Introdução ao Estudo dos Credos e Confissões (11) – Credos e Concílios: Credo Apostólico (1)

Este artigo é continuação do: Introdução ao Estudo dos Credos e Confissões (10) – A Doutrina de Cristo antes da Reforma – Um panorama histórico (3)

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1. Credo Apostólico

O Credo dos Apóstolos tem a sua origem no Credo Romano Antigo, elaborado no segundo século,[1] tendo algumas declarações doutrinárias acrescentadas no decorrer dos primeiros séculos,[2] chegando à sua forma como temos hoje, por volta do sétimo século. Sabemos, portanto, que a sua origem não é apostólica;[3] contudo, a sua autoridade foi derivada de seu conteúdo fundamentalmente bíblico, não de sua suposta origem.[4] Os Reformadores tiveram amplo apreço por ele, excetuando o grupo anabatista.[5]

Paul Tillich (1886-1965), comentando a primeira declaração de fé deste Credo – “Creio em Deus Pai Todo-Poderoso Criador do Céu e da Terra” –, diz:

Deveríamos pronunciar essas palavras com grande reverência, porque, por meio dessa confissão, o cristianismo se separou da interpretação dualista da realidade presente no paganismo (…). O primeiro artigo do Credo é a grande muralha que o cristianismo ergueu contra o paganismo. Sem essa separação a cristologia teria inevitavelmente se deteriorado num tipo de gnosticismo no qual o Cristo não seria mais do que um dos poderes cósmicos entre outros, embora, talvez, o maior deles.[6]

O Credo Apostólico era usado na preparação dos catecúmenos, professado durante o batismo, servindo também para a devoção privada dos cristãos. Posteriormente passou a ser recitado com a Oração do Senhor no culto público.[7] No nono século ele foi sancionado pelo Imperador Carlos Magno para uso na Igreja e o papa o incorporou à liturgia Romana.[8]

A Reforma valorizou este Credo,[9] sendo ele usado liturgicamente em muitas de nossas igrejas ainda na atualidade. Calvino (1509-1564) sumariza o seu pensamento a respeito do Credo:

Nele toda a dispensação da nossa salvação é exposta de tal maneira em todas as suas partes que não se omite nem um só ponto. Dou-lhe o nome dos apóstolos, não me preocupando muito com quem terá sido o autor. É grande o número dos que aceitam como certa a atribuição feita pelos antigos da autoria do Símbolo aos apóstolos, quer entendendo que foi escrito por eles em comum, quer pensando que foi uma compilação da sua doutrina, assimilada e filtrada pela reflexão de alguns outros, querendo, contudo, dar-lhe autoridade por meio desse título. Seja como for, não tenho dúvida nenhuma de que, seja qual for a sua origem, desde o início da igreja, e até mesmo desde o tempo dos apóstolos, foi recebido como uma confissão pública e válida da fé cristã. E não é provável que tenha sido composto por algum particular, visto que o tempo todo ele tem tido autoridade inviolável, sempre respeitada, entre os crentes. O que é principal neste caso nos é indubitável, a saber, que toda a história da nossa fé está nele contida em resumo e em excelente ordem, e que não há nada nele que não seja comprovado por diversos testemunhos da Escritura. Tendo conhecimento disso, já não é preciso que nos atormentemos sobre quem é o seu autor, nem que discutamos com outros, a não ser que não achemos suficiente saber que, por este ou por aquele, temos a verdade do Espírito Santo, e queiramos saber, além disso, por qual boca foi declarada ou por qual mão foi escrita.[10]

     A analogia feita por P. Schaff (1819-1893), parece resumir bem o significado deste Credo: “Como a Oração do Senhor é a Oração das orações, o Decálogo a Lei das leis, também o Credo dos Apóstolos é o Credo dos credos”.[11]

 

São Paulo, 03 de dezembro de 2018.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 


[1]Sobre a formação deste Credo, Vejam-se: J.N.D. Kelly, Primitivos Credos Cristianos, Salamanca: Secretariado Trinitario, 1980, p. 125ss. 469ss.; P. Schaff, The Creeds of Christendom, 6. ed. Revised and Enlarged, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (1931), v. 1, p. 14-19; v. 2, p. 45-55.

