A Pessoa e Obra do Espírito Santo (486)

4) Educar os Filhos na disciplina do Senhor

“E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e na admoestação do Senhor” (Ef 6.4).

  Os pais devem educar os filhos dentro dos princípios bíblicos: a Bíblia também é a verdade no campo educacional. Ela deve ser a norma de todo o nosso pensar e agir.

            Como pais, temos também a responsabilidade de não provocar a sua ira, com um comportamento que reflita o equívoco de predileções, falta de apoio, menosprezo, provocações, ironias, excesso de proteção, etc.[1] (Cl 3.21; Gn 25.28; 37.3,4; 2Sm 14.13,28; 1Rs 1.6; Hb 12.9-11).

            A palavra “criai-os” (e)ktre/fw)[2](Ef 6.4) em contraposição à “ira”, indica que devemos criá-los ternamente, com brandura e amor, sem contudo, excluir a disciplina (paidei/a) e admoestação (nouqesi/a)[3] no Senhor.

            Calvino recomenda aos pais: “Tratem-nos com a brandura e a bondade adequadas à personalidade de cada um deles”.[4] Notemos que o caráter de toda a educação e disciplina de nossos filhos – por meio de palavras e atos –, é no Senhor.

            “O que caracteriza a criação cristã não é o método educacional, mas, sim, o propósito que se visa com ele”, comenta Selter.[5] A educação cristã visa conduzir a criança ao Senhor.

            A admoestação (nouqesi/a) apresenta a ideia de educar por meio da palavra, usando deste recurso para aconselhá-lo, estimulá-lo e encorajá-lo quando for o caso e, também, se necessário, fazer uso do mesmo meio para censurar, reprovar e repreender com firmeza (Compare: 1Sm 2.24/1Sm 3.13).

            Paulo diz que passou três anos em Éfeso não deixando incessantemente de “admoestar (nouqete/w),[6]com lágrimas, a cada um” (At 20.31).

            Já a disciplina (paidei/a) é uma palavra mais ampla, abrangendo a educação não apenas verbal mas também, por intermédio de atos que podem envolver rigidez com o objetivo de corrigir e ensinar.[7]

            Notemos, que a disciplina sendo mais abrangente – envolvendo a instrução e correção –, vinha primeiro. Já a admoestação parece ser após a execução da tarefa. Primeiro instruímos; depois, se necessário, exortamos e repreendemos ou, encorajamos conforme as necessidades e circunstâncias. 

            Em 1982, o então secretário geral da INTERPOL (Organização Internacional de Polícia Criminal), declarou: “…. quando os jovens não têm mais noção de disciplina, noção do que deve ou não ser feito, noção das regras a serem seguidas, a família desaparece”.[8]

            No Antigo Testamento, Eli foi repreendido por Deus porque os seus filhos que transgrediam a Lei (1Sm 2.22-25), não foram admoestados por ele: “Porque já lhe disse que julgarei a sua casa para sempre, pela iniquidade que ele bem conhecia, porque seus filhos se fizeram execráveis, e ele não os repreendeu (nouqete/w)(1Sm 3.13). Salomão por sua vez, instrui: “A estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina (LXX: paidei/a) a afastará dela”(Pv 22.15).

            Calvino (1509-1564) comenta:

O tratamento bondoso e liberal conserva a reverência dos filhos para com seus pais, e aumenta a prontidão e a alegria de sua obediência, enquanto uma severidade austera e inclemente suscita sua obstinação e destrói seu respeito”. Mais à frente continua: “… Deus não quer que os pais sejam excessivamente brandos com seus filhos, ao ponto de corrompê-los, poupando-os demais. Que sua bondade seja temperada, a fim de conservá-los na disciplina do Senhor, e corrigi-los também quando se desviarem. Essa idade requer frequente admoestação e firmeza com as rédeas, no caso de se soltarem.[9]

            Escrevendo a Timóteo, Paulo diz que  “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para (…) a educação (paidei/a) na justiça” (2Tm 3.16).

            Conforme tratamos, a palavra paidei/a (de onde vem a nossa “pedagogia”), significa “educação das crianças”, e tem o sentido de treinamento, instrução, disciplina, ensino, exercício, castigo.

            Consciente ou não, todo currículo está comprometido com determinada compreensão da realidade que, deste modo, determina metas a serem alcançadas.

             Que tipo de homens somos; que tipo de formação temos dado aos nossos filhos?; que tipo de formação a Igreja tem proporcionado à infância e à juventude? Que modelo temos apresentado?

            Notemos, que Paulo nos diz: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino (didaskali/a), para a repreensão, para a correção, para a educação (paidei/a) na justiça”(2Tm 3.16).

            Portanto, o Deus da Palavra quer nos educar para que sejamos sábios, conforme a Sua sabedoria. A sabedoria consiste na obediência a Deus; é loucura a desobediência. A educação, segundo a perspectiva bíblica, visa formar homens obedientes à Palavra de Deus, que vivam em santidade.

            Parece-nos que é neste sentido que Salomão diz: “O temor do Senhor é o princípio do saber, mas os loucos desprezam a sabedoria e o ensino (LXX: paidei/a)” (Pv 1.7; Vd. Pv. 9.10; 15.33; Sl 111.10).“Ouvi o ensino (LXX: paidei/a), sêde sábios, e não o rejeites” (Pv 8.33).

            A educação significa também “disciplina”. Deus muitas vezes usa este recurso para nos educar, a fim de que sejamos salvos. Paulo diz: “Mas, quando julgados, somos disciplinados (paideu/w) pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo” (1Co 11.32).

