A Pessoa e Obra do Espírito Santo (254)

6.4.2. Definição de Igreja

                A nossa palavra “Igreja”, é uma tradução do grego e)kklhsi/a, que no grego antigo, significava uma assembleia de cidadãos convocados pelo pregoeiro. A assembleia legislativa (At 19.32,39,40).[1]

A palavra e)kklhsi/a, é formada por duas outras: e)k (“fora de”) & kale/w (“chamar”, “convocar”), significando: “Chamar para fora”. e)kklhsi/a ocorre cerca de 114 vezes no Novo Testamento.

          De modo geral, e)kklhsi/a apresenta diversas significações subordinadas no Novo Testamento:[2]

  1. O círculo dos crentes reunidos num lugar específico para cultuar a Deus: uma comunidade local: (At 5.11; 8.1;[3] 11.22,26;12.1,5; 1Co 11.18; 14.19.28,35; Rm 16.4; Gl 1.2; Cl 4.16 1Ts 2.14). Denotando em alguns casos uma “Igreja doméstica”, que se reunia na casa de algum irmão (Rm 16.5, 23; 1Co 16.19; Cl 4.15; Fm 2).
  • Os representantes da Igreja local ou regional: E, se ele não os atender, dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como gentio e publicano” (Mt 18.17). 

Turretini (1623-1687), quem me chamou a atenção para este aspecto, escreveu:

Essa igreja, indubitavelmente, nada mais significa senão um presbitério, que tem o poder e administração das chaves, comumente chamado de igreja representativa, em distinção à igreja coletiva (que é constituída do povo ou crentes, que devem estar sob o governo dos pastores). Pois, embora um presbitério  cristão  não estivesse ainda estabelecido, contudo Cristo tinha em vista não somente o tempo presente, mas também o tempo futuro.[4]

  • Um conjunto de igrejas locais: (At 9.31/At 14.23;[5] 15.41; 16.4-5; 1Co 16.1/Gl 1.2; Ap 1.4,11). Algumas vezes mesmo a palavra Igreja não sendo empregada no plural, subentende-se que faz alusão a diversas pequenas comunidades, já que havia centenas ou mesmo milhares de membros, como o caso da Igreja de Jerusalém (At 8.1; 11.22).
  • O corpo daqueles que através do mundo professam sua fé em Cristo e que constituem a sua Igreja: Mt 16.18; 1Co 10.32; 11.22;[6] 12.28; Ef 1.22; 3.10,21; 5.23-25,27, 32; Cl 1.18,24; Hb 12.23). Nesse caso, a palavra refere-se a todos os que creram  e já partiram para junto do Senhor (Igreja Triunfante) bem como os que já  creem e ainda crerão da mensagem do Evangelho (Igreja Militante).[7]

Teologicamente, nos valendo do sentido etimológico de e)kklhsi/a, podemos dizer que “Deus em Cristo chama os homens ‘para fora’ do mundo.[8]

Nessa acepção, a Igreja é constituída por aqueles que estavam mortos, mas que receberam vida – regeneração – pelo Espírito.[9] Portanto, o ponto em comum entre todos os cristãos, é o fato de termos sido chamados efetivamente por Deus: a Igreja se reúne porque Deus a convocou. Ela também o faz, para ouvir a voz do seu Senhor.[10] (Veja-se: At 10.33).[11]

          A Igreja é a expressão mais sublime do incompreensível e eterno amor de Deus que nos elege na eternidade e, no tempo-espaço por Ele criado, preservado e dirigido, leva a efeito o seu santo e misericordioso propósito de congregar o seu povo, o abençoando e dirigindo até à consumação de sua obra.

A rigor, na igreja local temos a representação de toda a Igreja visto que cada igreja local está radicada em Cristo, o único fundamento da igreja. Portanto, não há diferença metafísica, já que todos os membros da Igreja tiveram em seus corações a aplicação dos méritos de Cristo pelo Espírito Santo, que em nós habita (1Co 3.11,16; 12.27)[12].[13]

É claro que haverá distinções na santidade existencial da igreja conforme o seu grau de obediência ao seu Senhor.[14] No entanto, a madeira, o feno e palha que em maior ou menor grau por vezes caracterizam a nossa igreja, desde que não sejam o seu fundamento, não são suficientes para a sua destruição. Deus a provará pelo fogo, mas, em sua misericórdia a purificará. (1Co 3.11-15).[15]

          Assim, à luz do que temos estudado, podemos apresentar a seguinte definição operacional de Igreja: A comunidade de pecadores regenerados, que pelo dom da fé, concedido pelo Espírito Santo, foram justificados, respondendo positivamente ao chamado divino, o qual fora decretado na eternidade e efetuado no tempo, e agora vivem em santificação, proclamando, quer com sua vida, quer com suas palavras, o Evangelho da graça de Deus, até que Cristo venha.

