A Pessoa e Obra do Espírito Santo (485)

2) Amor sacrificial e preservador por parte dos maridos: (Ef 5.25-29,33)

            Calvino comenta:

Em seu próprio lar, o pai da família é considerado o rei. Portanto, ele reflete a glória de Deus, por causa do controle que se acha em suas mãos. (…) Se o homem não conserva sua posição, e não se põe sob a autoridade de Cristo, de maneira a exercer sua própria autoridade na chefia de sua família, ele está, em certo sentido, obscurecendo a glória de Cristo, a qual é refletida na ordem bem constituída do matrimônio.[1]

            A responsabilidade do marido nem sempre tem sido enfatizada convenientemente. A plenitude do Espírito também traz responsabilidades para os maridos. Os princípios da Palavra de Deus são sempre amplos e multifacetados; as suas prescrições nunca são isoladas, casuísticas, ou apenas caminham em mão única, antes, estabelecem orientações para todos, seja em que área for, em quaisquer situações que nos encontremos.

            Os mandamentos de Deus corretamente entendidos e praticados, não são penosos, ainda que amiúde nos deparemos com dificuldades resultantes dos nossos pecados (inclusive a falta de fé) e de outros, daí o exercício constante do aprendizado com Deus por intermédio da sua Palavra, que é suficiente para nos instruir (2Tm 3.16).

Portanto, quando esposas e maridos cumprem adequadamente os preceitos bíblicos, estes deveres passam a ser privilégios, motivos de satisfação, harmonia e crescimento para ambos.

            Os maridos são comparados a Cristo, que se deu pela Igreja para preservá-la e, continuamente dela cuida, auxiliando-a inclusive, em sua santificação. Cabe aos maridos amar as suas esposas de forma que procure sempre o seu bem-estar, dispostos ao sacrifício se necessário para que o objeto do seu amor permaneça saudável seja em que aspecto for. “É somente quando compreendemos a verdade sobre a relação de Cristo com a Igreja, que podemos realmente agir como os maridos cristãos devem agir”, acentua Lloyd-Jones.[2]

            Aqui, surge um outro ponto: quando o marido assim procede para com a sua esposa, quando ele consegue sair de si mesmo para objetivar prioritariamente o seu amor, está cuidando de si mesmo; os dois são uma só carne e, é impossível ser feliz fazendo o outro infeliz. Daí percebermos a relação essencial dos dois princípios: a mulher é submissa e respeita o seu marido que a quer feliz e dela cuida prioritariamente.

            O marido, por sua vez, esquece-se de si em prol de sua esposa que, por ser-lhe submissa, está sempre à procura de melhor agradar-lhe. Assim, as Escrituras apresentam uma cadeia perfeita de relação: ambos são uma só carne, que se ama, preserva e protege. Deste ponto, fica ainda mais evidente as dificuldades inerentes a um matrimônio com jugo desigual (2Co 6.14-18).[3]

     “Somente maridos e mulheres cheios do Espírito – comenta Lloyd-Jones –, é que terão uma verdadeira ideia do que um esposo deve ser e do que uma esposa deve ser, e em que deve consistir o relacionamento entre ambos. É o único meio pelo qual obter paz, unidade e concórdia, em vez de desunião, briga e separação, com tudo que resulta desses males”.[4]                                 

            Paulo é enfático: “Ninguém jamais odiou a própria carne; antes, a alimenta (e)ktre/fw) (nutrir, sustentar) e dela cuida (qa/lpw) (aquecer, acalentar,[5] cuidar com afeição e carinho, acariciar[6]), como também Cristo[7]  o faz com a igreja” (Ef 5.29).

3) Obediência e honra dos filhos aos pais: (Ef 6.1-3)

Calvino diz que a obediência é a espécie do gênero honra.[8] “É impossível não pensarmos em nosso pai e em nossa mãe sem sentir profundo respeito; e em relação a eles, a veemência áspera deve ceder lugar à brandura”.[9]

A paternidade humana é uma honra concedida por Deus ao ser humano; Pai de forma absoluta é somente Deus. Somos pais, “porque Deus outorgou fazer-(nos) participantes da honra que é própria exclusivamente dele”.[10] Portanto, continua Calvino: “ao intentar contra nosso pai ou mãe, fazemos guerra com Deus. Pois ele imprimiu a sua estampa neles, e o seu título faz-nos saber que Deus os coloca, como se estivessem, em seu lugar”.[11] Ele afirma que quando “menosprezamos nossos pais e mães, e desprezamos o cumprimento do nosso dever perante eles, Deus é expressamente ofendido por isso, não apenas porque quebramos um dos mandamentos da lei, mas também porque desprezamos a sua majestade, a qual pais e mães tem de certa forma”.[12]

O reformador argumenta afirmando ser este o motivo de haver severa punição na lei para os filhos desobedientes. Aqueles que desobedeciam aos seus pais não ofendiam a eles primariamente, mas afrontavam a Deus, Quem os instituiu, investindo-lhes de poder e lhes imprimindo sua imagem. Em suma, a desobediência aos pais, é uma negação do próprio homem, que é a imagem e semelhança de Deus. “Quando a criança não consegue encontrar em seu coração submissão aos seus pais e mães, e Deus assim fala (condenando), é para nos mostrar que este é um crime tão ultrajante e perverso, pois é como se eles estivessem completamente dispostos a abolir sua (própria) natureza”.[13]

            Os filhos, portanto, cheios do Espírito, revelam a sua condição espiritual no seu relacionamento com os seus pais, amando, obedecendo e honrando-os “no Senhor”.

