 a.C. – 17 d.C.), exaltavam o ócio em detrimento do trabalho, olhando com desprezo o trabalho do artesão.[10]

 

2.2. Na Literatura judaica

 

Ainda que no judaísmo o conceito não tenha sido explorado, encontramos a compreensão mais profunda a respeito daquele que serve. O pensamento oriental não considerava indigno o serviço. A grandeza do senhor determinava a grandiosidade do trabalho. Quanto maior o senhor a quem se serve, mais o serviço é valorizado.

 

O historiador judeu Flávio Josefo (c. 38-c. 100 d.C.), usou o termo em três sentidos: a) Servir à mesa; b) Servir no sentido de obedecer; c) Prestar serviços sacerdotais.

 

O trabalho manual era altamente estimado; sendo profundamente respeitados aqueles que o praticavam, visto ser considerado este talento, uma dádiva de Deus.[11] Aliás, Deus é apresentado no primeiro verso de Gênesis, como trabalhando, criando todas as coisas (Gn 1.1) e, nas páginas do Antigo Testamento, com frequência, somos desafiados a contemplar a criação de Deus e maravilhar-nos (Jó 37.14-15; Sl 8.3,6; 19.1-6; 28.5; 86.8; 92.4-5; 104.24; 111.2; 139.14; 145.9,17 etc.).[12]

 

O trabalho não está associado ao pecado, antes, faz parte do propósito primevo de Deus para o homem e revela a sabedoria divina (Gn 1.28; 2.15; Ex 20.9; Sl 104.23; Is 28.23-29). Os rabinos, como exemplo desta perspectiva, além do estudo metódico da Lei, aplicavam-se ao trabalho manual para suprir às suas necessidades (Vejam-se: Mc 6.3 (Mt 13.55); At 18.3).

 

Alfred Edersheim (1825-1889) comenta com propriedade:

 

Entre os judeus o desprezo pelo trabalho braçal, uma das características dolorosas do paganismo, não existia. Pelo contrário, era considerado obrigação religiosa, com frequência e muita seriedade insistia-se na necessidade de se aprender algum ofício, desde que ele não levasse a extravagâncias nem propiciasse um desvio da observância pessoal da Lei.[13]

 

Há um ditado atribuído ao Rabino Judá (2º século), que dizia: “Aquele que não ensina o próprio ofício ao filho ensina-o a roubar”.[14]

 

No entanto, com o passar dos anos, foi criada uma dicotomia entre o sagrado e o profano. No Talmude,[15] há uma oração (séc. 1º) feita pela perspectiva do escriba, que diz o seguinte:

 

Eu te agradeço, Senhor, meu Deus, porque me deste parte junto daqueles que se assentam na sinagoga, e não junto daqueles que se assentam pelas esquinas das ruas; pois eu me levanto cedo, eles também se levantam cedo; eu me levanto cedo para as palavras da Lei, e eles, para as coisas fúteis. Eu me esforço, eles se esforçam: eu me esforço e recebo a recompensa, eles se esforçam e não recebem recompensa. Eu corro e eles correm: eu corro para a vida do mundo futuro, e eles, para a fossa da perdição.[16]

 

 

Rio de Janeiro, 25 de junho de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

*Confira esta série completa aqui


[1] Devo esta observação a Forrester. (W.R. Forrester, Christian Vocacion: Studies in Faith and Work, London: Lutterworth Press, 1951, p. 121).

[2] Vejam-se: Platão, República, 369ss.; Aristóteles, Política, 1328b; Idem., Metafísica, I.1. Vejam-se também, a interpretação    do conceito grego, feita por Ferrater Mora. (Trabajo: In: José Ferrater Mora, Diccionario de Filosofia, 5. ed. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1969, v. 2, p. 819-822; Alan Richardson, Work: In: Alan Richardson, ed. A Theological Word Book of the Bible, 13. ed. London: SCM Press, 1975, p. 285).

[3]Veja-se: Aristóteles, Ética a Nicômaco, São Paulo: Abril Cultural (Os Pensadores, v. 4), 1973, X.7-8.

[4] Cf. Ray Pennings, Trabalhando para a Glória de Deus. In: Joel R. Beeke, Vivendo para a Glória de Deus: Uma introdução à Fé Reformada, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2012 (reimpressão), p. 367.

[5] Hesíodo, Os Trabalhos e os Dias, 3. ed. São Paulo: Iluminuras, 1996, Verso 310. (O texto é bilingue. Optei por fazer a tradução).

