Teologia da Evangelização (127)

4.3.2.1.4.1. A visão dos escritores do Novo Testamento

Lendo o Novo Testamento, percebemos que Jesus Cristo era tão humano aos olhos dos que o viam e conviviam com Ele, que a afirmação e demonstração de sua divindade, gerava reações contrastantes: ódio, incredulidade, ressentimento, admiração e adoração.

          A perplexidade de grupos e pessoas diante da figura de Jesus Cristo se revela por meio de indagações variadas que faziam a respeito de sua identidade. Algumas delas são descritas nas páginas do Novo Testamento.

          Assim, encontramos:

          Os escribas e fariseus após presenciarem seus atos miraculosos e declarar perdoado o paralítico que fora curado, indagam: “Quem é este que diz blasfêmias (Blasfhmi/a) ?[1] Quem pode perdoar pecados, senão Deus?” (Lc 5.21 (Mc 2.7)/Lc 7.49; Jo 5.12).

          Os discípulos após presenciarem o seu controle sobre a natureza: “E eles, possuídos de grande temor, diziam uns aos outros: Quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem?” (Mc 4.41).

          João Batista, preso, recebendo informações dos milagres feitos por Jesus, envia dois discípulos com uma pergunta direta feita a Jesus: 18Todas estas coisas foram referidas a João pelos seus discípulos. E João, chamando dois deles, 19 enviou-os ao Senhor para perguntar: És tu aquele que estava para vir ou havemos de esperar outro?” (Lc 7.18-19).

          Alguns de seus ouvintes incrédulos: “Então, lhe perguntaram: Quem és tu?” (Jo 8.25).

          Herodes, tetrarca da Galiléia, diante dos boatos a respeito de uma figura tão enigmática, assim se expressa: “…. Eu mandei decapitar a João; quem é, pois, este a respeito do qual tenho ouvido tais coisas? E se esforçava por vê-lo” (Lc 9.9).

          O sumo sacerdote no seu julgamento: “Tornou a interrogá-lo o sumo sacerdote e lhe disse: És tu o Cristo, o Filho do Deus Bendito?” (Mc 14.61).

          Pilatos, governador romano, o interroga: “És tu o rei dos judeus?” (Mc 15.2).

          O próprio Jesus sabendo das percepções variadas das pessoas, indaga a seus discípulos a respeito da compreensão deles:[2] “Quem dizem os homens que sou eu?” (Mc 8.27).

          A Bíblia declara e demonstra de forma enfática que Jesus Cristo é também perfeitamente homem; ou seja, Ele viveu como um homem sujeito aos mesmos limites do ser humano. Todavia, o que em geral causa muita confusão em nossas mentes, é o fato de nos esquecermos que Ele era um homem sem pecado (Jo 8.46; 2Co 5.21; Hb 4.15);[3] e também, porque todo o nosso referencial existencial para analisar isto, é vivido e conhecido dentro de um contexto pecaminoso; ou seja, nós não sabemos o que é ser homem sem o estigma do pecado, já que todos pecaram (Rm 3.23; 5.12).

          Talvez seja por isso que, frequentemente é mais fácil para nós o olharmos como Deus e pronto. A sua humanidade causa embaraços para nós, especialmente, quando as Escrituras apontam para o fato de que Ele, o nosso Senhor, é o nosso modelo de vida, ao qual devemos imitar (1Pe 2.21-23).[4]

          O Antigo Testamento aponta para a divindade e humanidade do Messias, Jesus Cristo. E mais, o próprio Senhor Jesus está ali.[5] Por isso, toda pregação bíblica deve ser Cristocêntrica.[6]

          Em Isaías, lemos: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz” (Is 9.6).

          Paulo, inspirado por Deus, faz eco a esse ensinamento, dizendo: 3 Com respeito a seu Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendência de Davi 4 e foi designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 1.3-4).

          Paulo escreve aos Coríntios: “Sabedoria essa que nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor da glória” (1Co 2.8).

Maringá, 23 de novembro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Este substantivo ocorre também em: Mt 15.19; 12.31-32; 26.65; Mc 2.7; 3.28; 7.22; 14.64; Jo 10.33; Ef 4.31; Cl 3.8; 1Tm 6.4; Jd 9; Ap 2.9; 13.1,5,6; 17.3. O verbo, Blasfhme/w, é empregado mais vezes no Novo Testamento (35 vezes) e, aquele que blasfema, Bla/sfhmoj, é utilizado 5 vezes (At 6.11,13; 1Tm 1.13 (aqui de forma substantivada); 2Tm 3.2; 2Pe 2.11).

            O verbo Blasfhme/w, que tem o sentido de “injuriar”, “difamar”, ”insultar”, “caluniar”, “maldizer”, “falar mal”, “falar para danificar”, etc., é formado de duas palavras, Bla/yij derivada de Bla/ptw = “injuriar”, “prejudicar” (* Mc 16.18; Lc 4.35) e Fhmi/ = “falar”, “afirmar”, “anunciar”, “contar”, “dar a entender”. A Blasfêmia tem sempre uma conotação negativa, de “maldizer”, “caluniar”, “causar má reputação”, etc., contrastando com Eu)fhmi/a (“boa fama” * 2Co 6.8) e Eu)/fhmoj (“boa fama” * Fp 4.8) (Eu)/ & fh/mh). No Fragmento 177 de Demócrito, lemos: “Nem a nobre palavra encobre a má ação, nem é a boa ação prejudicada pela má palavra (Blasfhmi/a)”.

