Teologia da Evangelização (141)

4.3.4. A morte expiatória de Cristo[1]

Paulo recordando aos crentes de Corinto o que lhes havia ensinado, diz: “Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho (euvagge,lion) que vos anunciei (euvaggeli,zw)(…) que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras” (1Co 15.1,3).

          Aqui podemos observar de passagem alguns aspectos:

1) Não havia um novo Evangelho a ser pregado; ele precisava apenas ser recordado em seu conteúdo e significado: “venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei”. Na realidade, Paulo estava declarando (lembrando) o Evangelho que já fora evangelizado (anunciado); nada havia a acrescentar e, ao mesmo tempo, a mensagem transmitida não era descartável: permanecia com o mesmo valor e relevância.

2) Evangelizar, proclamar as Boas Novas, é um trabalho contínuo; não se encerra simplesmente com o primeiro anúncio: “venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei”. A Igreja deve permanecer atenta à necessidade de enfatizar esta mensagem tendo em vista o esquecimento comum ao ser humano e aos novos desafios que surgem à fé em cada época. Muitas vezes as dificuldades podem ser transformadas em oportunidades para anunciar com maior ênfase o Evangelho. O nosso tempo é hoje, com todas as dificuldades e oportunidades que Deus nos concede. Se na história não existe “período de ouro” para a pregação, não existe pura e simplesmente “período trevoso”. “Toda era tem seus obstáculos particulares e suas oportunidades singulares, e hoje não é diferente”, interpreta Edgar.[1]

3) O Evangelho anunciado não falava de um plano frustrado ou de acontecimentos inesperados, antes tinha como conteúdo os fatos que ocorreram “segundo as Escrituras”: Deus cumpre o seu propósito. A Palavra de Deus permanece verdadeira e eficaz em todas as suas promessas.

4) O Evangelho envolve a compreensão adequada da gravidade de nossos pecados e a necessidade de expiação dos mesmos: “pelos nossos pecados”: A mensagem é clara e objetiva; não há eufemismos: somos pecadores.

5) A iniciativa amorosa de Deus em prover a reconciliação do homem com Ele mesmo, pagando um altíssimo preço: “Cristo morreu”. Conforme vimos, Calvino, corretamente interpreta: “…. Nós dizemos que [a Redenção] é gratuita para nós, mas não para Cristo, a quem custou altíssimo preço, uma vez que Ele pagou o resgate com o seu santo e precioso sangue, porque não existe nenhum outro preço que possa satisfazer à justiça de Deus”.[2]

6) O Evangelho anuncia a morte expiatória de Cristo: “Cristo morreu pelos nossos pecados”.

          Portanto, não existe Evangelho sem a morte de Cristo. Antes, a Boa Nova da mensagem passa necessariamente pela cruz. O Evangelho é o anúncio da morte de Cristo, o Deus encarnado, que deu a sua vida para salvar o Seu povo. A cruz faz parte essencial de sua vitória.

          Na encarnação o Senhor da glória se priva temporariamente da manifestação de sua glória e da alegria de estar diante do Pai, sem as limitações próprias da encarnação, com todos os agravantes resultantes do pecado humano: Fez-se pobre por amor a nós (2Co 8.9).[4] Ele pagou o preço da coroa futura.[5]

            O escritor de Hebreus exorta os seus leitores:

Olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus, o qual, em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia, e está assentado à destra do trono de Deus. Considerai, pois, atentamente, aquele que suportou tamanha oposição dos pecadores contra si mesmo, para que não vos fatigueis, desmaiando em vossa alma. (Hb 12.2-3).

            Às vésperas de sua auto-entrega, Jesus adverte e conforta os discípulos: “Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo”(Jo 16.33).[6]

          A sua expiação foi completa, tendo um valor infinito. Sem a cruz de Cristo não há Evangelho a ser anunciado. A cruz não foi um acidente, foi o desfecho da obra eterna de Deus (1Pe 1.18-20; Ap 13.8/At 2.22-24; 4.27-28[7]).[8]

          “Pregar a Cristo significa exibi-lo como Aquele que, através de sua cruz, corrige as relações dos homens com Deus” declara Packer.[9]

          A situação do homem pecador era tão grave; a sua ofensa a Deus foi tão intensa, que somente Ele, Deus mesmo, poderia providenciar o pagamento de nosso resgate. Deus, aquele que foi hostilizado por nós, providencia a nossa reconciliação com Ele, superando a nossa total hostilidade em misericórdia, amor e justiça.[10]

          Conforme vimos, sem a compreensão da gravidade do pecado e da santidade de Deus não poderemos entender a realidade e amplitude desta reconciliação levada a efeito por meio de Jesus Cristo.