[6]Em Hesíodo encontramos o exemplo característico da interpretação linear da História, que apresenta um processo finito e pessimista. Ele entendia que a História se move partindo da idade do ouro, passando pela da prata e de bronze até chegar finalmente à de ferro (Veja-se: Otto A. Piper, A Interpretação Cristã da História, São Paulo: Coleção da Revista de História, 1956, 18).

[7] Dentro de determinada tradição mitológica grega, Cronos seria filho de Urano e Gaia. Era o deus do tempo.

[8] Ver: Hesíodo, Os Trabalhos e os Dias, 3. ed. São Paulo: Iluminuras, 1996, Versos 115-120. Para uma análise deste conceito, veja-se: W.R. Forrester, Christian Vocacion: Studies in Faith and Work, London: Lutterworth Press, 1951, p. 121-126.

[9]Hermann W. Beyer, Servir, Serviço: In: G. Kittel, ed. A Igreja do Novo Testamento, São Paulo: ASTE, 1965, p. 275. Vejam-se também: J. Stam, Diácono, Diaconisa: In: Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 2, p. 151.

[10]Vejam-se: W. Wrade Fowler, Social Life at Rome in the Age of Cicero, cap. II (http://www.readcentral.com/chapters/W-Warde-Fowler/Social-life-at-Rome-in-the-Age-of-Cicero/003) (Acessado em 24.06.19); Battista Mondin, O Homem, Quem é Ele?, São Paulo: Paulinas, 1980, p. 193; W.R. Forrester, Christian Vocacion: Studies in Faith and Work, London: Lutterworth Press, 1951, p. 127-128.

[11] Veja-se: J.I. Packer, Carpinteiro: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 1, p. 364-365; Paul Johnson, História dos Judeus, 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1989, p. 174.

[12]4 Inclina, Jó, os ouvidos a isto, pára e considera as maravilhas de Deus. 15Porventura, sabes tu como Deus as opera e como faz resplandecer o relâmpago da sua nuvem?” (Jó 37.14-15). 3Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, e a lua e as estrelas que estabeleceste. (…) 6 Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão e sob seus pés tudo lhe puseste” (Sl 8.3,6). 1Ao mestre de canto. Salmo de Davi Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos.  2 Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite.  3 Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som;  4 no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo. Aí, pôs uma tenda para o sol,  5 o qual, como noivo que sai dos seus aposentos, se regozija como herói, a percorrer o seu caminho.  6 Principia numa extremidade dos céus, e até à outra vai o seu percurso; e nada refoge ao seu calor” (Sl 19.1-6). “Não há entre os deuses semelhante a ti, Senhor; e nada existe que se compare às tuas obras” (Sl 86.8) 4 Pois me alegraste, SENHOR, com os teus feitos; exultarei nas obras das tuas mãos.  5 Quão grandes, SENHOR, são as tuas obras! Os teus pensamentos, que profundos!” (Sl 92.4-5). “Que variedade, SENHOR, nas tuas obras! Todas com sabedoria as fizeste; cheia está a terra das tuas riquezas” (Sl 104.24). “Grandes são as obras do SENHOR, consideradas por todos os que nelas se comprazem” (Sl 111.2).

[13]Alfred Edersheim, The Life and Times of Jesus The Messiah, 3. ed. Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 1971, 1981 (Reprinted), v. 1, p. 252

[14] Conferir, entre outros: William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires: La Aurora, 1974, v. 7, (At 18.1-11), p. 145; John Stott, O Incomparável Cristo, São Paulo: ABU., 2006, p. 134.

[15]Talmude, cujo nome significa “instrução”, consiste numa coleção de leis rabínicas com seus comentários interpretativos a respeito das leis de Moisés, compilada entre o ano 100 e 500 da Era Cristã. (Vejam-se, entre outros: W. White Jr., Talmude: In: Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 5, p. 738-744; C.L. Feinberg, Talmude e Midrash: In: J.D. Douglas, ed. ger. O Novo Dicionário da Bíblia, São Paulo, SP.: Junta Editorial Cristã, 1966, v. 3, p. 1560-1561.

[16]Apud Joachim Jeremias, As Parábolas de Jesus, 3. ed. São Paulo: Paulinas, 1980, p. 144. Quanto às profissões consideradas suspeitas pelo alto grau de perigo de ingressar em práticas pecaminosas, veja-se; J. Jeremias, Jerusalém no tempo de Jesus: pesquisa de história econômica-social no período neotestamentário, São Paulo: Paulinas, 1983, p. 403ss.

One thought on “Diáconos e Presbíteros: Servos de Deus no Corpo de Cristo (20)

  • 30 de junho de 2019 em 22:38
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    Não vejo demérito em servir a este ou aquele, menos ainda em servi-los na Igreja do Senhor.

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