Teologia da Evangelização (42)

2.4.3.2.2.4. A Fé salvífica (Continuação)

Estudando o Salmo 42, quando o salmista em meio às aflições demonstra a sua fé no livramento de Deus, Calvino comenta que esta certeza não é

Uma expectativa imaginária produzida por uma mente fantasiosa; mas, confiando nas promessas de Deus, ele não só se anima a nutrir sólida esperança, mas também se assegura de que receberia infalível livramento. Não podemos ser competentes testemunhas da graça de Deus perante nossos irmãos quando, antes de tudo, não testificamos dela a nossos próprios corações.[1]

          O que é trágico, é que a razão estigmatizada pelo pecado que se mostra tão eficaz nas coisas naturais, perde-se diante do mistério de Deus revelado em Cristo e, também diante da Revelação Geral na natureza: “As mentes humanas são cegas a essa luz, a qual resplandece em todas as coisas criadas, até que sejam iluminadas pelo Espírito de Deus e comecem a compreender, pela fé, que jamais poderão entendê-lo de outra forma”, conclui Calvino.[2]

A graça, portanto, antecede à fé e ao conhecimento.[3] “Se Deus não se antecipasse aos homens com sua graça, todos eles pereceriam totalmente”, infere Calvino de forma biblicamente lógica.[4]

   A fé consiste na convicção de que a salvação está além de nossos recursos. No caso da fé salvadora, significa que depositamos nossa fé em Deus por meio de Cristo.[5]

          Aqui temos o ponto capital. A questão central relacionada à fé. Biblicamente falando, a fé salvadora é uma fé Teológica e, esta é Cristocêntrica. A Teocentricidade da fé é Cristocêntrica. Não existe fé Teocêntrica à revelia da Pessoa de Cristo. Isso porque, sem o Filho, o Pai, como tal, continua desconhecido a nós. A glória do Espírito é que creiamos no Filho. A glória do Filho consiste em que recebamos a Deus como Pai. A alegria do Pai é que honremos o Filho. Na confissão do Pai, a Trindade é glorificada.

          Crer no Pai é o mesmo que crer no Filho (Jo 5.24; 12.44; 14.1; Mc 11.22; At 20.21; Rm 3.22, 26; 4.24; Gl 2.20; 1Pe 1.21; 1Jo 3.23).[6] Sem Jesus Cristo o Pai continua inacessível a nós (Lc 10.22; Jo 8.12; 14.6; 1Tm 2.5; 6.16).[7]

          Uma fé supostamente depositada no “Pai” sem a aceitação do Filho como Senhor e Salvador, não é a genuína fé bíblica: Ninguém poderá crer em Deus sem fé em Jesus Cristo. Ninguém pode ter a Deus como Pai sem ter Jesus Cristo como irmão primogênito e Senhor (Rm 8.29).[8] “O objetivo final de nossa fé é Deus mesmo; mas vemos a sua glória através de Cristo, o qual é o caminho divinamente designado para revelar a glória de Deus”, exulta Owen (1616-1683).[9]

          Agostinho (354-430) fazendo uma distinção entre a “fé cristã” e pagã, escreve:

A fé dos cristãos não é louvável porque eles creem no Cristo que morreu, mas no Cristo que ressuscitou. Pois, também o pagão acredita que ele morreu e te acusa como de um crime teres acreditado num morto. Que tens, portanto, de louvável? Teres acreditado que Cristo ressuscitou e esperar que hás de ressuscitar por Cristo. Nisto consiste uma fé louvável. “Se confessares com tua boca que Jesus é Senhor e creres em teu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo” (Rm 10.9). (…) Esta é a fé dos cristãos.[10]

          Calvino resume: “Lembremo-nos de que a fé genuína está então contida em Cristo, que ela não sabe, nem deseja saber, nada mais além dele”.[11]

          O fundamento da fé é o Deus fiel: Aquele que a gerou e a sustenta (1Co 2.4,5; Hb 11.11; 1Pe 1.21).[12]

          A nossa fé encontra o seu amparo na veracidade e fidelidade de Deus. A fidelidade de Deus se revela nas suas promessas, como expressão de sua fidelidade a si mesmo. Deste modo, podemos dizer juntamente com Calvino que “a fé verdadeira é aquela que ouve a Palavra de Deus e descansa em Sua promessa”.[13]

          Sem a graça de Deus jamais creríamos na mensagem do Evangelho, jamais poderíamos entendê-la de forma salvadora. Assim, de modo algum seríamos salvos. Portanto, não é demais enfatizar: não há mérito na fé.[14]

          Por sua vez, esta Palavra uma vez ouvida e entendida, produz frutos em seus receptores. Paulo dá graças a Deus pela vida dos colossenses a esse respeito:

3Damos sempre graças a Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, quando oramos por vós, 4desde que ouvimos (a)kou/w) da vossa fé em Cristo Jesus e do amor que tendes para com todos os santos; 5por causa da esperança que vos está preservada nos céus, da qual antes ouvistes (proakou/w)[15]pela palavra da verdade do evangelho, 6 que chegou até vós; como também, em todo o mundo, está produzindo fruto e crescendo, tal acontece entre vós, desde o dia em que ouvistes (a)kou/w) e entendestes (e)piginw/skw = conhecer acuradamente, intensamente) a graça de Deus na verdade.(Cl 1.3-6).