          Lloyd-Jones escreve:

A dificuldade real que as pessoas têm com esta doutrina [expiação] é geralmente devido ao fato de que todo o seu conceito de Deus é inadequado. Ignoram alguns aspectos do seu caráter. Enfatizam só um lado, com a exclusão dos outros. Se elas tomassem a Deus tal como Ele é e compreendessem a verdade acerca dele, suas dificuldades se desvaneceriam.[11]

          Os méritos de Cristo alcançam a todo o seu povo, quer do Antigo, quer do Novo Testamento: Ninguém jamais foi ou será salvo fora da obra expiatória de Cristo: A Boa Nova é que o alcance de seus merecimentos, por ter sido perfeita a sua obra, chega aos nossos dias, estando disponível a todos os que crerem.[12] Todos aqueles por quem Cristo morreu serão salvos. A igreja, composta por pessoas que foram alcançadas por esta graça, é a agente desta mensagem.

Maringá, 27 de dezembro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Vejam-se entre outros: John Owen, Por Quem Cristo Morreu?, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1986, 86p.; C.H. Spurgeon, O Precioso Sangue de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, (s.d.), 18 p.; C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 23-29; John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada,  São Paulo: Cultura Cristã, 1993, p. 11-88; J.I. Packer, Teologia Concisa, São Paulo: Cultura Cristã, 1999, p. 128-130; Robert Alexander Webb,  The Reformed Doctrine of Adoption, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1947. p. 148-177; D. Martyn Lloyd-Jones,  Romanos: Exposição Sobre Capítulos 2:1 a 3:20: o justo juízo de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1999, p. 44ss.

[2] William Edgar, Razões do Coração: reconquistando a persuasão cristã, Brasília, DF.: Refúgio, 2000, p. 21. À frente: “certamente, cada era tem suas próprias características, suas necessidades e seus desafios….” (p. 27).

[3]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 2, (II.6), p. 237.

[4]“Pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos” (2Co 8.9).

[5] Cf. William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Cultura Cristã, 2004(Jo 17.5), p. 756 (nota 366); Simon Kistemaker, Hebreus, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, (Hb 12.2), p. 516; F.F. Bruce, La Epistola a Los Hebreos, Grand Rapids;  Buenos Aires: Nueva Creacion;  Eerdmans, 1987, (Hb 12.2), p. 356 (nota 45).

[6] “Ele sabe muito bem que a cruz será o instrumento desta glorificação, e ora para que possa aceitá-la de forma a glorificar o Pai também” (F.F. Bruce, João: Introdução e Comentário, São Paulo: Vida Nova;  Mundo Cristão, 1987, (Jo 17.1,2), p. 280).

[7]“Sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo, conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós” (1Pe 1.18-20). “E adorá-la-ão todos os que habitam sobre a terra, aqueles cujos nomes não foram escritos no Livro da Vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo” (Ap 13.8). “Varões israelitas, atendei a estas palavras: Jesus, o Nazareno, varão aprovado por Deus diante de vós com milagres, prodígios e sinais, os quais o próprio Deus realizou por intermédio dele entre vós, como vós mesmos sabeis; sendo este entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos; ao qual, porém, Deus ressuscitou, rompendo os grilhões da morte; porquanto não era possível fosse ele retido por ela” (At 2.22-24). “Porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e gente de Israel, para fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram” (At 4.27-28).

[8]Vejam-se: D.M. Lloyd-Jones, A Cruz: A Justificação de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1980, p. 3; John R.W. Stott, A Cruz de Cristo, p. 52-53.

[9] J.I. Packer, Evangelização e Soberania de Deus, p. 44.

[10]Veja-se: J.I. Packer, Teologia Concisa, São Paulo: Cultura Cristã, 1999, p. 129.

[11] D. M. Lloyd-Jones, Deus o Pai, Deus o Filho, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1997, p. 425

[12] “Ele (escritor de Hebreus) demonstra agora quão absurda será nossa atitude se não dermos valor ao único sacrifício de Cristo, o qual efetua eficientemente expiação. Se isso é assim, ele infere que Cristo deveria morrer muitas vezes, visto que a morte está sempre relacionada com sacrifício. Ainda bem que essa última suposição é completamente absurda. Segue-se, pois, que a eficácia desse sacrifício único é eterna e se estende por todos os séculos” (João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 9.26), p. 245).

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