Teologia da Evangelização (6)

1. Considerações gramaticais

 1.1. Literatura Clássica

O verbo “Evangelizar” (Eu)aggeli/zw) e o substantivo “Evangelho” (Eu)agge/lion) – com os seus cognatos, “Evangelismo”, “Evangélico”, ”Evangelista”, “Evangelização” – são palavras provenientes do grego, que passando pelo latim, chegaram ao nosso idioma de forma transliterada.[1] O uso destas expressões é bem antigo na língua grega, antecedendo em muito ao Novo Testamento, remontando aos escritos de Homero (IX séc. a.C.).

A palavra “evangelho” passou evolutivamente por três significados básicos, a saber:

                        1) A recompensa dada ao mensageiro por sua mensagem (Homero[2] e Plutarco).

                        2) As ofertas de ações de graça aos deuses por uma boa nova recebida.

                        3) O conteúdo da mensagem: as próprias boas novas (1Sm 31.9;1Cr 10.o).[3] Após uma campanha vitoriosa, os arautos percorriam o país anunciando o evangelho, ou seja, as novas de vitória.[4] Como no Império Romano o imperador tipificava uma espécie de deus e salvador, tendo poder sobre todas as coisas, os acontecimentos de sua vida se constituíam num “evangelho”. Por isso ele era cultuado. Assim, desde o seu nascimento, maioridade, sua ascensão ao trono, discursos, decretos ou mesmo a sua visita à determinada cidade, era anunciado como uma boa nova de alegria, felicidade e paz: era o evangelho.[5]

1.2. No Antigo Testamento

A palavra hebraica correspondente (hfb&:B) (besorâh) tem um emprego militar, estando a sua raiz associada ao trazer boas notícias, ainda que não necessariamente. Ou seja: A boa nova nem sempre é entendida assim por quem a recebe (1Sm 4.16-17; 2Sm 1.20; 18.19-20/Jr 20.15).[6]

            No entanto, o mensageiro, conforme seu juízo de valor, se via como alguém que levava uma boa nova (2Sm 4.10). Num contexto de expectativa, a sentinela aguarda com ansiedade o mensageiro para saber das novas (2Sm 18.24-27/Is 52.7). Outras vezes, no entanto, as “novas” são qualificadas como boas apenas pelo emprego da palavra (rf;B’) (basar) (2Sm 18.26,31).

            De forma teológica a palavra indica uma mensagem que inicialmente somente Israel possui a respeito do reinado de Deus com a consequente paz, justiça e salvação (Sl 40.9; 96.1-13; Is 40.9; 41.27; 52.7; 95.1). Contudo, no futuro, a mensagem se plenificará no Messias e todas as nações se regozijarão na plenitude dessas bênçãos (Is 61.1-3/Lc 4.16-21; 1Co 15.54-56; Cl 1.5-6; 2.13-15/Is 60.6).[7]

            Na Septuaginta o substantivo Eu)agge/lion não ocorre no sentido religioso, sendo usado na forma secular de trazer “boa notícia”  com uma conotação de alegria (1Rs 1.42/2Sm 18.20)[8] ou “recompensa pelas boas novas” (Cf. 2Sm 4.10; 18.22,25).[9] Já o verbo eu)aggeli/zomai é usado teologicamente.

            O sentido básico da palavra (Eu)agge/lion) (Evangelho) é “boas novas”, sendo um termo técnico para “novas de vitória”;[10] consistindo o “evangelizar” [grego: Eu)aggeli/zw e Eu)aggeli/zomai], no ato de “trazer ou anunciar boas novas”, “proclamar”, “pregar”, ser o agente das notícias de vitória.

            Podemos tabular o uso de eu)aggeli/zomai de três formas especiais, antecipando, de certo modo, o sentido dado no Novo Testamento:

            1) Proclamar a Glória de Deus manifesta em sua justiça, fidelidade, salvação, graça e verdade (Sl 40.9; Sl 96.2).[11]

            2) Proclamar as boas novas referentes ao Ungido de Deus (Is 40.9; 52.7).[12]

            3) As boas novas proclamadas pelo Ungido de Deus (Is 61.1).[13]

Maringá, 10 de julho de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Veja-se: Evangelho: In: Antônio Geraldo da Cunha,Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991, p. 338.

[2] Homero, Odisseia, São Paulo: Abril Cultural, 1979, XIV.152. p. 130.

[3]“Cortaram a cabeça a Saul e o despojaram das suas armas; enviaram mensageiros pela terra dos filisteus, em redor, a levar as boas-novas à casa dos seus ídolos e entre o povo” (1Sm 31.9). (Destaques meus).

[4] Ver: H.J. Jager, Palabras Clave del Nuevo Testamento, 2. ed. Madrid: Fundacion Editorial de Literatura Reformada, 1982, v. 1, p. 7.

[5]Vejam-se: Justino de Roma, I Apologia, São Paulo: Paulus, 1995, 21, p. 38; M. Burrows, The Origin of the Term “Gospel”: In: Journal of Biblical Literature Vol. 44, No. 1/2 (1925), pp. 21-33 (Disponível: https://www.jstor.org/stable/3260047?origin=JSTOR-pdf&seq=1) (Consultado em : 06.07.2022); Gerhard Friedrich, Eu)agge/lion: In: Gerhard Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, v. 2, p. 724-725; U. Becker, Evangelho: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 2, p. 167-168; Michael Green, Evangelização na Igreja Primitiva, São Paulo: Vida Nova, 1984, p. 63-65; H.J. Jager, Palabras Clave del Nuevo Testamento, v. 1, p. 7. De forma alternativa, veja-se: D.A. Carson, O que é o evangelho? – revisitado: In:  Sam Storms; Justin Taylor, orgs., John Piper: Ensaios em sua homenagem, São Paulo: Hagnos, 2013,   [p. 177-206], p. 189.