            Em Platão (427-347 a.C.), é considerada blasfêmia atribuir aos deuses determinadas formas humanas, conforme fizeram primariamente os poetas e, as mães, que assim aprendiam e transmitiam aos seus filhos estas estórias (A República,7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (1993), II, 381e).

            No Novo Testamento este grupo de palavras é usado predominantemente no sentido religioso: “caluniar”, “difamar”. O verbo Blasfhme/w empregado de forma absoluta, indica uma blasfêmia contra Deus (Cf. Mt 26.65a; Mc 2.7; Jo 10.36); do mesmo modo ocorre com o substantivo Blasfhmi/a (Cf. Mt 26.65b; Mc 14.64; Lc 5.21; Jo 10.33, etc.). “No NT o conceito de blasfêmia é controlado completamente pelo pensamento de violação do poder e majestade de Deus. Blasfêmia pode ser dirigida imediatamente contra Deus (Ap 13.6; 16.11,21; At 6.11), contra o nome de Deus (Rm 2.24; 1Tm 6.1; Ap 16.9), contra a Palavra de Deus (Tt 2.5), contra Moisés e Deus e consequentemente contra o fundamento da revelação na Lei (At 6.11)” (H.W. Beyer, Blasfhmi/a: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds.Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 1, p. 622-623). Na LXX, este pensamento é predominante: a blasfêmia é contra a majestade e glória de Deus. Para o judeu, falar de forma ímpia contra Moisés ou a Lei, significa blasfemar (Veja-se: At 6.11). Para o judaísmo do período anterior ao Cristianismo — conforme interpretação que faziam de Dt 21.22-23 —, morrer numa cruz significava uma blasfêmia, sendo este tipo de morte uma maldição divina (Veja-se: Gl 3.13) (Cf. O. Hofius, Blasfhmi/a: In: Horst Balz; Gerhard Schneider, eds.Exegetical Dictionary of New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1978-1980, v. 1, p. 221).

[2]John Stott, O Incomparável Cristo, São Paulo: ABU., 2006, p. 24.

[3]“Quem dentre vós me convence de pecado? Se vos digo a verdade, por que razão não me credes?” (Jo 8.46). “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co 5.21). “Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado” (Hb 4.15).

[4]21Porquanto para isto mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos, 22 o qual não cometeu pecado, nem dolo algum se achou em sua boca; 23 pois ele, quando ultrajado, não revidava com ultraje; quando maltratado, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga retamente” (1Pe 2.21-23).

[5]“Não examinamos o Antigo Testamento apenas para encontrar os antecedentes históricos de Cristo e de seu ministério, nem mesmo para buscar referências que façam previsões sobre ele. Temos de encontrar Cristo no Antigo Testamento – não aqui e ali, mas em toda parte” (R. Albert Mohler Jr., Estudando as Escrituras para encontrar Jesus: In: D.A. Carson, org., As Escrituras dão testemunho de mim, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 18). Quanto às implicações práticas desta perspectiva para a pregação cristã e, também, os perigos de uma abordagem inadequada, vejam-se, além do capítulo de Mohler Jr.: Sidney Greidanus, Pregando Cristo a partir do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006; Sidney Greidanus, O pregador contemporâneo e o texto antigo: interpretando e pregando literatura bíblica, São Paulo: Cultura Cristã, 2006; Sidney Greidanus, Pregando Cristo a partir de Gênesis: Fundamentos para Sermões Expositivos, São Paulo: Cultura Cristã, 2009; Graeme Goldsworthy, Pregando toda a Bíblia como Escritura Cristã, São Paulo: Vida Nova, 2013. Alguns livros inspiradores a respeito da pregação centrada em Cristo, são: Steven J. Lawson, O tipo de pregação que Deus abençoa, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2013; D. M. Lloyd-Jones, As Insondáveis Riquezas de Cristo,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992. De forma paralela ao nosso tema, porém, altamente desafiante ao tratar da Pregação expositiva: Alistair Begg, Pregando para a glória de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2014.

[6]“A pregação cristocêntrica não é simplesmente evangelística, nem confinada a uns poucos relatos do evangelho. Abrange o todo da Escritura como revelação do plano redentor de Deus, e anuncia cada passagem dentro do seu contexto” (Bryan Chapell, Pregação Cristocêntrica, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 32). “Se tem de acontecer uma nova Reforma neste tempo, tem de haver uma reforma do púlpito. Essa restauração envolverá restaurar Cristo como o principal foco no púlpito. Tem de haver um retorno decisivo a fazer de Cristo o ponto focal de toda pregação” (Steven J. Lawson, O tipo de pregação que Deus abençoa, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2013, p. 65). “Jesus Cristo crucificado é o tema que unifica toda a Escritura” (Ibidem, p. 28). “Se o sermão falha em exaltar Cristo, não atinge o alvo” (Ibidem, p. 25). Para uma abordagem crítica da igreja contemporânea, incluindo, obviamente, o abandono da pregação bíblica, veja-se: Michael Horton, Cristianismo sem Cristo: O Evangelho Alternativo da Igreja Atual, São Paulo: Cultura Cristã, 2010. Do mesmo modo, enfocando mais especificamente a adoração: Michael Horton, Um Caminho Melhor, São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

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