A Pessoa e Obra do Espírito Santo (487)

3.4.2. Na Vida profissional

3.4.2.1. Servir aos senhores com sinceridade  

 5 Quanto a vós outros, servos, obedecei a vosso senhor segundo a carne com temor e tremor, na sinceridade do vosso coração, como a Cristo,  6 não servindo à vista, como para agradar a homens, mas como servos de Cristo, fazendo, de coração, a vontade de Deus;  7 servindo de boa vontade, como ao Senhor e não como a homens,  8 certos de que cada um, se fizer alguma coisa boa, receberá isso outra vez do Senhor, quer seja servo, quer livre” (Ef 5.5-8).

22Servos, obedecei em tudo ao vosso senhor segundo a carne, não servindo apenas sob vigilância, visando tão-somente agradar homens, mas em singeleza de coração, temendo ao Senhor.  23 Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não para homens,  24 cientes de que recebereis do Senhor a recompensa da herança. A Cristo, o Senhor, é que estais servindo;  25 pois aquele que faz injustiça receberá em troco a injustiça feita; e nisto não há acepção de pessoas” (Cl 3.22-25).

            A forma como desenvolvemos e realizamos o nosso trabalho é também um indicativo de nossa vida espiritual. Um homem cheio do Espírito, é um funcionário pontual, competente, zeloso, exemplar, entendendo que o seu serviço é para o Senhor. Neste ponto, o Cristianismo também produziu uma revolução social. Lembremo-nos de que Paulo escreveu esta orientação primariamente para uma igreja que vivia em uma sociedade escravocrata – onde o escravo não passava de mera ferramenta humana –,[1]  portanto, a nossa responsabilidade hoje é bem maior.[2]

            Conforme já estudamos quando tratamos sobre as qualificações dos diáconos, no Novo Testamento encontramos uma perspectiva semelhante à do Antigo Testamento, sendo o trabalho visto com naturalidade nas parábolas de Jesus (Mt 20.1,2,8; 21.28; 25.16; Mc 13.34),[3] evidenciando ser o trabalho algo comum em nossa vida cotidiana (Jo 6.27; Jo 9.4),[4] inclusive instando com os seus discípulos no sentido de orarem ao Pai, senhor da seara, por mais trabalhadores (Mt 9.37-38).[5]

            Em duas declarações lapidares de Jesus vemos a sua perspectiva teológica, indicando, na primeira citação, o governo preservador e diretor de Deus sobre todas as coisas criadas: “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (Jo 5.17). “…. as obras que o Pai me confiou para que eu as realizasse, essas que eu faço testemunham a meu respeito de que o Pai me enviou” (Jo 5.36).

            Há também outro grupo de palavras que realçam a visão cristã a respeito do serviço. O termo “diácono” e suas variantes, provêm do grego dia/konoj, diakoni/a e diakone/w, palavras que significam respectivamente, “servo”, “serviço” e “servir”.

            Essas palavras apresentam três sentidos especiais, com uma pesada conotação depreciativa: a) Servir à mesa; b) Cuidar da subsistência; c) Servir: No sentido de “servir ao amo”.

            Para os gregos, servir era algo indigno. Os Sofistas chegavam a afirmar que o homem reto só deve servir aos seus próprios desejos, com coragem e prudência.

            Partindo da compreensão grega de que nascemos para comandar, não para servir, Platão (427-347 a.C.) e Demóstenes (384-322 a.C.), um pouco mais moderados, admitiam que o serviço (diakoni/a) só tinha algum valor quando prestado ao Estado. Portanto, “a ideia de que existimos para servir a outrem não cabe, em absoluto, na mente grega”.[6]

            Jesus Cristo deu uma grande lição aos seus ouvintes ao verbalizar a sua missão. Ele apresenta um contraste evidente com o conceito grego e, ao mesmo tempo, eleva de forma magnífica o pensamento judeu: “… O Filho do homem, que não veio para ser servido (diakone/w), mas para servir (diakone/w)…”(Mt 20.28).

            Terminadas a série de tentações satânicas desferidas contra o Senhor Jesus, registra Mateus: “….e eis que vieram anjos e o serviram (diakone/w)(Mt 4.11/Hb 1.14).

            Paulo demonstra que “O ministério (diakoni/a) do Espírito” (2Co 3.8) que opera de forma eficaz por meio do Evangelho, é glorioso.