[6]Cf. John N. Oswalt, Bãsar: In: R. Laird Harris; Gleason L. Archer, Jr.; Bruce K. Waltke, orgs. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 227; Stephen T. Hague, Bsr: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1 p. 751; D.A. Carson, O que é o evangelho? – revisitado: In:  Sam Storms; Justin Taylor, orgs., John Piper: Ensaios em sua homenagem, São Paulo: Hagnos, 2013,   [p. 177-206], p. 179.

[7]Ver: John N. Oswalt, Bãsar: In: R. Laird Harris; Gleason L. Archer, Jr.; Bruce K. Waltke, orgs. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, p. 227; U. Becker, Evangelho: In: Colin Brown, ed. ger. ONovo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 2, p. 168; Gerhard Friedrich, Eu)agge/lion: In: Gerhard Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, v. 2, p. 709-710.

[8]“Estando ele ainda a falar, eis que vem Jônatas, filho de Abiatar, o sacerdote; disse Adonias: Entra, porque és homem valente e trazes boas-novas (rf;B’) (basar)(1Rs 1.42).  Aqui as “novas” são adjetivadas como como boas (bAj)(tôb) (Cf 1Rs 1.42). A palavra hebraica é traduzida de forma variada no AT.: Bondade (Sl 21.3; 23.6); bom (Sl 25.8; 34.9,15; 36.4); bem (Sl 14.1,3; 34.11,12; 37.3); melhor (Sl 63.3; 118.8,9); vale mais (Sl 84.10); bens (Sl 107.9). A Criação é, em seu estado original, avaliada por Deus como sendo boa (Gn 1.4,10,12,18,21,25,31). Por vezes a palavra tem o sentido estético (belo, agradável) ainda que não indique necessariamente algo bom, mas, o caminho adequado para se conseguir o que deseja ou, na mesma linha de subjetividade, o que parece bom aos nossos olhos (Gn 19.8; Js 9.25; Et 3.11; 2Rs 20.3). Tipo o “Imperativo Hipotético” de Kant, associo eu. (Para um estudo mais exaustivo do termo, vejam-se: Alan Richardson, ed. A Theological Word Book of the Bible, London: SCM Press, 13. impression, 1975, p. 99; Andrew Bowling, Tôb: In: R. Laird Harris; Gleason L. Archer, Jr.; Bruce K. Waltke, orgs. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 564-566 (Artigo bastante didático). Robert P. Gordon, Twb: In: Willem A. VanGemeren, org., Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 2, p. 352-356; E. Beyreuther, Bom: In:  Colin Brown, ed. ger. ONovo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 1, p. 319-327; W. Grundmann, A)gaqo/j: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 1, p. 10-18; W. Grundmann, Kalo/j: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, v. 3, p. 536-550; I. Höver-Johag, bOs: In: G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren, eds., Theological Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 1980 (Revised edition), v. 5, p. 296-317; Bom: W.E. Vine; Merril F. Unger; William White Jr., Dicionário Vine: o significado exegético e expositivo das palavras do Antigo e do Novo Testamento, Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2002, p. 55-56 (Pequeno, porém, significativo artigo).

[9]“Porém Davi, respondendo a Recabe e a Baaná, seu irmão, filhos de Rimom, o beerotita, disse-lhes: Tão certo como vive o SENHOR, que remiu a minha alma de toda a angústia, se eu logo lancei mão daquele que me trouxe notícia, dizendo: Eis que Saul é morto, parecendo-lhe porém aos seus olhos que era como quem trazia boas-novas, e como recompensa o matei em Ziclague” (2Sm 4.9-10). “Prosseguiu Aimaás, filho de Zadoque, e disse a Joabe: Seja o que for, deixa-me também correr após o etíope. Disse Joabe: Para que, agora, correrias tu, meu filho, pois não terás recompensa das novas?” (2Sm 18.22). “Gritou, pois, a sentinela e o disse ao rei. O rei respondeu: Se vem só, traz boas notícias. E vinha andando e chegando” (2Sm 18.25). (Destaques meus).

[10]Cf. Gerhard Friedrich, Eu)agge/lion: In: Gerhard Kittel: G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, v. 2, p. 722.

[11]Proclamei as boas-novas de justiça na grande congregação; jamais cerrei os lábios, tu o sabes, SENHOR” (Sl 40.9). “Cantai ao SENHOR, bendizei o seu nome; proclamai a sua salvação, dia após dia” (Sl 96.2) (Destaques meus).

[12] “Tu, ó Sião, que anuncias boas-novas, sobe a um monte alto! Tu, que anuncias boas-novas a Jerusalém, ergue a tua voz fortemente; levanta-a, não temas e dize às cidades de Judá: Eis aí está o vosso Deus!” (Is 40.9). “Que formosos são sobre os montes os pés do que anuncia as boas-novas, que faz ouvir a paz, que anuncia coisas boas, que faz ouvir a salvação, que diz a Sião: O teu Deus reina!” (Is 52.7) (Destaques meus).

[13]“O Espírito do SENHOR Deus está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu para pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados” (Is 61.1) (Destaques meus).

One thought on “Teologia da Evangelização (6)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *