Uma oração intercessória pela Igreja (106)

         3) O Poder de Deus no crescimento da igreja

              A mensagem cristã é o anúncio da reconciliação propiciada por Deus para todos os que creem. O evangelista é um sinal concreto desta reconciliação, deste invencível amor. Ele mesmo foi alcançado pelo amor de Deus e agora, reconciliado, transformado e redirecionado em todas as facetas de sua vida, é conduzido pelo Espírito a proclamar o caminho proposto por Deus por meio de seu Filho, Jesus Cristo.

            Ao mesmo tempo em que ele assume a sua missão, está totalmente convencido de que o poder dessa transformação está em Deus, não nele. Ele é apenas um instrumento designado por Deus em cuja vida há a responsabilidade e o privilégio de pregar o Evangelho (1Co 9.16/Ef 3.8). A sua integridade está na proclamação fiel e na certeza de que Deus agirá, conforme a sua boa vontade.

            O princípio estabelecido é bem resumido por Robertson:

Nunca confie em seus próprios poderes de persuasão como um modo de salvar os pecadores. Nunca espere até se sentir confiante para falar de Cristo. É em Deus e em sua verdade que as pessoas creem. Você deve continuar sendo apenas o instrumento.[1]

            Vejamos como o poder de Deus opera no crescimento da igreja.

          A) Em Jerusalém  

              O resultado da pregação eficiente e de uma vida cristã autêntica, além de outras coisas secundárias, redunda na glória de Deus (Mt 5.14-16; 2Co 9.12-15), resultando naturalmente, conforme o exemplo bíblico, no crescimento espiritual e numérico da Igreja.

            O livro de Atos registra que enquanto a Igreja testemunhava e vivia o evangelho, “acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos” (At 2.47); e mais: “Crescia a palavra de Deus e, em Jerusalém, se multiplicava o número dos discípulos; também muitíssimos sacerdotes obedeciam à fé”(At 6.7. Leia também: At 2.41; 4.4; 9.31; 12.24; 14.1).                                        

          B) “Até Aos Confins da Terra”

              Após o eloquente e desafiante sermão de Estevão e, a sua consequente morte por apedrejamento (At 7.1-60) – a forma judaica de executar os culpados de blasfêmia (Lv 24.16; Jo 10.33) – o grupo inquisidor estimulado por esta atitude assassina, promoveu “… grande perseguição contra a igreja de Jerusalém”(At 8.1), com a permissão do sumo sacerdote (At 8.3; 9.1,2).

            Conforme vimos, o termo usado em Atos 8.1 para descrever a “perseguição” apresenta a ideia de uma caça violenta e sem trégua.[2] Lucas, inspirado por Deus, pinta este quadro de forma mais forte, adjetivando “grande”, indicando assim, a severidade da perseguição. Saulo foi o grande líder desta ação contra os cristãos (At 8.1; 9.1,2; 22.4,5; 26.9-12).

            Mais tarde ele se referiria à sua perseguição à igreja em tons hiperbólicos: “Porque ouvistes qual foi o meu proceder outrora no judaísmo, como sobremaneira (u(perbolh/) perseguia (diw/kw) eu a igreja de Deus e a devastava (porqe/w) (= destruir, exterminar)[3](Gl 1.13).

            Nesta primeira grande perseguição, vemos claramente a direção divina:

            1) Os apóstolos não foram dispersos, permanecendo em Jerusalém (At 8.1), podendo assim, sedimentar a mensagem do evangelho em Jerusalém.

            2) Até agora a Igreja não havia cumprido a totalidade da ordem divina, que dizia: “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra”(At 1.8). Os apóstolos, ao que parece, não haviam saído dos limites da Judéia com o objetivo de proclamar o evangelho.

            Conforme já tratamos, o verbo usado para descrever a “dispersão” – diaspei/rw – (At 8.1,4) está ligado à sementeira e semeadura, sendo empregado unicamente por Lucas no Novo Testamento e somente para descrever este episódio (*At 8.1,4; 11.19). Assim, por intermédio da perseguição, os discípulos saíram de Jerusalém levando as boas novas do evangelho (At 8.4), semeando a semente do Evangelho de Cristo (1Pe 1.23).

            Filipe, um dos diáconos eleitos (At 6.5), pregou em Samaria e muitos se converteram (At 8.5-8), posteriormente, mediante a direção do Espírito, evangelizou (At 8.26), um judeu etíope, que era tesoureiro da rainha Candace – título esse semelhante ao de “Faraó”, não indicando o nome próprio de uma pessoa – que se converteu, sendo então batizado (At 8.38). Após o batismo do etíope, “Filipe veio a achar-se em Azôto; e, passando além, evangelizava todas as cidades até chegar a Cesaréia” (At 8.40).