          Temos, portanto, que nos apegar à verdade ouvida para que não nos desviemos dela. O escritor de Hebreus após falar a respeito da superioridade de Cristo sobre todas as coisas, exorta-nos a dar atenção à sua Palavra, para que não nos desviemos, por negligência, em nossa rota de obediência a Ele: “Por esta razão, importa que nos apeguemos, com mais firmeza, às verdades ouvidas (a)kou/w), para que delas jamais nos desviemos” (Hb 2.1).

2.4.3.2.2.5. Redenção e remissão dos pecados

 O apóstolo Paulo em lugares diferentes nos ensina a respeito da justificação, realçando a nossa redenção gratuita em Cristo: “Sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Rm 3.24). “No qual temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça” (Ef 1.7/1Pe 1.18,19; At 20.28/Hb 8.12).

          Cristo redimiu-nos, levando sobre si a maldição de nossos pecados, pagando o altíssimo preço do nosso resgate (Rm 3.24; Ef 1.7/1Pe 1.18,19; At 20.28/ Hb 8.12). “O sangue de Cristo tem valor infinito por causa da gloriosa dignidade d’Aquele que o derramou”, interpreta Booth.[16] Cristo, com o seu próprio sangue, reconciliou-nos com Deus, sendo assunto aos céus, como nosso eterno e perfeito Mediador.[17]

São Paulo, 19 de agosto de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 42.5), p. 264.

[2] João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 11.3), p. 299. Do mesmo modo, veja-se: João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 153ss.

[3] “Diz ele [Paulo] que, antes que nascêssemos, as boas obras haviam sido preparadas por Deus; significando que por nossas próprias forças não somos capazes de viver uma vida santa, mas só até ao ponto em que somos adaptados e moldados pelas mãos divinas. Ora, se a graça de Deus nos antecipou, então toda e qualquer base para vanglória ficou eliminada” (João Calvino, Efésios,(Ef 2.10), p. 64).

[4] João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 25.8), p. 548.

[5] Veja-se: Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 147.

[6]“Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida” (Jo 5.24). “E Jesus clamou, dizendo: Quem crê em mim crê, não em mim, mas naquele que me enviou” (Jo 12.44). Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim” (Jo 14.1). “Ao que Jesus lhes disse: Tende fé em Deus” (Mc 11.22). “Testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (At 20.21). 22 justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos e sobre todos os que creem; porque não há distinção, (…) 26 tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3.22, 26). “Mas também por nossa causa, posto que a nós igualmente nos será imputado, a saber, a nós que cremos naquele que ressuscitou dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor” (Rm 4.24). “Logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gl 2.20). “Que, por meio dele, tendes fé em Deus, o qual o ressuscitou dentre os mortos e lhe deu glória, de sorte que a vossa fé e esperança estejam em Deus” (1Pe 1.21). “Ora, o seu mandamento é este: que creiamos em o nome de seu Filho, Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, segundo o mandamento que nos ordenou” (1Jo 3.23).

[7]“Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém sabe quem é o Filho, senão o Pai; e também ninguém sabe quem é o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Lc 10.22). “Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6). “Porquanto há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (1Tm 2.5). “O único que possui imortalidade, que habita em luz inacessível, a quem homem algum jamais viu, nem é capaz de ver. A ele honra e poder eterno. Amém!” (1Tm 6.16).

[8]“Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8.29).

[9]John Owen, A Glória de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1989, p. 23. 

[10] Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, (Patrística, 93), 1998, (Sl 101), v. 3, p. 32-33.

[11] João Calvino, Efésios, (Ef 4.13), p. 127.

[12]4A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, 5 para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana, e sim no poder de Deus” (1Co 2.4,5). Pela fé, também, a própria Sara recebeu poder para ser mãe, não obstante o avançado de sua idade, pois teve por fiel aquele que lhe havia feito a promessa” (Hb 11.11). “Que, por meio dele, tendes fé em Deus, o qual o ressuscitou dentre os mortos e lhe deu glória, de sorte que a vossa fé e esperança estejam em Deus” (1Pe 1.21).

[13]João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 11.11), p. 318. Veja-se também, Ibidem, (Hb 10.23), p. 270; João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 2.2), p. 49.

[14]“Não existe orgulho na fé. Fé é simplesmente a crença de que nada podemos fazer para nos salvar, mas que confiamos plenamente na graça de Deus” (Peter Jones, Verdades do Evangelho x Mentiras pagãs, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 34).

[15] Esta palavra só ocorre aqui em todo o NT.

[16]Abraham Booth, Somente pela Graça, p. 31.

[17]Veja-se: João Calvino, Exposição de Hebreus,(Hb 10.22), p. 268.

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