[2]Cf. P. Schaff, The Creeds of Christendom, v. 1, p. 19-22; v. 2, 45-55; Reinhold Seeberg, Manual de História de las Doctrinas, El Paso, Texas; Buenos Aires; Santiago: Casa Bautista de Publicaciones; Junta Bautista de Publicaciones; Editorial “El Lucero”, (1963), v. 1, p. 93-94; O.G. Oliver, Jr., Credo dos Apóstolos: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1990-1993, v. 1, p. 362-363; K.S. Latourette, História del Cristianismo, 3. ed. Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones, 1977, v. 1, p. 180-182; Henry Bettenson, Documentos da Igreja Cristã, p. 54; Charles A. Briggs, Theological Symbolics, New York: Charles Scribners’s Sons, 1914, p. 40; Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 486ss.; Mark A. Noll, Momentos Decisivos na História do Cristianismo, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2000, p. 47.

[3]Pelo menos desde fim do século IV era amplamente aceita no Ocidente a tradição de que cada apóstolo, por inspiração divina, seria responsável pela elaboração de cada artigo do Credo. Esta lenda teve grande aceitação durante a Idade Média. A primeira contestação eficaz desta crença deu-se no Concílio de Ferrara-Florença-Roma (1438-1445) entre os representantes da Igreja Oriental e Ocidental. Posteriormente o humanista Lourenço Valla (c. 1407-1457) tornou-se um crítico veemente da suposta origem apostólica do Credo (Vejam-se: J.N.D. Kelly, Primitivos Credos Cristianos, Salamanca: Secretariado Trinitario, 1980, p. 15-21; J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da Fé Cristã: Origem e Desenvolvimento, p. 32; J. Ratzinger, Introdução ao Cristianismo, São Paulo: Herder, 1970, p. 17-18; João Calvino, As Institutas, (1541), II.4; Herman Witsius, Sacred Dissertations on The Apostles’ Creeds, Escondido, California: The den Dulk Christian Foundation, 1993 (Reprinted), v. 1, p. 1-15; P. P. Schaff, The Creeds of Christendom,  v. 1, p. 14; R.P.C. Hanson, Confissões e Símbolos de Fé: In: Ângelo Di Berardino, org. Dicionário Patrístico e de Antiguidades Cristãs, Petrópolis, RJ.; São Paulo: Vozes; Paulinas, 2002, p. 322b; G.W. Bromiley, Credo, Credos: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, v. 1, p. 366; B. Altaner; A. Stuiber, Patrologia, 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1988, p. 95-97; Ulisses H. Simões, A Subscrição Confessional: necessidade, relevância e extensão, Belo Horizonte, MG.: Efrata Publicações e Distribuição, 2002, p. 37-39; Alan Richardson, Así se hicieron los Credos: Una breve introducción a la historia de la Doctrina Cristiana, Barcelona: Editorial CLIE, 1999, p. 20).

[4] Vejam-se: Herman Witsius, Sacred Dissertations on The Apostles’ Creeds, Escondido, California: The den Dulk Christian Foundation, 1993 (Reprinted), v. 1, p. 14-15; J.N.D. Kelly, Primitivos Credos Cristianos, p. 20.

[5]Cf. J.N.D. Kelly, Primitivos Credos Cristianos, Salamanca: Secretariado Trinitario, 1980, p. 435; P. Schaff, The Creeds of Christendom, v. 1, p. 15

[6]Paul Tillich, História do Pensamento Cristão, São Paulo: ASTE, 1988, p. 34.

[7] Cf. P. Schaff, The Creeds of Christendom,  v. 1, p. 17; O.G. Oliver, Jr., Credo dos Apóstolos: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, v. 1, p. 363.

[8] Cf. Jack B. Rogers, Creeds and Confessions: Donald K. McKim, ed. Encyclopedia of the Reformed Faith, Louisville, Kentucky: Westminster; John Knox Press, 1992, p. 91.

[9]O Credo Apostólico pode ser dividido em quatro partes, a saber:

1) Deus Pai.

2) Deus Filho: a História da Redenção.

3) Deus Espírito Santo.

4) A Igreja e os benefícios que Deus nos têm concedido.

Veja-se: J. Calvino, Catecismo de la Iglesia de Ginebra: In: Catecismos de la Iglesia Reformada, Buenos Aires: La Aurora, 1962, Pergunta 186, p. 32.

[10]João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, v. 2, (II.4), p. 35.

[11]P. Schaff, The Creeds of Christendom, p. 14.

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