Teologia da Evangelização (41)

2.4.3.2.2.4. A Fé salvífica (Continuação)

A minha fé se constitui em mão receptora, não criadora ou geradora de algum bem o qual venhamos a receber.[1] “Eu não me apresento – escreveu Schaeffer (1912-1984)  – presunçosamente pensando que posso salvar a mim mesmo, mas entregando-me ao trabalho completo de Cristo e às promessas escritas de Deus. Minha fé é simplesmente as mãos vazias com as quais aceito a dádiva de Deus”.[2]

          A fé salvadora exige conhecimento da Palavra de Deus. A fé é uma relação de confiança.[3] Como acreditar em alguém que não conhecemos? A fé consiste no conhecimento do Pai e do Filho pelo testemunho do Espírito (Jo 17.3/Jo 15.26; 16.13-14).

          Desse modo, como escreve Calvino, “a fé não consiste na ignorância, senão no conhecimento; e este conhecimento há de ser não somente de Deus, senão também de Sua divina vontade”.[4] É impossível crer e nos relacionar pessoalmente com um Deus desconhecido. A fé, portanto, não é apenas um saber, mas, também, um relacionar-se com Deus.

          Somente conhecendo a Deus poderemos amá-lo,[5] nos relacionando pessoalmente com Ele, experimentando existencialmente deste privilégio,[6] conhecendo as suas promessas, levando a sério a sua Palavra, tendo o discernimento claro de aspectos de sua majestade e integridade.

          Assim sendo, o que importa não é o que pensamos, mas sim, o que Deus prometeu: Deus sempre cumpre a sua promessa, não necessariamente as nossas expectativas. Deus não tem compromisso com a nossa fé, mas, sim, com a sua Palavra – que é uma expressão de sua natureza – e, consequentemente, com a fé que brota da Palavra. Calvino enfatizou: “Não devemos conceber que Deus será nosso libertador simplesmente porque nossa própria fantasia o sugere. É preciso crer que ele fará isso só depois de graciosa e espontaneamente se nos oferecer neste caráter”.[7]

          Todavia, é importante ressaltar que não conhecemos tudo a respeito de Deus e da sua Palavra; mas devemos ter por certo, que o limite da fé está circunscrito pelos parâmetros das Escrituras (Dt 29.29). Ou seja: não podemos crer além do que Deus nos revelou na Bíblia; fazer isto, não é ter fé, mas sim, especular sobre os mistérios de Deus.

          Portanto, se Deus não prometeu não podemos nem devemos crer.[8] Uma fé assim, originada, orientada e dirigida pela Palavra, jamais será frustrada.[9]

          Os discípulos no caminho de Emaús revelaram ao Senhor a sua frustração justamente porque eles se iludiram com as suas próprias expectativas, não com as promessas de Jesus; daí dizerem de forma angustiante: “Ora, nós esperávamos que fosse ele quem havia de redimir a Israel; mas, depois de tudo isto, é já este o terceiro dia desde que tais cousas sucederam”(Lc 24.21). Jesus Cristo jamais havia lhes prometido isso, pelo contrário; o caminho descrito por Cristo envolvia o sofrimento, a morte e a ressurreição (Mt 16.21).[10]

          Se a Palavra for o fundamento de nossa esperança, podemos descansar confiantes: Deus cumpre a Sua Palavra![11] “Deus age consistentemente consigo mesmo, e jamais poderá desviar-se do que ele disser”, insiste Calvino.[12]

          A Palavra deve ser sempre o guia da nossa fé!. “Nossa fé não tem que estar fundamentada no que nós tenhamos pensado por nós mesmos, senão no que foi prometido por Deus”, ensina-nos Calvino.[13]

          Por isso, devemos estar atentos à Palavra de Deus, para entendê-la e praticá-la (Js 1.8; Sl 119.97; Fp 3.15-16; Tg 1.22-25).[14]

São Paulo, 19 de agosto de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]“A fé não é chamada de mão porque trabalha ou merece a justificação de algum modo, e sim porque ela recebe Cristo, abraça-o e se apropria dele mediante a imputação divina. A fé não é uma mão criativa, e sim uma mão receptiva” (Joel R. Beeke, Justificação pela Fé Somente (A Relação da Fé com a Justificação): In: John F. MacArthur, Jr., et. al., A Marca da Vitalidade Espiritual da Igreja: Justificação pela Fé Somente,São Paulo: Editora Cultura Cristã, (2000), p. 56).