            Na educação divina (disciplina), vemos estampada a sua graça que atua de forma pedagógica −: “Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos (paideu/w) para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos no presente século, sensata, justa e piedosamente” (Tt 2.11-12) –; e o seu  amor. Jesus disse: “Eu repreendo (e)le/gxw) e disciplino (paideu/w) a quantos amo. Sê, pois, zeloso, e arrepende-te” (Ap 3.19). Aqui, como em outros textos, percebemos a ligação entre a repreensão e a disciplina (= educação) operada por Deus naqueles a quem Ele ama.

            Moisés, compreendendo bem a “didática” de Deus, diz ao povo:

Recordar-te-ás de todo o caminho, pelo qual o Senhor teu Deus te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar (hfnf(),[10] para te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias ou não os seus mandamentos. Ele te humilhou (hfnf(), e te deixou ter fome, e te sustentou com o maná, que tu não conheceste, nem teus pais o conheceram, para te dar a entender que não só de pão viverá o homem, mas de tudo o que procede da boca do Senhor, disso viverá o homem”(Dt 8.2-3. Do mesmo modo, Dt 8.16) (Vejam-se: Sl 102.23; Is 64.12; Lm 3.33).

            O salmista narra a sua experiência: “Foi-me bom ter eu passado pela aflição (hfnf(), para que aprendesse os teus decretos” (Sl 119.71). As aflições corretamente compreendidas podem ser instrumentos utilíssimos para a prevenção e correção de nossos desvios espirituais.

            O que a Palavra de Deus nos mostra, e por certo temos confirmado isto em nossa experiência, é que buscamos a Deus mais intensamente em meios às aflições: “Estou aflitíssimo (hfnf(), vivifica-me, Senhor, segundo a tua palavra” (Sl 119.107).“Antes de ser afligido (hfnf() andava errado, mas agora guardo a tua palavra”(Sl 119.67).

            O coração contrito – demonstra Moisés – aprende com a disciplina do Senhor e se alegra por Deus tê-lo afligido:“Alegra-nos por tantos dias quantos nos tens afligido (hfnf(), por tantos anos quantos suportamos a adversidade”(Sl 90.15).

            O desejo de Deus é a restauração de seus filhos. Neste sentido, Paulo recomenda ao jovem Timóteo como deveria agir com aqueles que se opunham à mensagem do Evangelho:

Disciplinando (paideu/w = “ensinando”, “instruindo”) com mansidão os que se opõem, na expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade, mas também o retorno à sensatez, livrando-se eles dos laços do diabo, tendo sido feitos cativos por ele, para cumprirem a sua vontade. (2Tm 2.25-26).

            A Palavra de Deus visa formar homens tementes a Deus, sensíveis à sua Palavra, atentos aos seus ensinamentos. (Hb 12.5-13).

            Portanto, os pais cheios do Espírito buscam, por meio da Palavra em oração, discernimento para poderem aplicar os princípios bíblicos às situações concretas na sua tarefa de educar os filhos. Isto implica no fato de que as suas responsabilidades com a educação de seus filhos, podem ser compartilhadas com a escola e a igreja, porém, não podem ser substituídas.

São Paulo, 24 de maio de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Hendriksen faz uma lista de erros comuns cometidos pelos pais. Veja-se: William Hendriksen, Exposição de Efésios, (Ef 6.4), p. 325-326.

[2] Ocorre apenas duas vezes no NT., unicamente em Efésios: 5.29 e 6.4. A palavra apresenta a ideia de alimentar, sustentar, nutrir, educar. Calvino diz que este verbo “inquestionavelmente comunica a ideia de gentileza e afabilidade” (João Calvino, Efésios,(Ef 6.4), p. 181).

[3] Ocorre três vezes no NT.: 1Co 10.11; Ef 6.4; Tt 3.10.

[4]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 1, (III.68), p. 207.

[5] F. Selter, Exortar: In: Colin Brown, ed. ger. Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento,São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 2, p, 176.

[6] * At 20.31; Rm 15.14; 1Co 4.14; Cl 1.28; 3.16; 1Ts 5.12,14; 2Ts 3.15. A prática da admoestação deve ser natural entre os crentes visando à sua correção (Rm 15.4; 1Ts 5.14; 2Ts 3.15) e aperfeiçoamento (Cl 1.28). No entanto, ela deve ser feita com amor (1Co 4.14; 2Ts 3.15) e sabedoria (Cl 3.16). Considerando que esta é também uma tarefa dos líderes da igreja, aqueles que se esforçam neste serviço devem ser estimados pela igreja (1Ts 5.12).

[7] Platão (427-347 a.C.) faz também a combinação de Paidei/a com Nouqesi/a, sendo traduzidas por “ensinamento e admoestação” (Platão, A República,399b. p. 128). Veja-se: Richard C. Trench, Synonyms of the New Testament,7. ed. London: Macmillan and Co. 1871, § xxxii, p. 104-108.

[8] Revista Veja, 17/02/82, nº 706, p. 6.

[9] João Calvino, Efésios,(Ef 6.4), p. 181.

[10] A palavra hebraica (hfnf() (‘ãnãh) tem o sentido de “aflito”, “oprimido”, com o sentimento de impotência, consciente de que o seu resgate depende unicamente da misericórdia de Deus. Esta palavra é contrastada com o orgulho, que se julga poderoso para resolver todos os seus problemas, relegando Deus a uma posição secundária, sendo-Lhe indiferente.             hfnf( (‘ãnãh) apresenta também a ideia de ser humilhado por outra pessoa: (Gn 16.6; 34.2; Ex 26.6; Dt 22.24,29; Jz 19.24; 20.5).

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