Teologia da Evangelização (126)

4.3.2.1.2. A necessidade da humanidade de Cristo

Na pergunta 39 do Catecismo Maior de Westminster, lemos:

Por que era indispensável que o Mediador fosse homem?
R: …. para poder soerguer a nossa natureza e possibilitar a obediência à lei, sofrer e interceder por nós em nossa natureza, e solidarizar-se com as nossas enfermidades, para que recebêssemos a adoção de filhos, e tivéssemos conforto e acesso, com confiança, ao trono da graça.

          Seguindo a mesma linha de pensamento, podemos, resumidamente, dizer que a humanidade de Cristo era necessária:

  1. Para ser um exemplo humano perfeito para os Seus discípulos (Mt 11.29; Jo 13.13-15; Rm 8.29; Fp 2.5-8; Hb 12.2-4; 1Pe 2.21; 1Jo 2.6).
  2. Cumprisse o propósito de Deus para o homem em relação à Sua criação. O homem ao pecar perdeu o domínio sobre a criação; Jesus Cristo demonstra em Sua vida o domínio sobre ela (Ef 1.22; Hb 2.8-9).[1]
  3. Representar genuinamente o Seu povo – sendo o segundo Adão –, por intermédio de quem Deus trata com os eleitos, tornando-se o único Mediador entre Deus e os homens (Rm 5.15-19; 1Co 15.21-23; 46-49; 1Tm 2.5). Se Jesus veio salvar os homens, teria que se tornar homem, não um anjo.
  4. Para que estivesse sob a Lei, a fim de poder cumpri-la pelo Seu povo (Gl 4.4-5).
  5. Para que pudesse arcar moral, física e espiritualmente com as consequências do pecado de Seu povo, já que o pecado trouxe graves prejuízos sobre estas três áreas. Todavia, tinha que ser homem sem pecado para que pudesse apresentar-Se a Si mesmo como oferta santa e imaculada (Hb 7.26-27; 9.14). Desta forma, morresse pelos pecadores eleitos, visto que somente a carne pode morrer (1Pe 1.18-20).
  6. Para simpatizar com os Seus, já que Ele estaria sujeito às mesmas tentações. (Hb 2.16-18; 4.15-16).
  7. “Para ser o padrão de nosso corpo redimido”.[2] A ressurreição de Cristo revela o padrão do nosso corpo redimido para todo o sempre (1Co 15.21-23; 42-44; Cl 1.18).

4.3.2.1.3. A necessidade das duas naturezas numa só Pessoa

Em resposta à questão 40 do Catecismo Maior de Westminster – “Por que era indispensável que o Mediador fosse Deus e homem em uma só pessoa?”, responde: “…. para que as obras próprias de cada natureza pudessem ser aceitas por Deus a nosso favor e que nós confiássemos nelas como obras da pessoa inteira”.                 

          Era necessário que fosse homem para que levasse sobre si a culpa do pecado, cumprindo o aspecto condenatório da Lei; e, ao mesmo tempo, que fosse Deus para poder cumpri-la, suportando a justa ira de Deus, conferindo um valor eterno ao seu sacrifício (Hb 9.23-28).

          Calvino escreveu sobre isso:

Visto, então, que Deus por Si só não poderia provar a morte, e que o homem por si só não poderia vencê-la, Ele tomou sobre Si a natureza humana em união com a natureza divina, para que sujeitasse a fraqueza daquela a uma morte expiatória, e que pudesse, pelo poder da natureza divina, entrar em luta com a morte e ganhar para nós a vitória sobre ela.[3]

          Em outro lugar, tratando deste assunto, Calvino resume:

Pois foi necessário que o Filho de Deus se tornasse homem, e ser um participante de nossa carne, para que pudesse ser o nosso irmão: foi necessário que, pela morte, ele se tornasse um sacrifício, para que fizesse com que seu Pai fosse propício a nós.[4]

          Por isso, toda a tentativa de satanás de obscurecer a pessoa de Cristo, continua o Reformador:

Não há nada que Satanás mais tente fazer do que levantar névoas para obscurecer Cristo; pois ele sabe que dessa forma o caminho está aberto para todo tipo de falsidade. Assim, o único meio de manter e também restaurar a doutrina pura é colocar Cristo diante de nossos olhos, exatamente como Ele é, com todas as Suas bênçãos, para que Seu poder possa ser verdadeiramente percebido.[5]

4.3.2.1.4. Jesus Cristo: Duas naturezas em uma Pessoa

A mente piedosa não sonha para si um Deus qualquer; ao contrário, contempla somente o Deus único e verdadeiro, nem lhe atribui o que quer que à imaginação haja acudido, mas se contenta com tê-Lo tal qual Ele próprio Se manifesta e, com a máxima diligência, precavém-se sempre, para que não venha, mercê de ousada temeridade, a vaguear errática, trespassados os limites de Sua vontade” – João Calvino.[6]

                           Já tratei em outros lugares sobre as duas naturezas de Cristo, afirmando que Jesus Cristo é plenamente homem e plenamente Deus.[7] Aqui quero limitar-me a tratar biblicamente a compreensão de que o Senhor Jesus, tendo duas naturezas, se constitui em uma só pessoa.

          Por natureza, entendemos os elementos essenciais para que uma coisa seja o que é (a concreta substância de uma espécie); desta forma, quando falamos em natureza humana, nos referimos a um corpo mortal e uma alma (= espírito) imortal, os quais a constituem.

          Menciono agora alguns erros concernentes às duas naturezas de Cristo:

     A) Duas naturezas misturadas, formando uma terceira (Eutiquianismo).[8]

Paulo dá graças a Deus pela genuína fé dos efésios depositada em Jesus Cristo (Ef 1.15). É necessário que entendamos que esta fé não significa simplesmente crer na humanidade de Cristo ou na sua divindade. Nem mesmo significa crer nas duas naturezas de Cristo como sendo misturadas uma com a outra, surgindo daí uma terceira pessoa, nem divina, nem humana (Eutiquianismo).[9] Observem que dentro desta perspectiva, Jesus não salvaria ninguém, já que Ele não seria verdadeiro homem nem verdadeiro Deus.

B) Duas naturezas e duas pessoas (Nestorianismo)

Também não significa crer que Jesus Cristo era constituído de duas naturezas e duas pessoas (Nestorianismo).[10] Deste modo, teríamos um “eu dividido” com uma relação frágil, apenas de afetividade, sem sabermos ao certo quem disse o quê e quem de fato nos salvaria.

          Ante de prosseguirmos em nossa análise, vejamos o que a Escritura nos ensina a respeito.

Maringá, 23 de novembro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Cf. Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, p. 446.

[2] Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, p. 446.

[3] João Calvino, As Institutas da Religião Cristã, edição abreviada por J.P. Wiles, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1984, II.12, p. 182.

[4] John Calvin, Commentary on the Epistle to the Colossians, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1996 (reprinted), v. 21, (Cl 1.22), p. 159.

[5]John Calvin, Commentary on the Epistle to the Colossians, (Cl 1.12), p. 145-146.

[6] J. Calvino,  As Institutas,I.2.2.

[7] Vejam-se: Hermisten M.P. Costa, Eu Creio, São Paulo: Fiel, 2014; Hermisten M.P. Costa, Fé em Jesus Cristo: Verdadeiro Deus & Verdadeiro Homem, Goiânia, GO.: Editora Cruz, 2015.

[8] Para um estudo mais completo destas questões, veja-se: Hermisten M.P. Costa, Eu Creio: No Pai, no Filho e no Espírito Santo, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2014.

[9] Nome derivado de Êutico (= Eutiques, Eutíquio) (c.378-454), Arquimadrita de um mosteiro em Constantinopla, discípulo de Cirilo de Alexandria. A sua doutrina consiste numa reação ao Nestorianismo. Ele sustentou que a encarnação é o resultado da fusão do divino com o humano em Jesus, sendo a natureza humana absorvida pela divina ou, que desta fusão surgisse uma nova substância “híbrida” (Cf. Millard J. Erickson, Introdução à Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 303); um “terceiro tipo de natureza” (Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 459).  Assim, sua posição envolvia uma pessoa e uma natureza. Ele foi o fundador do “Monofisismo”: Cristo tem uma única natureza; a divina revestida de carne humana. No Concílio de Calcedônia (23/05/451) o Eutiquianismo foi definitivamente condenado.

[10] Nome proveniente de Nestório (380-451), Bispo de Constantinopla (428-431). Tentando refutar o Eutiquianismo, Nestório ensinava  que Jesus Cristo era constituído de duas pessoas e duas naturezas.  Entendia que cada uma das duas naturezas de Jesus tinha a sua própria subsistência e personalidade; a união entre elas  não era ontológica, mas apenas moral, simpática e afetiva.

            Os seus ensinamentos foram rejeitados no Concílio de Éfeso (431) e de Calcedônia (451).

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