            Outro fato, conforme vimos, que evidencia a ação providencial de Deus na perseguição de Jerusalém está registrado em Atos 11.19-21, onde lemos no verso 19: “… Os que foram dispersos, por causa da tribulação que sobreveio a Estevão, se espalharam até à Fenícia, Chipre e Antioquia”.

            Nos versos 20 e 21, temos ainda a proclamação expandindo-se: “Alguns deles, porém, que eram de Chipre e de Cirene, e que foram até Antioquia, falavam também aos gregos, anunciando-lhes o evangelho do Senhor Jesus. A mão do Senhor estava com eles, e muitos, crendo, se converteram ao Senhor”.

            Vemos, desta forma, que o evangelho estava sendo disseminado, tendo como elemento gerador uma perseguição que parecia ser fatal para a Igreja de Cristo; entretanto Deus a redundou em bênçãos para o Seu povo (Gn 50.20/Rm 8.28).

            Deus, como senhor da história, utiliza-se de recursos muitas vezes surpreendente para nós. Devemos, portanto, aproveitar as oportunidades com as quais nos deparamos. Cada obstáculo pode se constituir num meio de testemunho.

            É fundamental que não percamos a dimensão dessa realidade. Cada circunstância oferece uma oportunidade de reflexão, ação e redimensionamento daquilo que Deus nos confiou e requer de nós. Cada época tem os seus desafios, dificuldades e oportunidades. [4] É necessário que roguemos a Deus que nos dê uma compreensão correta e uma ação eficaz dentro das oportunidades que Ele mesmo nos faculta e do poder do Espírito que nos capacita.

            O que parecia um golpe destruidor à igreja cristã, foi, na realidade, um estímulo a cumprir a sua missão. Deus como senhor da história utiliza-se de recursos muitas vezes surpreendente para nós. Devemos, portanto, aproveitar as oportunidades com as quais nos deparamos. Cada obstáculo pode se constituir num meio de testemunho.

            Os discípulos souberam compreender isso. A difusão do Evangelho é demonstrada mais tarde, ainda no período neotestamentário, por intermédio das Epístolas de Tiago e Pedro, sendo a de Tiago destinada “Às doze tribos que se encontram na Dispersão” (Tg 1.1) e a de Pedro, “aos eleitos, que são forasteiros da Dispersão, no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia, e Bitínia”(1Pe 1.1. Leia também, At 17.6).

Maringá, 17 de julho de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]O. Palmer Robertson, Jonas – um estudo sobre compaixão, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 48. Conrad Pellikan (1478-1556), um dos tradutores da Bíblia de Zurique (1529), comentando At 16.4, escreveu: “…. ninguém pode ter fé na Palavra por suas próprias forças, Mas somente pelo dom do Espírito Santo. Portanto, ao ouvir as promessas do evangelho, não tenhamos esperança no poder da carne, mas oremos para que o Senhor abra nossos corações, conceda-nos o dom do Espírito, coloque em nós a fé e nos preencha com a obra da justiça” (Esther Chung Kim; Todd R. Hains, Comentário Bíblico da Reforma – Atos, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 275).

[2]O substantivo “perseguição” (Diwgmo/j = “caça”, “pôr em fuga”) dá a entender a figura simbólica de um animal caçado, de uma presa perseguida, de um tormento incansável e sem misericórdia. Esta palavra denota mais especificamente as perseguições promovidas pelos inimigos do Evangelho; ela se refere sempre à perseguição por motivos religiosos (Vejam-se: Mc 4.17; At 8.1; 13.50; Rm 8.35; 2Tm 3.11). O verbo Diw/kw é utilizado sistematicamente para aqueles que perseguiam a Jesus, os discípulos e a Igreja (Mt 5.10-12; Lc 21.12; Jo 5.16; 15.20). Lucas emprega este mesmo verbo para descrever a perseguição que Paulo efetuou contra a Igreja (At 22.4; 26.11; 1Co 15.9; Gl 1.13,23; Fp 3.6), sendo também a palavra empregada por Jesus Cristo quando pergunta a Saulo do porquê de sua perseguição (At 9.4-5/At 22.7-8/At 26.14-15). Paulo diz que antes perseguia a igreja (Fp 3.6), mas, agora, prosseguia para o alvo (Fp 3.12,14).

[3] *At 9.21; Gl 1.13,23.

[4] Veja-se: William Edgar, Razões do Coração: reconquistando a persuasão cristã, Brasília, DF.: Refúgio, 2000, p. 21-27.

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