Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (32) 

10.1.1. “Com toda humildade”: (Ef 4.2)

 

2) A Humildade em nossas relações fraternas

A) A humildade no serviço do Senhor

Do mesmo modo, devemos servir ao Senhor com humildade. A recomendação do apóstolo (Ef 4.2) certamente trazia à memória dos presbíteros aquela despedida de Paulo, anos antes, quando se reuniu com eles em Mileto. Considerando-os como testemunhas que foram do seu serviço durante aqueles três anos em que passou em Éfeso, disse-lhes: Vós bem sabeis como foi que me conduzi entre vós em todo o tempo, desde o primeiro dia em que entrei na Ásia, servindo ao Senhor com toda a humildade (tapeinofrosu/nh), lágrimas e provações que, pelas ciladas dos judeus, me sobrevieram” (At 20.18-19).

 

Aliás, este foi o procedimento comum de Paulo por onde passava. Aos coríntios, faz uma pergunta embaraçante: Cometi eu, porventura, algum pecado pelo fato de viver humildemente (tapeino/w), para que fôsseis vós exaltados, visto que gratuitamente vos anunciei o evangelho de Deus?” (2Co 11.7).

 

O aspecto preponderante no Ministério, é que servimos ao Senhor. Isto é incomensuravelmente mais relevante do que qualquer outro estímulo ou motivação por cargos, ricas congregações, títulos ou honras humanas e reconhecimentos que possamos cultivar. A grandeza de nosso serviço está naquele a quem servimos. A integridade no que fazemos revela a seriedade com que contemplamos a Deus e a grandeza de poder conscientemente servi-lo.

 

A perda desta dimensão por parte do ministro gera internamente a necessidade de criar elementos supostamente agregadores ao ministério, tais como: títulos, honrarias e reconhecimentos a fim de supor que ele não é apenas presbítero, mas, é um presbítero diferenciado pelas suas funções, posição, importância, agenda e respeitabilidade entre seus pares, pela igreja e pela mídia.

 

Cada sistema de governo tem os seus próprios fascínios e, portanto, seus vícios e armadilhas. O ideal de servir pode se transformar, pelos apelos ardilosos de um sucesso fácil, em ideal de fama e poder. Nenhum ministro pode estar acima de sua igreja e, menos ainda acima de Cristo. Calvino, inspirando-se nas palavras e testemunho de João Batista, apresenta um princípio de grande sabedoria: “Todos quantos excedem, quer nos dons divinos quer em algum grau de honra, devem permanecer em sua própria condição: abaixo de Cristo”.[1]

 

Paradoxalmente, isso pode nos conduzir ao sentimento de autossuficiência ou de inveja dos que, aos nossos olhos são mais reconhecidos e requisitados.

 

A ambição, a inveja e o senso de ter sido injustiçado andam sempre juntos, ocasionando grandes dissabores para a igreja de Cristo.[2]

 

A orientação de Carson, parece-nos oportuna: “Regozije-se no serviço para o qual Deus o chamou e evite tanto a arrogância como a inveja”.[3]

 

A consciência de a quem estamos servindo, mostra-nos a essência do significado do nosso ofício, conferindo-nos a real dimensão de nosso trabalho no Reino de Deus.[4]

 

O desejo de servir deve caracterizar o nosso ofício na Igreja de Deus e no mundo de nosso Pai.[5]

 

Paulo tem diante de si de forma bastante clara o significado de seu chamado, tendo experimentando, inclusive entre os efésios, as tentações que lhe foram impostas pelos judeus em suas armadilhas constantemente preparadas. (At 20.19).

 

Ainda que de forma ordinária nosso serviço seja prestado entre os homens e a homens, procurando ajudá-los; em última instância, servimos ao Senhor que nos vocacionou, não simplesmente a homens. Devemos cultivar em nossa memória e em nosso coração essa alentadora certeza.

 

Maringá, 21 de abril de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

*Leia esta série completa aqui.

 


[1]João Calvino, O evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.15), p. 54.

[2]Calvino em diversos lugares nos chama a atenção para o perigo da ambição desenfreada e mal dirigida. Cito algumas passagens: “Dos muitos males existentes em nossa sociedade, e particularmente na Igreja, a ambição é a mãe de todos eles” (João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl 5.26), p. 173). “A ambição é mãe da inveja. E sempre que a inveja estiver no comando, ali também surgirá violência, confusões, contendas e os demais males que Paulo enumera aqui” (João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 6.4), p. 166). “Todo crente deve sentir desejos de manter-se afastado da falsa ambição e da busca inadequada de grandezas e honras” (João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, São Paulo: Novo Século, 2000, p. 41). “É da inveja que nascem as disputas, as quais, uma vez inflamadas, se prorrompem em seitas perigosas. Além do mais, a ambição é a mãe de todos estes males” (João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.3), p.100). Para o uso bíblico e bem direcionado da ambição, sugiro a leitura do livro de Dave Harvey, Resgatando a ambição, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2012.

[3] D.A. Carson: In: John Piper; D.A Carson, O Pastor Mestre e O Mestre Pastor, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2011, p. 112.

[4] “Trabalhar no reino é o nosso estilo de vida” (Cornelius Plantinga Jr., O Crente no Mundo de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 111).

[5] “Uma mente cristã começa com a humildade, com o desejo de servir em vez de ser importante ou se sentir confortável” (Oliver Barclay, Mente Cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 18).

One thought on “Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (32) 

  • 29 de abril de 2019 em 10:28
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    Humilhai-vos, pois, debaixo da potente mão de Deus, para que a seu tempo vos exaute. I Pedro 5:6,10

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