São Paulo, 03 de agosto de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]32 Uns, pois, gritavam de uma forma; outros, de outra; porque a assembleia  (e)kklhsi/a) caíra em confusão. E, na sua maior parte, nem sabiam por que motivo estavam reunidos. (…) 39 Mas, se alguma outra coisa pleiteais, será decidida em assembleia  (e)kklhsi/a) regular.  40 Porque também corremos perigo de que, por hoje, sejamos acusados de sedição, não havendo motivo algum que possamos alegar para justificar este ajuntamento. E, havendo dito isto, dissolveu a assembleia (e)kklhsi/a) (At 19.32,39,40).

[2] Para uma classificação mais abrangente, vejam-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 23-28; James Bannerman, A Igreja de Cristo – Um tratado sobre a natureza, poderes, ordenanças, disciplina e governo da Igreja Cristã, Recife, PE.: Editora os Puritanos, 2014, p. 28-39.

[3] “E sobreveio grande temor a toda a igreja e a todos quantos ouviram a notícia destes acontecimentos” (At 5.11).  “E Saulo consentia na sua morte. Naquele dia, levantou-se grande perseguição contra a igreja em Jerusalém; e todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judéia e Samaria” (At 8.1).

[4] François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 3, p. 26. Do mesmo modo: James Bannerman, A Igreja de Cristo – Um tratado sobre a natureza, poderes, ordenanças, disciplina e governo da Igreja Cristã, Recife, PE.: Editora os Puritanos, 2014, p. 36-37. Para uma visão mais restrita, que certamente Turretini conhecia, veja-se Calvino in loc. Calvino interpreta como se Jesus Cristo, acomodando o seu modo de falar, estivesse se referindo à “ordem da Igreja antiga”.

[5]A igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judéia, Galiléia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número” (At 9.31). “E, promovendo-lhes, em cada igreja, a eleição de presbíteros, depois de orar com jejuns, os encomendaram ao Senhor em quem haviam crido” (At 14.23).

[6]Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela(Mt 16.18). Não vos torneis causa de tropeço nem para judeus, nem para gentios, nem tampouco para a igreja de Deus (1Co 10.32). Não tendes, porventura, casas onde comer e beber? Ou menosprezais a igreja de Deus e envergonhais os que nada têm? Que vos direi? Louvar-vos-ei? Nisto, certamente, não vos louvo(1Co 11.22).

[7]Veja-se: James Bannerman, A Igreja de Cristo – Um tratado sobre a natureza, poderes, ordenanças, disciplina e governo da Igreja Cristã, Recife, PE.: Editora os Puritanos, 2014, p. 29-31.

[8]Karl L. Schmidt, Igreja: In: Gerhard Kittel, ed. A Igreja no Novo Testamento, São Paulo: ASTE, 1965, p. 31.

[9]Veja-se: Archibald A. Hodge, Confissão de Fé Westminster Comentada por A.A. Hodge, São Paulo: Editora os Puritanos, 1999,p. 422.

[10]Veja-se: William Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1988 (reimpressão), p. 46.

[11]“Portanto, sem demora, mandei chamar-te, e fizeste bem em vir. Agora, pois, estamos todos aqui, na presença de Deus, prontos para ouvir tudo o que te foi ordenado da parte do Senhor” (At 10.33).

[12] 11 Porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo.  (…) 16 Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1Co 3.11,16). “Ora, vós sois corpo de Cristo; e, individualmente, membros desse corpo” (1Co 12.27).

[13] Ver: Herman Bavinck, Dogmática Reformada − Espírito Santo, Igreja e nova criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 285.

[14]“As igrejas mais puras debaixo do céu estão sujeitas à mistura e ao erro; algumas têm degenerado ao ponto de não serem mais igrejas de Cristo, mas sinagogas de Satanás; não obstante, haverá sempre sobre a terra uma igreja para adorar a Deus segundo a vontade dele mesmo” (Confissão de Westminster, 25.5).

[15] 11 Porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus Cristo.  12 Contudo, se o que alguém edifica sobre o fundamento é ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha,  13 manifesta se tornará a obra de cada um; pois o Dia a demonstrará, porque está sendo revelada pelo fogo; e qual seja a obra de cada um o próprio fogo o provará.  14 Se permanecer a obra de alguém que sobre o fundamento edificou, esse receberá galardão;  15 se a obra de alguém se queimar, sofrerá ele dano; mas esse mesmo será salvo, todavia, como que através do fogo” (1Co 3.11-15).

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