Teologia da Evangelização (171)

4.5.3. Conversão a Deus  

Quando Paulo e Barnabé chegam a Listra e curam um paralítico, são confundidos com Mercúrio e Júpiter respectivamente. O povo idólatra quis adorá-los,[1] ao que Paulo e Barnabé reagiram firmemente, gritando:“Senhores, por que fazeis isto? Nós também somos homens como vós, sujeitos aos mesmos sentimentos, e vos anunciamos o evangelho para que destas cousas vãs (Ma/taioj)[2] vos convertais ao Deus vivo….” (At 14.15).

          O Evangelho reivindica a conversão do homem, que deixa a ignorância, as trevas, e a idolatria e volta-se para Deus (At 11.21; 26.18; 1Ts 1.9; 1Pe 2.25).

          A conversão é a junção exercitada do arrependimento (mudança de mente e de coração) e da fé, uma confiança sem reservas, depositada unicamente em Deus e nas suas promessas. A conversão é o sinal indicativo de nossa fé, arrependimento e justificação, acompanhado necessariamente de nosso compromisso histórico e existencial de santificação.

          Em Tessalônica, vemos que algo que se tornou notório foi a conversão a Deus e o abandono da idolatria por parte dos tessalonicenses. Paulo registra esse fato:  “Pois eles mesmos, no tocante a nós, proclamam que repercussão teve o nosso ingresso no vosso meio, e como, deixando os ídolos, vos convertestes a Deus, para servirdes o Deus vivo e verdadeiro” (1Ts 1.9).

          Portanto, o Evangelho com o seu poder transformador (Rm 1.17) visa fazer com que o homem abandone as cousas vãs, como, por exemplo, a idolatria e as crendices pagãs, colocando toda a sua confiança em Deus e em suas promessas.

          Na conversão há uma mudança de centro de gravidade. Se antes, tudo girava em torno de nossos interesses, gostos, prazeres e satisfações, agora, Deus passa a ser o centro de gravidade e a sua Palavra orientadora de nossa vida de fé e expressão de fé onde vivemos. O Eu creio se manifesta em obediência. A obediência é uma expressão renovada do Eu creio. Creio pessoalmente em Deus Pai, Filho e Espírito Santo. A fé é totalmente Trinicêntrica.

4.5.4. Receber e acolher o Evangelho

          O Evangelho é para ser recebido como o ensino autoritativo de Deus. Esta recepção envolve o nosso “andar”. A recepção do Evangelho tem implicação em todas as áreas de nossa vida.

          Aqui de forma indireta podemos ver a nossa responsabilidade como pregadores. A mensagem que transmitimos exige uma postura responsável, compatível com a sua gravidade e suas implicações. Paulo fala aos coríntios considerando-os  como aqueles que receberam o Evangelho e nele perseveram: “Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o qual recebestes (paralamba/nw)[3] e no qual ainda perseverais” (1Co 15.1).

          Aos colossenses refere-se ao Evangelho que foi ouvido e entendido e estava produzindo fruto:

Por causa da esperança que vos está preservada nos céus, da qual antes ouvistes pela palavra da verdade do evangelho, que chegou até vós; como também, em todo o mundo, está produzindo fruto e crescendo, tal acontece entre vós, desde o dia em que ouvistes e entendestes (e)piginw/skw)[4] a graça de Deus na verdade. (Cl 1.5-6).

          Paulo dá graças a Deus pelo fato de os tessalonicenses terem recebido com discernimento a Palavra proclamada, a qual era procedente de Deus:

Outra razão ainda temos nós para, incessantemente, dar graças a Deus: é que, tendo vós recebido (paralamba/nw) a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes (de/xomai)[5] não como palavra de homens, e sim como, em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente em vós, os que credes(1Ts 2.13/1Ts 1.6).[6]

          Os tessalonicenses ativamente “tomaram posse da Palavra” (paralamba/nw) que ouviram e, num ato subsequente, a receberam de forma prazerosa em seus corações (de/xomai). Neste texto, o tempo verbal de “acolher” (indicativo aoristo), significa uma ação realizada no passado; os tessalonicenses revelavam no seu dia a dia, terem “acolhido”, “recebido” o “Evangelho” definitivamente como Palavra de Deus. O receber pode ser um ato ou processo mais imediato; porém, o acolher envolve um processo de assimilação prazerosa, compreensão e obediência.