            Paulo se declara diácono do Evangelho: “Se é que permaneceis na fé, alicerçados e firmes, não vos deixando afastar da esperança do evangelho que ouvistes e que foi pregado a toda criatura debaixo do céu, e do qual eu, Paulo, me tornei ministro (dia/konoj)(Cl 1.23). Bem como, diácono da Igreja: 24 Agora, me regozijo nos meus sofrimentos por vós; e preencho o que resta das aflições de Cristo, na minha carne, a favor do seu corpo, que é a igreja; 25 da qual me tornei ministro (dia/konoj) de acordo com a dispensação da parte de Deus, que me foi confiada a vosso favor, para dar pleno cumprimento à palavra de Deus” (Cl 1.24-25). É, como também Apolo, instrumento de Deus para que os homens creiam no Evangelho: “Quem é Apolo? E quem é Paulo? Servos (dia/konoj) por meio de quem crestes, e isto conforme o Senhor concedeu a cada um” (1Co 3.5).

            Vemos, portanto, como o conceito de trabalho demonstrado por Jesus Cristo e pelos apóstolos está longe de ser irrelevante ou humilhante, antes, tem uma nova conotação que ultrapassa em muito a visão predominante.

            O Apóstolo Paulo trabalhava como fazedor de tendas (At 18.3),[7] não sendo o seu trabalho fácil, quer nesta ou em outra atividade (1Co 4.12).[8] Mesmo se valendo de uma figura comum declarando que o trabalhador é digno de seu salário (Rm 4.4), lutava para não ser pesado a ninguém ainda que isso não fosse ilegítimo como pregador da Palavra (1Tm 5.17-18/Mt 10.10).[9]

            À igreja de Tessalônica onde, ao que parece, alguns por motivos pretensamente escatológicos eram inclinados a abandonar o trabalho, Paulo insiste em lembrar a estes “piedosos preguiçosos” o seu testemunho e ratificar seus ensinamentos:

8 Nem jamais comemos pão à custa de outrem; pelo contrário, em labor (ko/poj) e fadiga  (mo/xqoj = um trabalho de difícil execução), de noite e de dia, trabalhamos, a fim de não sermos pesados a nenhum de vós; 9 não porque não tivéssemos esse direito, mas por termos em vista oferecer-vos exemplo em nós mesmos, para nos imitardes. 10 Porque, quando ainda convosco, vos ordenamos isto: se alguém não quer trabalhar (e)rga/zomai), também não coma.[10] 11Pois, de fato, estamos informados de que, entre vós, há pessoas que andam desordenadamente, não trabalhando (e)rga/zomai); antes, se intrometem na vida alheia. 12 A elas, porém, determinamos e exortamos, no Senhor Jesus Cristo, que, trabalhando (e)rga/zomai) tranquilamente, comam o seu próprio pão. 13 E vós, irmãos, não vos canseis de fazer o bem. (2Ts 3.8-13).

Porque, vos recordais, irmãos, do nosso labor (ko/poj) e fadiga (mo/xqoj); e de como, noite e dia labutando (e)rga/zomai) para não vivermos à custa de nenhum de vós, vos proclamamos o evangelho de Deus. (1Ts 2.9).

E a diligenciardes por viver tranquilamente, cuidar do que é vosso e trabalhar (e)rga/zomai) com as próprias mãos, como vos ordenamos. (1Ts 4.11).

São Paulo, 25 de maio de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “A Igreja nasceu numa sociedade em que a escravidão humana era uma instituição aceita, sancionada pela lei e parte do arcabouço da civilização greco-romana” (Ralph P. Martin, Colossenses e Filemon: introdução e comentário,São Paulo: Mundo Cristão; Vida Nova, 1984, p. 132).

            “Ante os olhos da lei o escravo era uma coisa. Não existia algo assim como um código de condições de trabalho. Quando um escravo não era apto para o trabalho podia ser despedido, ainda que viesse a morrer. O escravo não tinha o direito de casar-se e se chegava a ter um filho este pertencia ao amo, como os cabritos de um rebanho ao pastor. O amo podia açoitá-lo, marcá-lo a fogo e matá-lo sem que ninguém o impedisse. Novamente todos os direitos pertenciam ao amor e os deveres ao escravo” (William Barclay, Filipenses, Colosenses, I y II Tesalonicenses,Buenos Aires: La Aurora (El Nuevo Testamento Comentado, v. 11), 1973, (Cl 3.18-4.1), p. 172). “No primeiro século não se pensava em deveres dos senhores, porque os escravos não gozavam de qualquer direito” (Russel Shedd, Andai Nele: Exposição bíblica de Colossenses,São Paulo: ABU Editora, 1979, p. 82).

[2] Veja-se: João Calvino, Efésios,(Ef 6.5-7), p. 183.

