Diáconos e Presbíteros: Servos de Deus no Corpo de Cristo (13)

A Igreja e o ministério universal dos crentes

 

Observemos que estes ofícios (Ef 4.11) foram instituídos para o aperfeiçoamento dos santos a fim de que estes cumpram o seu serviço na Igreja. Dito de outro modo: o trabalho não é apenas pastoral ou dos presbíteros regentes e diáconos, é também e fundamentalmente comunitário. Toda a Igreja é responsável. Lutero falou do Sacerdócio Universal dos Crentes; pois bem, este texto nos fala do ministério universal dos crentes. O carisma traz implicações de responsabilidade com a edificação de nossos irmãos.

 

Na Igreja de Cristo não pode haver a divisão entre aqueles que trabalham e os que apenas ouvem comodamente. Todos somos chamados e capacitados ao trabalho cristão. Uma igreja não pode prosperar espiritual e numericamente quando há uma rígida divisão ainda que não institucionalizada entre os poucos que trabalham e uma grande parte que apenas assiste passivamente.[1]

 

Notemos também, que Paulo diz que todos os membros da Igreja são santos. Isso aponta para o nosso privilégio (somos santificados em Cristo Jesus) e nossa responsabilidade (devemos progredir em santidade). Neste ponto, a Igreja sofre tremendamente, porque ela abandonou a sua realidade e a sua meta de santidade (separação) e cada vez mais intensamente se parece com o mundo: na sua forma de pensar, de planejar, de falar, de sentir, de vestir e de fazer. Por vezes, a nossa estrutura de pensamento e consequentemente, de ação, é totalmente mundana. Nesse acaso, ao invés desse comportamento aprendido por osmose sugerir maturidade, é, na verdade, um sintoma de infantilidade crônica: temos de modo demasiado, falado, sentido e pensado como meninos; enquanto que o propósito de Deus para o seu povo é o inverso: que pensemos, sintamos e falemos como pessoas maduras na fé (1Co 13.11/1Co 3.1-2; Hb 5.11-14; 2Pe 3.18).[2] Paulo contrasta aqui os “meninos” (nh/pioj = “bebê”, “imaturo”, “criança pequena”) (Ef 4.14) com a “perfeição” (te/leioj = “maduro”) (Ef 4.13). Valendo-nos das categorias de Fromm (1900-1980),[3] podemos dizer, que temos com frequência analisado a Igreja, os fiéis, os seus serviços dentro de um critério puramente pragmático do “ter”, enquanto que as Escrituras nos desafiam a “ser” uma nova criatura conforme a nossa origem genética – o novo nascimento – e, a viver em consonância com esses ideais.

 

Calvino comenta:

 

Crianças são aqueles que ainda não deram um passo no caminho do Senhor, senão que hesitam, que não determinaram ainda que rumo devem tomar, mas que se movem às vezes numa direção e às vezes noutra, sempre duvidosos, sempre ziguezagueando.[4]

 

As crianças devido a sua ingenuidade, são mais influenciáveis, dadas à instabilidade. Os pagãos, por questão de uma necrose espiritual, apresentam este comportamento, sendo conduzidos por qualquer nova doutrina. Em Listra, conduzidos por suas lendas,[5] pensaram que Paulo e Barnabé fossem Júpiter e Mercúrio, querendo a todo custo oferecer-lhes sacrifícios. Pouco depois, influenciados pelos judaizantes, apedrejaram a Paulo, deixando-o morto aos seus olhos (At 14.8-20). Aqui vemos os extremos representados: ou Paulo é uma divindade e por isso deve ser adorado, ou é um ser vil que não deve permanecer vivo, deve ser extirpado da face da terra.  Foi com dificuldade que o apóstolo os impediu de adorarem-no (At 15.14-18). Contudo, foi fácil aos judeus que vieram de fora instigarem as multidões ao apedrejamento de Paulo (At 14.19).

 

Na realidade, o apedrejamento de Paulo foi uma expressão de indignação contra suas próprias fantasias criadas espontaneamente por uma mente doentia. É mais fácil demonizar o outro do que buscar a cura santificadora de nossa mente que nos leva a pensar com clareza.