[2] Francis A. Schaeffer, O Deus Que Intervém, São Paulo: Refúgio; ABU, 1981, p. 208. Figura semelhante encontramos em outros autores: “A fé, pois, conduz a Deus um homem vazio, para que o mesmo seja plenificado com as bênçãos de Cristo” (João Calvino, Efésios,São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 2.8), p. 60). “A fé é, por assim dizer, a mão pela qual o pecador recebe a salvação oferecida por Deus” (R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1976, p. 20). “A salvação é um dom, e o pecador não contribui com nada, tendo apenas as mãos vazias estendidas para recebê-la. Mesmo esse simples ato de fé em si mesmo é da iniciativa divina, e não pela autogeração autônoma. A fé salvadora é, em si mesma, um dom, não uma capacidade natural pela qual simplesmente decidimos concentrar em Cristo como um objeto de nossa confiança” (R.K. McGregor Wright, A Soberania Banida, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1998, p. 102). “Fé é a mão vazia e estendida que recebe a retidão ao receber a Cristo” (J.I. Packer, Vocábulos de Deus,São José dos Campos, SP.: Fiel, 1994, p. 131). Outra figura instrutiva: “A fé, realmente, a comparamos como a um vaso, porque, salvo se, ao buscar a graça de Cristo, nos achegamos a ele vazios, com a boca da alma aberta, jamais seremos capazes dele” (João Calvino, As Institutas, III.11.7).

[3] “A fé é o modo que o nosso ser inteiro se comporta em relação à pessoa de Deus. É nossa jubilosa reação ao irresistível amor divino que vemos revelado em Jesus Cristo. É a simples reação de deixar tudo para trás para seguir Jesus. (…) A fé é como uma âncora; ela nos liga ao objeto de nossa fé. Assim como uma âncora prende o navio no fundo do oceano, nossa fé também nos prende com segurança a Deus. Ter fé não é apenas acreditar que Deus existe, mas também é estar ancorado a esse Deus e sentir-se seguro por isso. Não importa que tempestades a vida traga, a âncora da fé nos mantém firmes em Deus” (Alister E. McGrath, Creio: Um estudo sobre as verdades essenciais da fé cristã no Credo Apostólico, São Paulo: Vida Nova, 2013, p. 22,23).

[4] João Calvino, As Institutas, III.2.2.

[5] “Não podemos amar a Deus sem conhecer a Deus” (John Piper, Pense – A Vida da Mente e o Amor de Deus, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2011, p. 115).

[6] “O propósito da verdade de Deus colocada nas mentes do Seu povo é que, ao compreendê-las, eles venham a conhecer o seu efeito na própria experiência pessoal” (Albert N. Martin, As Implicações Práticas do Calvinismo, São Paulo: Os Puritanos, 2001, p. 9).

[7]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 48.9), p. 363.

[8]Veja-se: João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 10.23), p. 270.

[9]Veja-se: João Calvino, O Livro de Salmos, v. 2, (Sl 48.8), p. 361.

[10]“Desde esse tempo, começou Jesus Cristo a mostrar a seus discípulos que lhe era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos, dos principais sacerdotes e dos escribas, ser morto e ressuscitado no terceiro dia” (Mt 16.21).

[11] Foi muito confortador ler posteriormente Calvino dizendo: “Deus não frustra a esperança que ele mesmo produz em nossas mentes através da sua Palavra, e que ele não costuma ser mais liberal em prometer do que em ser fiel na concretização do que prometeu” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 48.8), p. 361).

[12]João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 62.11), p. 581.

[13]Juan Calvino, Sermones Sobre a La Obra Salvadora de Cristo, Jenison, Michigan: TELL., 1988, (Sermão n° 13), p. 156.

[14] “Não cesses de falar deste Livro da Lei; antes, medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer segundo tudo quanto nele está escrito; então, farás prosperar o teu caminho e serás bem-sucedido” (Js 1.8). “Quanto amo a tua lei! É a minha meditação, todo o dia!” (Sl 119.97). “Todos, pois, que somos perfeitos, tenhamos este sentimento; e, se, porventura, pensais doutro modo, também isto Deus vos esclarecerá. Todavia, andemos de acordo com o que já alcançamos” (Fp 3.15-16). 22Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. 23Porque, se alguém é ouvinte da palavra e não praticante, assemelha-se ao homem que contempla, num espelho, o seu rosto natural; 24 pois a si mesmo se contempla, e se retira, e para logo se esquece de como era a sua aparência. 25 Mas aquele que considera, atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse será bem-aventurado no que realizar (Tg 1.22-25).

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