[3]Porque o reino dos céus é semelhante a um dono de casa que saiu de madrugada para assalariar trabalhadores para a sua vinha. 2 E, tendo ajustado com os trabalhadores a um denário por dia, mandou-os para a vinha. (…) 8 Ao cair da tarde, disse o senhor da vinha ao seu administrador: Chama os trabalhadores e paga-lhes o salário, começando pelos últimos, indo até aos primeiros” (Mt 20.1,2,8). E que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Chegando-se ao primeiro, disse: Filho, vai hoje trabalhar na vinha” (Mt 21.28). O que recebera cinco talentos saiu imediatamente a negociar com eles e ganhou outros cinco (Mt 25.16). É como um homem que, ausentando-se do país, deixa a sua casa, dá autoridade aos seus servos, a cada um a sua obrigação, e ao porteiro ordena que vigie” (Mc 13.34).

[4]“Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna, a qual o Filho do Homem vos dará; porque Deus, o Pai, o confirmou com o seu selo” (Jo 6.27). “É necessário que façamos as obras daquele que me enviou, enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar” (Jo 9.4).

[5]37 E, então, se dirigiu a seus discípulos: A seara, na verdade, é grande, mas os trabalhadores são poucos. 38 Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara” (Mt 9.37-38).

[6]Hermann W. Beyer, Servir, Serviço: In: G. Kittel, ed. A Igreja do Novo Testamento, São Paulo: ASTE, 1965, p. 275. Vejam-se também: J. Stam, Diácono, Diaconisa: In: Merrill C. Tenney, org. ger., Enciclopédia da Bíblia, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, v. 2, p. 151.

[7]“Depois disto, deixando Paulo Atenas, partiu para Corinto. 2 Lá, encontrou certo judeu chamado Áquila, natural do Ponto, recentemente chegado da Itália, com Priscila, sua mulher, em vista de ter Cláudio decretado que todos os judeus se retirassem de Roma. Paulo aproximou-se deles. 3 E, posto que eram do mesmo ofício, passou a morar com eles e ali trabalhava (e)rga/zomai) (O modo imperfeito do verbo sugere que Paulo passou algum tempo neste trabalho), pois a profissão deles era fazer tendas (* skhnopoio/j)(= também: “artesão de couro”) (At 18.1-3). A palavra tinha uma gama maior de aplicação. Veja-se o sugestivo comentário de Barclay. (William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires: La Aurora, 1974, v. 3, (Mc 6.1-6), p. 153).

[8]11 Até à presente hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa,12 e nos afadigamos (kopia/w), trabalhando (e)rga/zomai) com as nossas próprias mãos. Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos” (1Co 4.11-12). O verbo kopia/w e o substantivo ko/poj descrevem um trabalho estafante, difícil, árduo, trabalhar até à exaustão. Curiosamente, Paulo é quem mais utiliza esta palavra para se referir ao seu ministério: “….em tudo recomendando-nos a nós mesmos como ministros de Deus: na muita paciência, nas aflições, nas privações, nas angústias, nos açoites, nas prisões, nos tumultos, nos trabalhos (ko/poj)…” (2Co 6.4-5).(Vejam-se: At 20.35; 2Co 11.23,27).

[9]17Devem ser considerados merecedores de dobrados honorários os presbíteros que presidem bem, com especialidade os que se afadigam (kopia/w) na palavra (ló/goj) e no ensino (didaskali/a). 18 Pois a Escritura declara: Não amordaces o boi, quando pisa o trigo. E ainda: O trabalhador (e)rga/thj) é digno do seu salário” (1Tm 5.17-18).

[10]Hesíodo escreveu algo parecido relacionando a preguiça à fome: “Mas tu, lembrando sempre do nosso conselho, trabalha, ó Perses, divina progênie, para que a fome te deteste, e te queiras a bem coroada e venerada Deméter (Deusa da agricultura], enchendo-te de alimentos o celeiro; pois a fome é sempre do ocioso companheira….” (Hesíodo, Os Trabalhos e os Dias, 3. ed. São Paulo: Iluminuras, 1996, Versos 298-302).

One thought on “A Pessoa e Obra do Espírito Santo (487)

  • 27 de maio de 2022 em 12:35
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    A questão ética e moral do trabalho tem sua significância notória em toda história Bíblica. A forma como Davi é encontrado na visita de Samuel, demonstra que Deus esvhe seus servos que são ocupados, engajados e envolvidos com ocupações. O ministério dos apóstolo foram iniciados c uma proposta de Jesus os fazerem pescadores de homens. O trabalho, seja para o Senhor, ou em qualquer outra área de nossa vidas, devem, ser prazeroso e para nós, e, glorificar a Deus!

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