Uma oração intercessória pela Igreja (4)

Introdução: Sobre pastores, teologias e a Igreja (Continuação)

Modéstia e ensino

            A modéstia será reforçada pela compreensão de que também estamos caminhando no aprendizado[1] e, mais ainda, nas lutas por praticar o que aprendemos. Assim, ainda que por vezes em níveis diferentes, estamos todos aprendendo. O mestre é aquele que aprende e, de repente, ensina. De certo modo, todos somos autodidatas porque tendemos a aprender o que filtramos dos outros, selecionamos e internalizamos.

            As palavra do teólogo Witsius (1636-1708)  na discurso inaugural na Universidade de Franeker,[2] em 1675 são iluminadoras:

Pois ninguém ensina bem, a menos que tenha primeiro aprendido bem; ninguém aprende bem, a menos que aprenda com objetivo de ensinar, e aprender e ensinar são inúteis e infrutíferos a menos que venham acompanhados de prática.[3]

            O trabalho do teólogo, como aquele que fala (logos), a respeito de Deus (Theós), é grandioso e modesto.[4]             Grandioso pelo seu tema, a universalidade de seu conteúdo, e sua abrangência de eternidade a eternidade. Deus, o homem em relação a Deus, às suas múltiplas relações na história e, o seu estado definitivo na eternidade. Esse é o escopo da teologia.[5]

Vocação assombrosa

            Isso é assombroso. Teologia é uma graça terrificante.[6] O Senhor tremendo (Sl 47.2;145.6)[7] é quem nos chama.[8] O salmista se alegra no temor de Deus, ciente da sua santa majestade: “Porque grande é o SENHOR e mui digno de ser louvado, temível (arey”) (yare) mais que todos os deuses” (Sl 96.4). “Celebrem eles o teu nome grande (lAdG”) (gadol) e tremendo (arey”) (yare), porque é santo (vAdq’) (qadosh)” (Sl 99.3).

            O nosso santo temor acompanhado de uma atitude condizente, alegra o Senhor. A Palavra nos ensina que Deus abençoa os que o temem: “Ele abençoa os que temem (arey”) (yare) o SENHOR, tanto pequenos como grandes” (Sl 115.13).

            Por outro lado, mesmo havendo teólogos geniais – pelo que devemos ser gratos a Deus –,  este não é o ponto essencial. O que, deixando-me um pouco aliviado, me permite ficar mais à vontade: A função do teólogo não é revelar mistérios ou, esclarecer o não-revelado, mas, sermos fiéis ao que Deus nos confiou em sua Palavra (1Co 4.1-2). Não somos videntes nem intérpretes juramentados de Deus. Teologia completa e definitiva é uma contradição e ilusão pecaminosa.

            Como tenho dito, é importante aprender a não amar pensar sozinho, orgulhando-se de suas conclusões “diferentes”. Mas, ao mesmo tempo, é necessário que tenhamos a dignidade e honradez de, quando estivermos convencidos de um ensinamento bíblico, não temer pensar sozinho, ainda que permaneçamos abertos ao um exame constante de nossa posição.

            O amar pensar solitariamente, pode nos conduzir a armadilhas, esquisitices teológicas arrogantes e presunçosas que em nada edificam. Por outro lado, temer pensar sozinho pode obstruir o caminho de uma compreensão mais ampla da Palavra e, consequentemente, de nos edificar com isso bem como à Igreja de Deus.

            Isso faz-me lembrar de Lutero na Dieta de Worms (1521) quando diante do Imperador, dos príncipes e de clérigos, é pressionado a negar a sua fé. Depois de pedir algumas horas para pensar, argumenta e, por fim, estabelece o padrão de seu pensamento e fé: “… estou vencido pelas Escrituras por mim aduzidas e minha consciência está presa nas palavras de Deus – não posso nem quero retratar-me de nada, porque agir contra a consciência não é prudente nem íntegro”.[9] 

São Paulo, 27 de março de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Como bem sumariou Carl Rogers (1902-1987): “Aquele que aprende está unicamente interessado em continuar a aprender” (Carl R. Rogers, Tornar-se pessoa,  São Paulo: Martins Fontes, 1977, p. 255).

[2] Universidade na qual estudara Descartes (1599-1650), uns 45 anos antes.

[3] Herman Witsius, O Caráter do Verdadeiro Teólogo, São Paulo: Teocêntrico Publicações, 2020. Edição do Kindle.  Localização: 142-143).

[4]Tillich (1886-1965), ainda que não seguindo uma linha teológica evangélica, caracteriza bem a questão da teologia, ao falar da sua tarefa: “A tarefa da teologia é mediação, mediação entre o critério eterno da verdade manifesto na figura de Jesus, o Cristo, e as experiências mutáveis dos indivíduos e dos grupos, suas variadas questões e suas categorias de percepção da realidade. Quando se rejeita a tarefa mediadora da teologia, rejeita-se a própria teologia; pois o termo ‘teo-logia’ pressupõe, em si, uma mediação, a saber, entre o mistério, que é theos, e a compreensão, que é logos”. (Paul Tillich, A Era Protestante,São Paulo: Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da Religião, 1992, p. 15). Notemos que “as experiências mutáveis dos indivíduos e dos grupos”, não se constituem no nosso ponto de partida teológico, antes são desafios para os quais o teólogo deve buscar nas Escrituras a resposta.

[5] “No círculo das ciências, a teologia tem direito a um lugar de honra, não por causa das pessoas que pesquisam essa ciência, mas em virtude do objeto que ela pesquisa; ela é e continuará sendo – desde que esta expressão seja entendida corretamente – a rainha das ciências” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 53). “A teologia e a dogmática, também, existem por causa de Deus” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada, v. 1, p. 46).

[6] Após escrever isso, recordei-me do já mencionado discurso inaugural que Witsius (1636-1708) ministrou aos seus alunos, e a uma audiência de toda a província, em Franeker, em 1675: “Eu sou ao mesmo tempo assombrado por um grande e bem fundamentado medo de falhar em cumprir exatamente o trabalho que me foi designado” (Herman Witsius, O Caráter do Verdadeiro Teólogo, São Paulo: Teocêntrico Publicações, 2020.(Locais do Kindle 11-12). Edição do Kindle.  Localização: 91-92).

[7] “Pois o SENHOR Altíssimo (!Ayl.[,) (elyon) é tremendo (arey”) (yare), é o grande rei de toda a terra” (Sl 47.2). “Falar-se-á do poder dos teus feitos tremendos (arey”) (yare), e contarei a tua grandeza (hL’WdG>) (gedullah) (Sl 145.6).

[8] “É somente pela vocação divina que os ministros da Igreja se tornam legalmente efetivados. Quem quer que se apresente sem ser convidado, seja qual for a erudição ou eloquência que o mesmo possua, esse não recebe autoridade alguma, porquanto não veio da parte de Deus” (João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.31), p. 71). Veja-se também:  D.M. Lloyd-Jones, Discurso feito em setembro de 1967 numa conferência estudantil no Seminário Teológico de Westminster, em Filadélfia. In: Discernindo os Tempos, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1989, p. 274-275.

[9]Martinho Lutero, Discurso do Dr. Martinho Lutero Perante o Imperador Carlos e os Príncipes na Assembleia de Worms – Quinta-feira depois de Misericordias Domini. In: Martinho Lutero: Obras Selecionadas,São Leopoldo, RS.; Porto Alegre, RS.: Sinodal; Concórdia, 1996, v. 6, p. 126. McGrath está correto ao afirmar: “Permitir que novas ideias e valores tornem-se controlados por qualquer coisa ou pessoa que não a autorrevelação de Deus na Escritura é adotar uma ideologia, em vez de uma teologia; é tornar-nos controlados por ideias e valores cujas origens se acham fora da tradição cristã – e potencialmente tornar-nos escravizados por eles” (Alister E. McGrath, Paixão pela Verdade: a coerência intelectual do Evangelicalismo, São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 53).

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