 

O cristianismo nos propõe a maturidade. “O progresso da igreja é marcado por um crescimento da infância até a maturidade, na medida que ela assume o caráter de sua cabeça, Cristo”, pontua Martin (1925-2013).[6]

 

Paulo para descrever esta inconstância infantil, usa um termo náutico que se refere a uma pequena embarcação que, em mar aberto não consegue manter o curso certo (kludwni/zomai = “ser arrastado, levado pelas ondas”) (Ef 4.14). Metaforicamente tem o sentido de “ser agitado mentalmente”. A ideia é a de andar em círculos, diante da variedade de ensinamentos. “Ele os compara com as palhas ou outros elementos leves, os quais são rodopiados pela força do vento a soprar em círculo ou em direções opostas”, aplica Calvino.[7]

 

Tomando as figuras usadas por Paulo, podemos observar que a criança gosta de entretenimento, novidade e indisciplina. Se não tivermos firmeza doutrinária, se não estivermos ancorados na Palavra, seremos arrastados de forma constante, sem direção e propósito.

 

As igrejas da Galácia ilustram essa insegurança. Paulo as recrimina por isso: “Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo, para outro evangelho” (Gl 1.6). “Vós corríeis bem; quem vos impediu (e)gko/ptw)[8] de continuardes a obedecer à verdade?” (Gl 5.7). Este impedimento pode ser proveniente do diabo por meio de seus agentes (1Ts 2.14-18) ou do próprio coração humano, onde reside a raiz de nossos pecados.[9]

 

Calvino comentando a facilidade com que quase todos se curvaram diante do decreto idólatra de Nabucodonosor (Dn 3.2-7), sustenta que a base de nossa firmeza doutrinária está no apego irrestrito à Palavra:

 

Nada é firme, nada é estável entre os gentios; indivíduos que não foram instruídos na escola de Deus o que significa a verdadeira religião. Pois oscilam a todo instante ao sabor de qualquer brisa. Assim como as folhas se movem quando o vento sopra por entre as árvores, assim também todos os que não estão enraizados na verdade de Deus oscilarão e serão lançados para frente e para trás quando algum vento começa a soprar. O decreto régio não constitui uma brisa leve, e, sim, uma violenta tempestade. Pois ninguém pode opor-se impunemente aos reis e a seus editos. Por isso, sucede que os que não se acham plantados na Palavra de Deus, e não entendem absolutamente nada do que é verdadeira piedade, são arrastados pela investida de tal pé-de-vento.[10]

 

Em nossa imaturidade espiritual, já não separamos as coisas; antes dizíamos que tudo era sagrado, agora vivemos como se tudo fosse profano… e o pior é que estamos perfeitamente acomodados a isso, estamos bem à vontade, estamos em casa. A acomodação no pecado não indica a paz de Deus, antes, a morte de uma consciência supostamente cristã! A maturidade cristã impede-nos de cometer “macaquices espirituais”, de ficar pulando de um lado para o outro em uma insensatez pecaminosa.

 

Retornando ao nosso objetivo, devemos enfatizar que a Igreja é uma comunidade carismática porque é constituída pelo povo redimido pela graça de Deus e, também, porque atua comunitariamente com os carismas concedidos por Deus para a edificação do Corpo de Cristo. (Vejam-se: Ef 4.13-16).

 

São Paulo, 18 de junho de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

*Acesse todos os textos dessa série aqui.

 


[1] “Não há crescimento em igrejas que dependem de algumas poucas pessoas e os demais membros são espectadores. Sempre existe progresso e multiplicação em igrejas cujos membros são vibrantes e intentam servir a Cristo” (Iain Murray, A Igreja: Crescimento e Sucesso: In: Fé para Hoje, São José dos Campos, SP.: Fiel, nº 6, 2000, p. 20).

[2] “Eu, porém, irmãos, não vos pude falar como a espirituais, e sim como a carnais, como a crianças em Cristo. Leite vos dei a beber, não vos dei alimento sólido; porque ainda não podíeis suportá-lo. Nem ainda agora podeis, porque ainda sois carnais” (1Co 3.1-2). “A esse respeito temos muitas coisas que dizer e difíceis de explicar, porquanto vos tendes tornado tardios em ouvir. 12 Pois, com efeito, quando devíeis ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes, novamente, necessidade de alguém que vos ensine, de novo, quais são os princípios elementares dos oráculos de Deus; assim, vos tornastes como necessitados de leite e não de alimento sólido. 13 Ora, todo aquele que se alimenta de leite é inexperiente na palavra da justiça, porque é criança. 14 Mas o alimento sólido é para os adultos, para aqueles que, pela prática, têm as suas faculdades exercitadas para discernir não somente o bem, mas também o mal” (Hb 5.11-14/2Pe 3.18). (Grifos meus).

