A Santidade de Deus e a necessidade de arrependimento: uma pregação urgentemente necessária (3)

Santo, Santo, Santo

O salmista cantando as maravilhas de Deus conclama o povo a, juntamente com ele, adorar a Deus considerando a santidade do Senhor:

 

Exaltai ao SENHOR, nosso Deus, e prostrai-vos ante o escabelo de seus pés, porque ele é santo (vAdq’) (qadosh). (Sl 99.5).

 Exaltai ao SENHOR, nosso Deus, e prostrai-vos ante o seu santo monte, porque santo (vd,qo)(qodesh) é o SENHOR, nosso Deus.  (Sl 99.9).

 

A palavra santo é de difícil interpretação. A sua origem está relacionada a cortar, separar. A ideia que talvez prevaleça é de algo acima. Deus como absolutamente santo está acima de todas as coisas.

Por isso, quando a palavra se refere a Deus, relaciona-se com a sua Majestade. Deus não se confunde, Ele está acima de todas as coisas. Ele transcende a tudo o que existe. “A santidade de Deus, dessa forma, se torna uma expressão da perfeição do seu ser, a qual transcende toda as criaturas”.[1]

 O conceito de santidade de Deus é único entre todos os povos.  Como escreveu Strauss (1899-1973): “Não há deus santo para Aristóteles nem para os gregos em geral”.[2]

Na Antiguidade, ainda que não isoladamente, encontramos um filósofo pagão que criticou com discernimento as práticas religiosas de seu tempo.

Xenófanes (c. 570-c.460 a.C.) faz uma crítica mordaz a Homero e Hesíodo, dizendo:

 

Homero e Hesíodo atribuíram aos deuses tudo o que para os homens é opróbrio e vergonha: roubo, adultério e fraudes recíprocas.

Como contavam dos deuses muitíssimas ações contrárias às leis: roubo, adultério, e fraudes recíprocas.

Mas os mortais imaginam que os deuses são engendrados, têm vestimentas, voz e forma semelhantes a eles.

Tivessem os bois, os cavalos e os leões mãos, e pudessem, com elas, pintar e produzir obras como os homens, os cavalos pintariam figuras de deuses semelhantes a cavalos, e os bois semelhantes a bois, cada (espécie animal) reproduzindo a sua própria forma

Os etíopes dizem que os seus deuses são negros e de nariz chato, os trácios dizem que têm olhos azuis e cabelos vermelhos.[3]

 

Deus é intrinsicamente santo, do mesmo modo que é justo, bondoso e poderoso. A sua santidade é necessária e absoluta. A santidade, por sua vez, permeia com beleza, de forma indissolúvel e essencial todos os atributos de Deus. A santidade não é mais um atributo mas, aquilo que qualifica todo o ser de Deus.

Assim, em todos os seus atributos vemos expressões da beleza de sua santidade. “A santidade é o padrão de todas as Suas ações”, resume Pink (1886-1952).[4]

O poder de Deus é santo (não é tirânico); a justiça de Deus é perfeita (não é crueldade) a sua misericórdia fundamenta-se em sua justiça (não é mero sentimento circunstancial).[5]

 Um dos recursos da literatura hebraica para enfatizar um conceito ou ensinamento, era a repetição de uma palavra. Pronunciar uma palavra três vezes é conferir um grau superlativo à mensagem. Quando nos deparamos com o livro de Isaias, durante a visão do profeta, encontramos no canto alegre de adoração e louvor por parte dos Serafins essa gloriosa ênfase: E clamavam uns para os outros, dizendo: Santo, santo, santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória(Is 6.3).

Sproul (1939-2017) observa que nenhum dos atributos de Deus é assim dito três vezes; as Escrituras não dizem que Ele é amor, amor, amor ou misericórdia, misericórdia, misericórdia ou justiça, justiça, justiça. Mas Deus é santo, santo, santo.[6]

Fora de Deus não existe santidade. Toda santidade é relacional e derivada de Deus.  Por isso, podemos dizer que toda santidade nas Escrituras é teorreferente. E mais: somente Deus pode santificar todas as coisas (Ex 31.23; Lv 20.8; 21.8; 15,23; 22.9,16,32; Ez 20.12; 37.28)

A santidade de Deus que envolve a sua glória e separação daquilo que é comum, não exclui o aspecto relacional de sua revelação.

Deus é transcendente e pessoal. É o Deus santo, o totalmente outro, mas, que se relaciona conosco (Os 11.9).

 

 

Maringá, 24 de janeiro de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

*Acesse aqui esta série de estudos completa


 

[1]Jackie A. Naude, Qds: In: Willem A., Vangemeren, org. Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 876.

[2]Leo Strauss, Nicolás Maquiavelo: In: Leo Strauss y Joseph Cropsey, compiladores. Historia de la Filosofia Política, México: Fondo de Cultura Económica, © 1993, 1996 (reimpresión), p. 286.

[3]Xenófanes, Fragmentos, 11-16. In: Gerd A. Bornheim, org. Os Filósofos Pré-Socráticos, 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1977, p. 32. Mais tarde, um escritor cristão do segundo século, fazendo uma apologia do Cristianismo – que estava sendo severamente perseguido durante o reinado de Adriano (117-138 AD), a quem destina o seu escrito –, critica o politeísmo grego: “Os gregos, que dizem ser sábios, mostraram-se mais ignorantes do que os caldeus, introduzindo uma multidão de deuses que nasceram, uns varões, outros, fêmeas, escravos de todas as paixões e realizadores de toda espécie de iniquidades. Eles mesmos contaram que seus deuses foram adúlteros e assassinos, coléricos, invejosos e rancorosos, parricidas e fratricidas, ladrões e roubadores, coxos e corcundas, feiticeiros e loucos. (…) Daí vemos, ó rei, como são ridículas, insensatas e ímpias as palavras que os gregos introduziram, dando nome de deuses a esses seres que não são tais. Fizeram isso, seguindo seus maus desejos, a fim de que, tendo deuses por advogados de sua maldade, pudessem entregar-se ao adultério, ao roubo, ao assassínio e a todo tipo de vícios. Com efeito, se os deuses fizeram tudo isso, como não o fariam também os homens que lhes prestam culto? (…) Os homens imitaram tudo isso e se tornaram adúlteros e pervertidos e, imitando seu deus, cometeram todo tipo de vícios. Ora, como se pode conceber que deus seja adúltero, pervertido e parricida?” (Aristides de Atenas, Apologia, I.8-9. In: Padres Apologistas, São Paulo: Paulus, 1995, p. 43-45).

[4]A.W. Pink, Os atributos de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1985, p. 42

[5]Veja-se: Joel R. Beeke; Mark Jones, Teologia Puritana: Doutrina para a vida, São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 125.

[6]Cf. R.C. Sproul, A santidade de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 35-36.

 

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