A Santidade de Deus e a necessidade de arrependimento: uma pregação urgentemente necessária (6)

Arrependimento contínuo e operante

 

Deus deseja que nos arrependamos de nossos pecados e, como evidência desta transformação, mudemos de comportamento. Na parábola dos dois filhos, contada por Jesus, temos exemplificado este princípio:

 

E que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Chegando-se ao primeiro, disse: Filho, vai hoje trabalhar na vinha. Ele respondeu: Sim, senhor; porém não foi. Dirigindo-se ao segundo, disse-lhe a mesma cousa. Mas este respondeu: não quero, depois arrependido, foi. Qual dos dois fez a vontade (qe/lhma) do Pai? Disseram: O segundo. Declarou-lhes Jesus: Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem no reino de Deus. Porque João veio a vós outros no caminho da justiça, e não acreditastes nele; ao passo que publicanos e meretrizes creram. Vós, porém, mesmo vendo isto não vos arrependestes, afinal, para acreditardes nele. (Mt 21.28-32).

 

A vontade de Deus é que os homens, confrontados com a mensagem salvífica de Deus, se arrependam de seus pecados, recebendo a Cristo como seu Salvador pessoal, iniciando uma nova fase em sua vida, tendo como princípio animador agradar a Deus, sendo-Lhe obediente.

 

Arrependimento e fé para sempre

 

O arrependimento é parte integrante e essencial de nossa santificação. Deus deseja que procuremos agradá-Lo em todas as coisas. No entanto, sabemos que pecamos, que falhamos, que não atingimos o alvo proposto por Deus; por isso, conscientes de nossos pecados, devemos nos arrepender, buscando o perdão de Deus e o reparo para o nosso erro.

A Confissão de Westminster (1647) resume: “O pecador pelo arrependimento, de tal maneira sente e aborrece os seus pecados, que, deixando-os, se volta para Deus, tencionando e procurando andar com Ele em todos os caminhos dos seus mandamentos” (XV.2).

 Considerando o nosso progresso espiritual em direção ao modelo definitivo, Jesus Cristo, Calvino (1509-1564) destaca três elementos essenciais no arrependimento os quais devem nos acompanhar em toda vida cristã: “O ensino do arrependimento contém a regra do viver santo; ele demanda negação de nós mesmos, mortificação de nossa carne e meditação sobre a vida celestial”.[1]

Em outro lugar:

 

Esta restauração, na verdade, não se consuma em um momento, ou em um dia, ou em um ano; antes, através de avanços contínuos, ainda que amiúde de fato lento, Deus destrói em seus eleitos as corrupções da carne, os limpa de sua imundície e a si os consagra por templos, renovando-lhes todos os sentimentos à verdadeira pureza, para que se exercitem no arrependimento toda sua vida e saibam que não há nenhum fim para esta luta senão na morte.[2]

Julgo que aquele que aprendeu a ficar profundamente insatisfeito consigo mesmo aprendeu muito de proveito, não para permanecer estacionado neste lamaçal, sem dar um passo além; antes, pelo contrário, de modo que se apresse para Deus e por ele suspire; para que, enxertado na morte e na vida de Cristo, se aplique ao perpétuo arrependimento.[3]

 

O arrependimento e a fé são passos iniciais, inseparáveis e complementares[4] da vida cristã como resposta ao chamado divino. No entanto, ambos devem acompanhar a nossa vida. Devemos continuar crendo em Deus em todas as circunstâncias e cultivar, pelo Espírito, uma atitude de arrependimento pelas nossas falhas.[5] “O espírito quebrantado e o coração contrito são as marcas permanentes da alma crente”.[6]

Isso indica o fato de que somos pecadores e, ainda que não mais dominados pelo pecado, continuamos mantendo esta luta em nosso coração. As nossas quedas seguidas de um arrependimento sincero nos envergonham, porque percebemos o quão distante estamos do alvo proposto por Deus para nós. O arrependimento pleno é um ideal da vida cristã que jamais será concretizado neste estado de existência.