[3] Valho-me das categorias de Fromm apenas enquanto nomes não em termos de conteúdo, visto que a sua visão é puramente humanista. Concordo com ele em sua compreensão de que a sociedade moderna reflete os seus valores por meio da ênfase no “ter” ao invés do “ser”. Assim, as pessoas valem pelo que possuem, não pelo que são; ou melhor, elas passam a ser justamente pelo que têm. A categorização dele é a seguinte:

“A diferença entre ter e ser é (…) uma diferença entre uma sociedade centrada em torno de pessoas e outra centrada em torno das coisas. A orientação no sentido do ter é característica da sociedade industrial, na qual a avidez por dinheiro, fama, e poder tornou-se o tema dominante da vida” (Erich Fromm, Ter ou Ser? 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1980, p. 38-39).

“Consumir é uma forma de ter, e talvez a mais importante da atual sociedade abastada e industrial. Consumir apresenta qualidades ambíguas: alivia ansiedade, porque o que se tem não pode ser tirado; mas exige que se consuma cada vez mais, porque o consumo anterior logo perde a sua característica de satisfazer. Os consumidores modernos podem identificar-se pela fórmula: eu sou = o que tenho e o que consumo” (Erich Fromm, Ter ou Ser? 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1980, p. 45).

[4] João Calvino, Efésios, (Ef 4.14), p. 127.

[5]Ovídio (42 aC-18 d.C.), em sua obra principal, Metamorfoses, narra que o pobre casal, Filemon e Báucis, hospedou em sua humilde casa Júpiter e Hermes (= Mercúrio), que vieram à sua cidade disfarçados de mortais a procura de uma hospedagem, e que não conseguiram pousada em nenhuma das mil casas da região, exceto na do casal. Filemon e Báucis, por este ato de hospitalidade, conta-nos Ovídio, foram recompensados, sendo poupados do dilúvio que destruiu as casas de seus vizinhos não hospitaleiros; tendo, inclusive, num ato simultâneo, a sua pequena casa transformada num templo e, a pedido, receberam a incumbência de serem sacerdotes e guardiães do santuário de Júpiter e, conforme solicitaram, Filemon e Báucis, morreram juntos. (Ovídio, As Metamorfoses, Rio de Janeiro: Editora Tecnoprint, 1983, Livro VIII, p. 214-216).

Esta lenda, que já era bem conhecida nos tempos de Paulo e Barnabé, esclarece por que tão prontamente o povo os identificou com tais divindades após o milagre realizado por Deus através deles. Stott relata que “duas inscrições e um altar de pedra foram encontrados perto de Listra, e eles indicam que Zeus e Hermes eram adorados juntos, como divindades padroeiras locais” (John R.W. Stott, A Mensagem de Atos: até os confins da terra, São Paulo: ABU., 1994, (At 14.11-15a), p. 258).

[6] Ralph P. Martin, Efésios: In: Comentário Bíblico Broadman, Rio de Janeiro: JUERP., 1985, v. 11, p. 190.

[7] João Calvino, Efésios, (Ef 4.14), p. 128.

[8]No seu emprego militar esta palavra tinha o sentido de cortar uma árvore para causar um impedimento ou, abrir uma vala que obstaculizasse temporariamente o caminho do inimigo, daí a palavra tomar o sentido de “impedimento”, “empecilho”, “obstáculo”, “cansar”, “sobrecarregar”. (Vejam-se: G. Stählin, Kopeto/j, etc.: In: G. Kittel, ed., Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1981 (Reprinted), v. 3, p. 855-860; C.H. Peisker, Impedir: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 2, p. 417-418; William F. Arndt; F.W. Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature, Chicago: University Press, 1957, p. 215; F.F. Bruce, Hechos de los Apóstoles: Introducción, comentarios y notas, Michigan: Libros Desafío, 2007, (At 24.4), p. 513-514).

[9]Cf. G. Stählin, Kopeto/j, etc.: In: G. Kittel, ed. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 3, p. 856-857.

[10] João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dn 3.2-7), p. 190.

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