Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (33) 

B) Jesus Cristo como padrão de humildade

 

Em Cristo a humildade tornou-se uma virtude.[1] Portanto, temos como modelo do nosso procedimento o próprio Senhor Jesus Cristo, que diz: Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei (manqa/nw)[2] de mim, porque sou manso e humilde (tapeino/j) de coração; e achareis descanso para a vossa alma” (Mt 11.29). Ele se humilhou assumindo a forma de servo. Ele mesmo nos convida a aprender dele.

 

Paulo, seguindo a orientação de Cristo, desafia-nos a ter este mesmo sentimento:

 

Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, 6pois ele, subsistindo em forma (morfh/)[3] de Deus, não julgou como usurpação o ser igual (i)/soj)[4] a Deus; 7antes, a si mesmo se esvaziou (ke/now),[5] assumindo a forma (morfh/)[6] de servo, tornando-se em semelhança (o(moi/wma)[7] de homens; e, reconhecido em figura humana, 8 a si mesmo se humilhou (tapeino/w), tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. (Fp 2.5-8).[8]

 

Aqui não há nenhum docetismo. Jesus Cristo não é apenas um ser celestial com aparência exterior humana, antes, é verdadeira e plenamente humano, porém, sem pecado.[9] (Vejam-se também: Jo 1.18; Cl 1.13-22; Hb 1 e 2; 4.4-5.10; 7.1-10.18; 1Jo 1.1-2.2).

 

Jesus Cristo encarnado é tão essencialmente Deus como essencialmente homem. Ele não pode deixar de ser Deus e, após a encarnação, não deixará de ser essencialmente homem (Mt 26.64; Jo 3.13; At 7.56)

 

Owen (1616-1683) escreveu:

 

Quando Ele tomou sobre Si a forma de um servo em nossa natureza, Ele se tornou aquilo que nunca havia sido antes,[10] mas não deixou de ser aquilo que sempre tinha sido em Sua natureza divina. Ele, que é Deus, não pode deixar de ser Deus. A glória da Sua natureza divina estava velada,[11] de forma que aqueles que O viram não acreditaram que Ele era Deus.[12]

 

Deus não pode deixar de ser o Deus glorioso. Na encarnação Ele ocultou externamente a sua glória aos olhos dos homens.[13]

 

Noutro lugar Paulo desafia-nos a nos revestir deste sentimento: Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade (tapeinofrosu/nh), de mansidão, de longanimidade (Cl 3.12/1Pe 5.5).

 

 

São Paulo, 29 de abril de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

*Leia esta série completa aqui.

 


[1]Cf. Francis Foulkes, Efésios: introdução e comentário, São Paulo: Mundo Cristão; Vida Nova, (1979), (Ef 4.2), p. 90.

[2]Este aprendizado denota uma total entrega ao seu Mestre, permanecendo totalmente receptivo aos seus ensinamentos.

[3]A palavra grega morfh/ (Mc 16.12; Fp 2,6,7) não indica algo externo (forma) em contraste com a essência interna. A aparência externa é a expressão visível, sensível, da sua natureza interna. Não há antítese. Portanto, a natureza essencial de Cristo era divina. A sua forma externa corresponde àquilo que Ele é em sua essência. (Vejam-se: G. Braumann, Forma: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 2, p. 378-281; W. Pöhlmann, Morfh/: In: Horst Balz; G. Schneider, eds. Exegetical Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 1999 (Reprinted), v. 2, p. 442-443; J. Behm, Morfh/: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 4, p. 742-752 (especialmente); R.P. Martin, Filipenses: Introdução e Comentário, São Paulo: Mundo Cristã; Vida Nova, 1985, p. 107-109 (O autor faz uma breve revisão das interpretações mais significativas); João Calvino, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2010, p. 407-408 (em especial); Bruce Ware, Cristo Jesus: Reflexões teológicas sobre a humanidade de Cristo, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2013, p. 25-30 (em especial). Hendriksen, preciso como sempre, conclui: “O que Paulo está dizendo […] é que Cristo Jesus sempre foi (e continuará sempre sendo) Deus por natureza, a expressa imagem da Deidade. O caráter específico da Divindade, segundo se manifesta em todos os atributos divinos, foi e é a sua eternidade. Cf. Cl 1.15,17 (também Jo 1.1; 8.58; 17.24)” (W. Hendriksen, Exposição de Filipenses, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992, p. 139).