Olyott escreve sobre isso com a sua costumeira sensibilidade:

 

Arrependimento é ter vergonha de quem você é. Você faz o que você faz porque você é quem você é. E o que você é, é o que Deus diz que você é: um pecador! O evangelho é que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar pecadores! E sem esse sentido claro de pecado, você não pode ser salvo.[7]

 

Deus deseja que procuremos agradá-lo em todas as coisas. No entanto, sabemos que pecamos, que falhamos, que não atingimos o alvo de santidade proposto por Deus, por isso, conscientes de nossos pecados, devemos nos arrepender, buscando o perdão de Deus e o reparo para o nosso erro.

 

Disciplina amorosa: formativa e corretiva

A disciplina corretamente entendida, envolve ensino e repreensão. O ensino correto previne muitos males e conduz o fiel ao arrependimento pelos seus pecados. Deste modo, biblicamente, devemos entender a disciplina de maneira formativa e corretiva.[8] A disciplina formativa que consiste no ensino da Palavra é, pelo Espírito, amplamente corretiva.

Na disciplina de Deus, além de revelar a sua justiça, ele tem, em seus filhos, este propósito primordial: conduzir-nos ao arrependimento:

 

Porque a Deus não Lhe basta ferir-nos com sua mão, a menos que também nos toque interiormente com Seu Espírito Santo. (…) Até que Deus nos toque no mais profundo de nosso interior, é certo que não faremos nada senão dar coices contra Ele, cuspindo mais e mais veneno; e toda vez que nos punir rangeremos os dentes, e nada mais faremos senão atacá-Lo. (…) Então vocês veem como Deus mostra Sua justiça cada vez que pune os homens, ainda que tal punição não seja uma solução para sua emenda.[9]

 

Temos uma boa síntese do significado bíblico de arrependimento no Catecismo Menor de Westminster, em resposta à pergunta 87: “O que é arrependimento para a vida?”:

 

Arrependimento para a vida é uma graça salvadora, pela qual o pecador, tendo uma verdadeira consciência de seu pecado, e percepção da misericórdia de Deus em Cristo, se enche de tristeza e de aversão pelos seus pecados, os abandona e volta para Deus, inteiramente resolvido a prestar-lhe obediência (At 11.18; At 2.37; Jl 2.13; 2Co 7.11; Jr 31.18,19; At 26.18; Sl 119.59).

 

Maringá, 2r de janeiro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

*Acesse aqui esta série de estudos completa

 


[1] John Calvin, Commentary upon the Acts of the Apostles, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996 (Reprinted), v. 19, (At 20.21), p. 245.

[2] João Calvino, As Institutas, (2006), III.3.9.

[3] João Calvino, As Institutas, (2006), III.3.20.

[4]“O arrependimento é fruto da fé, que é, ela própria, fruto da regeneração. Contudo, na vida real, o arrependimento é inseparável da fé, sendo o aspecto negativo (a fé é o aspecto positivo) de voltar-se para Cristo como Senhor e Salvador. A ideia de que pode haver fé salvadora sem arrependimento, e que uma pessoa pode ser justificada por aceitar Jesus como Salvador, e ao mesmo rejeitá-lo como Senhor, é uma ilusão destrutiva” (J.I. Packer, Teologia Concisa, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, p. 152-153). Vejam-se: João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.5), p. 129ss.; A.A. Hoekema, Salvos pela graça, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 129.

[5] Ferguson argumenta de forma simples, porém, objetiva destacando o perigo de entendermos o “arrependimento” apenas como ato único (“emoção inicial”) na vida cristã (Veja-se: Sinclair Ferguson A Graça do Arrependimento. São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2014, p. 46ss.).

[6]John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1993, p. 130.

[7]Stuart Olyott, Jonas – O Missionário bem sucedido que fracassou, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2012, p. 58.

[8] Veja-se o excelente artigo: John Armstrong, Chorar pelos que erram e os caídos erguer: In: John F. MacArthur Jr., et. al., Avante, Soldados de Cristo: uma reafirmação bíblica da Igreja, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 85-110.

[9]Juan Calvino, Bienaventurado el Hombre a Quem Dios Corrige: In: Sermones Sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 3), p. 48.        Juan Calvino, Bienaventurado el Hombre a Quem Dios Corrige: In: Sermones Sobre Job, p. 49). (Vejam-se também: João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 4, (IV.17), p. 204; João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Parakletos, 2002, v. 3, (Sl 79.1), p. 250.

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