A aceitação do Evangelho sempre traz frutos. Portanto, a Palavra produz frutos naqueles que creem. O acolhimento da Palavra é o início do processo de santificação que se dá gradativamente conforme o Evangelho for preservado em nós. Tiago escreve: “Portanto, despojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei (de/xomai), com mansidão, a palavra em vós implantada (e)/mfutoj[7] = “semeada”), a qual é poderosa para salvar a vossa alma” (Tg 1.21).

          Pelo Espírito eles creram, acolheram a mensagem e, a partir de então, Deus continuou operando eficaz e poderosamente em sua vida. Notem bem, na vida dos que creram. O ouvir deve ser acompanhado pela fé. A Palavra não pode ser dissociada da fé. “A Palavra só exerce o seu poder em nós quando a fé entra em ação”, interpreta Calvino.[8] (Hb 4.2).[9]

          Paulo como embaixador do “ministério da reconciliação” (2Co 5.18,20) exorta aos coríntios para que o Evangelho, “a palavra da reconciliação” (2Co 5.19) de Deus, não fosse recebido de modo vão, sem discernimento: “E nós, na qualidade de cooperadores com ele, também vos exortamos a que não recebais (de/xomai) em vão a graça de Deus” (2Co 6.1).

          A Igreja se alegra com o recebimento da Palavra por todos aqueles que a ouviram (At 8.14; 11.1;18; 17.11).[10]

Maringá, 16 de fevereiro de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Quanto aos antecedentes mitológicos desta região que possibilitaram a referida confusão, ver: Hermisten M.P. Costa, Eu Creio: no Pai, no Filho e no Espírito Santo, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2014.

[2] “Sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento (matai/aj u(mw=n a)nastrofh=j) que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo” (1Pe 1.18-19). Ma/taioj = Vão, fútil, tolo, sem valor. (*At 14.15; 1Co 3.20; 15.17; Tt 3.9; Tg 1.26; 1Pe 1.18). Mataio/thj = Vaidade, futilidade, vacuidade (*Rm 8.20; Ef 4.17; 2Pe 2.18). “Na literatura grega, mataios e seus cognatos têm como pano de fundo certos valores estabelecidos, padrões morais, realidades religiosas, verdades e fatos reconhecidos. A conduta de qualquer pessoa que os deixa passar despercebidos, deliberadamente ou sem ser consciente disso, cai sob o julgamento de ser mataios” (E. Tiedtke, Vazio: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 4, p. 692).

[3] Tem o sentido pessoal de tomar para si, levar consigo, tomar posse É o próprio Senhor quem escolhe três discípulos para Se revelar (Mt 17.1; 20.17; 26.37/Mc 5.40). Ele mesmo, o Senhor Jesus nos receberá no céu (Jo 14.3/Mt 24.40).

[4]Indica o reconhecimento consciente, imediato e intenso do Evangelho.

[5] Tem também o sentido de “receber”, “aceitar”, “aprovar”. Estevão sendo apedrejado ora: “…. Senhor Jesus, recebe (de/xomai) o meu espírito!” (At 7.59).

[6] “Com efeito, vos tornastes imitadores nossos e do Senhor, tendo recebido (de/xomai) a palavra, posto que em meio de muita tribulação, com alegria do Espírito Santo” (1Ts 1.6).

[7] Esta palavra só ocorre neste texto em todo o Novo Testamento.

[8] João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 4.2), p. 101. Para uma visão interpretativa diferente, entendendo que a variação das palavras aqui é irrelevante, veja-se: Andreas J. Köstenberger; Richard D. Patterson, Convite à interpretação bíblica: A tríade hermenêutica, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 599-600.

[9]“Porque também a nós foram anunciadas as boas-novas, como se deu com eles; mas a palavra que ouviram não lhes aproveitou, visto não ter sido acompanhada pela fé naqueles que a ouviram” (Hb 4.2).

[10] “Ouvindo os apóstolos, que estavam em Jerusalém, que Samaria recebera (de/xomai) a palavra de Deus, enviaram-lhe Pedro e João” (At 8.14). “Chegou ao conhecimento dos apóstolos e dos irmãos que estavam na Judeia que também os gentios haviam recebido (de/xomai) a palavra de Deus (…) E, ouvindo eles estas coisas (a explicação de Pedro), apaziguaram-se e glorificaram a Deus, dizendo: Logo, também aos gentios foi por Deus concedido o arrependimento para vida” (At 11.1,18). “Ora, estes de Bereia eram mais nobres que os de Tessalônica; pois receberam (de/xomai) a palavra com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas eram, de fato, assim” (At 17.11).

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