            A autoridade dos pais passa previamente pela submissão ao nosso Soberano Pai que é Deus; obviamente a nossa fidelidade a Deus tem a primazia num possível conflito de senhores.[14] E no caso de pais que não agem conforme as instruções bíblicas, sendo relapsos e incrédulos, como os filhos devem se portar? “É vontade do Senhor que sirvamos àqueles que nos colocaram nesta vida. Não importa se eles são ou não dignos desta honra porque, seja o que forem, eles nos foram dados como pais e mães pelo Senhor que deseja que os honremos”.[15]

            Devemos ter em mente que todos nós estamos sujeitos à Lei de Deus: Maridos, esposas, pais e filhos. “Ao contrário, então, o fato é que nenhum de nós deve ficar verificando como o outro cumpre ou não o seu dever, mas cada um de nós deve tão somente ter em mente e diante dos olhos o que deve fazer para cumprir o seu próprio dever”, conclui Calvino.[16] Portanto, os filhos devem perseverar em obedecer e honrar seus pais, visto que isto é justo diante de Deus e Ele mesmo efetuará a sua justiça conforme o seu propósito eterno.

            Mais uma vez insisto no ponto de que a nossa vida espiritual não pode estar dissociada do nosso viver cotidiano. O Espírito deu-nos uma nova ótica na qual a nossa compreensão da vida foi mudada e, consequentemente, as nossas relações foram refeitas à luz da nossa nova compreensão e do poder do Espírito. O tratamento digno e respeitoso que conferimos aos nossos pais é uma evidência da nossa comunhão com o Espírito (Cl 3.20). Essa obediência no Senhor é justa diante de Deus e, na obediência fiel a Deus, somos abençoados por Ele mesmo.

Maringá, 16 de maio de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 11.4), p. 331.

[2] D.M. Lloyd-Jones, Vida no Espírito,p. 108.

[3] Admito que o texto de 2 Coríntios não esteja se referindo diretamente ao matrimônio; no entanto, temos de convir que este assunto ali está incluído (Ver: João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, especialmente p. 139).

[4] D.M. Lloyd-Jones, Vida no Espírito,p. 21.

[5] Conferir, entre outros: William F. Arndt; F. WilburGingrich A Greek-English Lexicon of the New Testament, Chicago: The University of Chicago Press , 1957, p. 351

[6] 1Ts 2.7.

[7] Aqui há uma variante textual que em nada modifica o sentido ou a teologia do texto. Em muitos manuscritos aparece a palavra Ku/rioj. 

[8] João Calvino, Efésios,(Ef 6.1), p. 178. Em outro lugar, Calvino explica o significado de honrar os pais: “Que os filhos sejam humildes e obedientes a seus pais, os honrem e reverenciem; que com seus próprios trabalhos lhes ajudem em suas necessidades, e que estejam a seu mandado, como são a eles obrigados”(João Calvino, Catecismo de Genebra,Perg. 186. In: Catecismos de la Iglesia Reformada,p. 69). Acrescenta: “Pouco importa que sejam dignos ou indignos de receber esta honra, pois, sejam o que sejam, o Senhor nos deu por pai e mãe e deseja que lhes honremos” (Juan Calvino, Breve Instruccion Cristiana, Barcelona: Fundación Editorial de Literatura Reformada, 1966, p. 24]. Ver: J. Calvino, As Institutas,II.8.35-36.

[9] João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 5.1), p. 128.

[10]John Calvin, Sermons on The Epistle to the Ephesians, Carlisle: Banner of the Truth Trust, © 1973, 1998 (Reprinted), p. 623. “Aqueles a quem faz partícipes destes títulos ilumina-os como que com uma centelha de Seu fulgor, de sorte que sejam, cada um, dignos de honra de conformidade com sua posição de eminência. Destarte, aquele que nos é pai, nele é próprio reconhecer algo divinal, porquanto não sem causa é portador do título divino” (João Calvino, As Institutas,II.8.35).

[11]John Calvin, Sermons on Ephesians, p. 623.

[12]John Calvin, Sermons on Ephesians, p. 623.

[13]John Calvin, Sermons on Ephesians, p. 623.

[14] Vejam-se: J. Calvino, As Institutas,II.8.38; Juan Calvino, Breve Instruccion Cristiana, Barcelona: Fundación Editorial de Literatura Reformada, 1966, p. 24-25.

[15]João Calvino, Instrução na Fé, Goiânia, GO: Logos Editora, 2003,Cap. 8, p. 27

[16]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 4, (IV.16), 173.

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