[4]A palavra denota uma igualdade qualitativa e quantitativa de tamanho, numérica, de valor ou força, sendo aplicada a quantias iguais, extensões de tempo, partes, pedaços, etc. (Veja-se: G. Stählin,i)/soj:  In: G. Kittel, ed. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 3, p. 343-355). No NT. apresenta a ideia de consistência/coerência (Mc 14.56,59); igual/igualar (Mt 20.12; Jo 5.18; Ap 21.16); outro tanto (Lc 6.34); mesmo (At 11.17). O texto de Filipenses aponta para a preexistência do verbo e a sua igualdade com o Pai. Ou seja: Ele é eternamente Deus.

[5] Vejam-se: Colin Brown, et. al. Vazio: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 4, p. 690-692; A. Oepke, keno/j: In: G. Kittel, ed., Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 3, p. 661-662 (especialmente); F. Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 381-382.

[6] Da mesma forma, a natureza essencial de Cristo tornou-se humana, na forma de servo.

[7] *Rm 1.23; 5.14; 6.5; 8.3; Fp 2.7; Ap 9.7. Uma palavra rara que significa “aquilo que é semelhante”, “cópia”. Para uma visão paralela destes textos, vejam-se: E. Beyreuther, et. al., Semelhante: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 4, p. 410-411 (em especial); J. Schneider, o(/moioj: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 5, p. 192-198; T. Holtz, o(moi/wsij: In: Horst Balz; G. Schneider, eds. Exegetical Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, MI.: Eerdmans, 1999 (Reprinted), v. 2, p. 512-513.

[8]Veja-se: B.B. Warfield, The Person of Christ. In: B.B. Warfield, The Works of Benjamin B. Warfield, Grand Rapids, MI.: Baker Book House, 2000 (Reprinted), v. 9. p. 176ss.

[9]Veja-se: J. Schneider, o(/moioj: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 5, p. 196.

[10]Ver também: William Hendriksen, O Evangelho de João, São Paulo: Cultura Cristã, 2004, (Jo 1.14), p. 118. “O estudo de eras remotas e longínquas nos leva a um ponto em que nada existia. Alguém teve a honra de ser o primeiro, o que sempre existiu. Ele nunca veio a ser, nunca se desenvolveu. Ele simplesmente era. A quem pertence essa glória absoluta e singular? A resposta é Cristo, a pessoa que o mundo conhece como Jesus de Nazaré” (John Piper, Um homem chamado Jesus Cristo, São Paulo: Vida, 2005, p. 25-26).

[11]“A majestade de Deus não foi aniquilada, ainda que estivesse circunscrita pela carne. Ela ficou, de fato, oculta pela vil condição da carne, mas de modo a não impedir a manifestação de sua glória” (João Calvino, O evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 1.14), p. 51). “Não estou dizendo que Ele pôs de lado a Sua Deidade, porque Ele não fez isso. O que Ele pôs de lado foi a glória da Sua deidade. Ele não deixou de ser Deus, mas deixou de manifestar a glória de Deus” (D.M Lloyd-Jones, Salvos desde a Eternidade, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 1), p. 75).

[12]John Owen, A Glória de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1989, p. 30. Sproul escreveu de forma sensivelmente bíblica: “Sua humanidade lhe serviu de véu, ocultando o esplendor de sua deidade. Mas houve momentos quando assim mesmo sua glória resplandecia. Era como se o vaso de sua natureza humana não tivesse suficiente força para esconder sempre esta glória” (R.C. Sproul, A Glória de Cristo, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 9). Veja-se: Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 465. Encontramos duas boas ilustrações, obviamente limitadas, porém, instrutivas, apresentadas em Bruce Ware, Cristo Jesus: Reflexões teológicas sobre a humanidade de Cristo, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2013, p. 29-35.

[13]Veja-se: F. Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 383-384.

One thought on “Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (33) 

  • 30 de abril de 2019 em 22:20
    Permalink

    Sim, de fato, como a Palavra de Deus diz, em Cristo todas as coisas se fizeram novas, inclusive eu e você.

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *