Introdução ao Estudo dos Credos e Confissões (13) – Credos e Concílios: Credo Niceno-Constantinopolitano (3)

Este artigo é continuação do: Introdução ao Estudo dos Credos e Confissões (12) – Credos e Concílios: Credo Atanasiano (2)

Acesse aqui esta série de estudos completa


 

3. Credo Niceno-Constantinopolitano[1]

O Credo Niceno primitivo, foi elaborado no Primeiro Concílio Ecumênico[2] de Nicéia (20/05/325),[3] (atual cidade de Iznik, Turquia) na Bitínia no ano 325. Este Concílio teve uma representação significativa (especialmente das igrejas do Oriente): 300[4] ou 318[5] bispos; cerca de 1/6 de todos os bispos (estima-se a existência de 1800 bispos em toda a Igreja).[6] O Concílio foi convocado e subvencionado pelo Imperador Constantino[7] – quem presidiu a sessão inaugural, fazendo um discurso sobre o perigo da dissensão dentro da Igreja, tendo também, ampla participação no decorrer do Concílio[8] – visando tratar da questão Ariana que prejudicava a união da Igreja e, consequentemente, do Império. O Concílio, depois de amplo debate, declarou a igualdade essencial entre o Pai e o Filho. Os ensinamentos de Ário foram condenados e ele, foi deportado para o Ilírico.[9]

 

Concílio de Constantinopla

Posteriormente, o Concílio de Constantinopla (381), convocado pelo Imperador Teodósio I, – sendo presidido inicialmente por Melécio de Antioquia (310-381) –, constituído tradicionalmente por 150 bispos, ampliou o Credo Niceno, daí o nome de Credo Niceno-Constantinopolitano. Esse Credo “ampliado”,[10] foi lido e aprovado no Concílio de Calcedônia (451).[11]

 

O Credo Niceno-Constantinopolitano é usado liturgicamente pela Igreja romana e pelas Igrejas Luteranas e Anglicanas. As Igrejas Reformadas, o usam pouco.[12] Ele é sem dúvida um dos mais importantes Credos da Igreja Cristã.

 

CREDO NICENO (325)

Cremos em um só DEUS, o Pai Todo-Poderoso, criador de todas as coisas visíveis e invisíveis.

CREDO NICENO-CONSTANTINOPOLITANO (381)

Cremos em um só Deus, o Pai Todo-Poderoso, Criador (do céu e da terra),  de todas as coisas, visíveis e invisíveis;

E em um só Senhor JESUS CRISTO, o Filho de Deus; gerado como o Unigênito do Pai, isto é, da substância do Pai, Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não feito, consubstancial com o Pai, mediante o qual todas as coisas foram feitas, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra; o qual, por nós homens e por nossa salvação, desceu, se encarnou e se fez homem e sofreu e ressuscitou ao terceiro dia, subiu ao céu, e novamente virá para julgar os vivos e os mortos; E em um só Senhor Jesus Cristo, o Filho Unigênito de Deus, o gerado do Pai (antes de todos os séculos,)  (Deus de Deus),  Luz de Luz, Verdadeiro Deus de Verdadeiro Deus, gerado e não feito, da mesma substância que o Pai, por meio do qual todas as coisas vieram a ser; o qual, por nós, os homens, e pela nossa salvação desceu (dos céus)  e se encarnou (do Espírito Santo e da Virgem Maria)  e se fez homem (e foi por nós crucificado sob Pôncio Pilatos)  e padeceu (e foi sepultado)  e ressuscitou ao terceiro dia, (segundo às Escrituras,)  e subiu aos céus (e está sentado à direita do Pai)  e virá de novo, (com glória),  a julgar vivos e mortos; (e do seu reino não haverá fim).
E no ESPÍRITO SANTO. E no ESPÍRITO SANTO, o Senhor e Vivificador, o que procede do Pai e do Filho,  o que juntamente com o Pai e o Filho é adorado e glorificado,  o que falou através dos profetas; e numa só Igreja santa, católica e apostólica. Confessamos um só batismo para remissão dos pecados, esperamos a ressurreição dos mortos e a vida do século vindouro. Amém.
E a quantos dizem: “Houve tempo em que não era”; e “Antes de nascer, Ele não era”, ou que “Foi feito do que não existe”, bem como a quantos alegam ser o Filho de Deus “de outra substância ou essência”, ou “feito”, ou “mutá-vel”, ou “alternável”, a todos estes a Igreja católica  e apostólica anatematiza.

 

O historiador Noll conclui:

 

O Credo Niceno tem permanecido por quase dezessete séculos como um fundamento seguro para a teologia, o culto e a devoção da igreja. Ele não somente sintetiza de modo abreviado os fatos da revelação bíblica, mas também permanece como um baluarte conta a persistente tendência humana de preferir as deduções lógicas acerca de como Deus deve ser e como Ele deve agir, ao invés das realidades concretas de sua auto-revelação. O credo reafirma poderosamente as realidades da natureza divina de Cristo, da Sua encarnação como ser humano e da obra de redenção que Ele realiza em favor do Seu povo. O ponto de transição da história cristã representado pelo Credo Niceno foi a escolha decisiva feita pela igreja, preferindo a sabedoria de Deus ao invés da sabedoria humana. Teologicamente considerada, nenhuma decisão jamais poderia ser mais importante.[27]

 

São Paulo, 03 de dezembro de 2018.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 


 

[1]Quem primeiro o denominou assim, foi J.B. Carpzov (1639-1699), professor da de Teologia da Universidade de Leipzig. (Veja-se: J.N. D. Kelly, Primitivos Credos Cristianos, Salamanca: Secretariado Trinitario, 1980, p. 353).

[2]Esses Concílios foram assim chamados, porque reuniam as Igrejas do Oriente e do Ocidente. A palavra Oi)koume/nh, é derivada de Oi)=koj (casa, nação). O conceito desta palavra era primariamente geográfico – terra habitada (Veja-se: Heródoto, História, Rio de Janeiro: Editora Tecnoprint, (s.d.), IV.110, p. 373) –, tornando-se depois, também cultural e político, (Veja-se: O. Michel, h( oi(koume/nh: In: TDNT., V, p. 157), indicando o mundo cultural versado e refinado comandado pelos gregos em contraposição ao “barbarismo” (Cf. John H. Gerstner, Ecumenismo: In: E.F. Harrison, ed. Diccionario de Teologia, p. 183b).

Oi)koume/nh tem o sentido de “mundo civilizado”, “todos os habitantes do globo” (Cf. A Lexicon Abridged from Liddell and Scott’s Greek-English Lexicon, Oxford: Clarendon Press, 1935, p. 477b).            A palavra veio a significar: a) A partir de Demóstenes (384-322 a.C.), mundo habitado pelos gregos em contraste com as terras habitadas pelos bárbaros; b) A partir de Aristóteles (384-322 a.C.), mundo habitado, quer por gregos, quer por “bárbaros”, contrastando com as terras não habitadas; c) Adquiriu no Império Romano um sentido político, indicando as terras sob o domínio Romano. Não é à toa que Nero tinha o título de Swth/r e Eu)erge/thj da Oi)koume/nh, ou seja, “Salvador e benfeitor da terra”. (Cf. O Flender, Terra: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 4, p. 601-602).

Na Septuaginta, a palavra ocorre 46 vezes, especialmente no Livro de Salmos, tendo de modo geral o sentido de terra habitada, sendo muitas vezes traduzida por mundo. Como exemplo, citamos: 2Sm 22.16; Sl 18.15; 19.4; 24.1; 33.8; 50.12; Jr 10.12 (mundo); Is 10.14,23; 13.5,9 (terra); Ex 16.35 (ARA; BJ: “terra habitada”); Pv 8.31 (ARA: “mundo habitável”; BJ; “superfície da terra”).

O NT. emprega a palavra 15 vezes (* Mt 24.14; Lc 2.1; 4.5; 21.26; At 11.18; 17.6,31; 19.27; 24.5; Rm 10.18; Hb 1.6; 2.5; Ap 3.10; 12.9; 16.14) – especialmente nos escritos de Lucas (8 vezes) –, primordialmente no sentido geográfico, ainda que Lc 2.1, entre outros textos, indique o sentido político, revelando o poder romano. Assim podemos classificar a sua ocorrência do seguinte modo: a) A terra habitada, o mundo: Mt 24.14; Lc 4.5; 21.26; At 11.28; Rm 10.18; Hb 1.6; Ap 16.14; b) Mundo, no sentido de humanidade: At 17.31; 19.27; Ap 3.10; 12.9; c) O Império Romano: At 24.5; d) Seus habitantes: Lc 2.1; At 17.6; e) O mundo por vir: Hb 2.5.

[3]Socrates Scholasticus, Ecclesiastical History, I.13. In: Philip Schaff; Henry Wace, eds. Nicene and Post-Nicene Fathers of Christian Church, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, (reprinted). (Second Series), 1978, v. 2, p. 19. Ou dia 19, conforme estudos modernos têm indicado (Cf. J.N.D. Kelly, Primitivos Credos Cristianos, Salamanca: Secretariado Trinitario, 1980, p. 254). A História mais detalhada deste Concílio é encontrada, entre outras, nas seguintes obras: J.N.D. Kelly, Primitivos Credos Cristianos, Salamanca: Secretariado Trinitario, 1980, p. 247ss.; K.S. Latourette, História del Cristianismo, 3. ed. Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones, 1977, v. 1, p. 201ss; Earle E. Cairns, O Cristianismo Através dos Séculos, São Paulo: Vida Nova, 1984, p. 107ss.; C.A. Blaising, Concílio de Nicéia: In: Walter A. Elwell, ed Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, v. 1, p. 309-311; W. Walker, História da Igreja Cristã, São Paulo: ASTE., 1967, v. 1, p. 157-162; Mark A. Noll, Momentos Decisivos na História do Cristianismo, p. 51-70 e, principalmente, J.L. Gonzalez, A Era dos Gigantes, São Paulo: Vida Nova, 1980, p. 87-98 e Giuseppe Alberigo, org. História dos Concílios Ecumênicos, São Paulo: Paulus, 1995, p. 23ss.

[4] K.S. Latourette, História del Cristianismo, v. 1, p. 202; E.E. Cairns, O Cristianismo Através dos Séculos, p. 107; J.L. Gonzalez, A Era dos Gigantes, p. 92.

[5] Philip Schaff, The Creeds of Christendom, 6. ed. Revised and Enlarged, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (1931), v. 1, p. 25; A.H. Leitch, Creed, Creeds: In: Merril C. Tenney, ed. ger. The Zondervan Pictoral Encyclopaedia of the Bible, 5. ed. Michigan: Zondervan, 1982, v. 1, p. 1027. Devido a participação destes 318 bispos, este Credo é também chamado de “Credo dos 318”. (Ibidem., p. 1027). Convencionou-se, desde a segunda metade do 4º século, a declaração de que houve 318 representantes, “inspirando-se nos 318 servidores de Abraão de Gn 14.14”; todavia as fontes antigas e interpretações modernas são das mais variadas, oscilando entre 194 e 318 representantes. (Vejam-se: Giuseppe Alberigo, org. História dos Concílios Ecumênicos, p. 25). Noll, por exemplo fala de cerca de 230 bispos (Mark A. Noll, Momentos Decisivos na História do Cristianismo, p. 52).

[6] Cf. Philip Schaff, History of the Christian Church, Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1996, v. 3, § 120, p. 623-624.

[7]Cada bispo poderia levar consigo dois presbíteros e três criados (Cf. Philip Schaff, History of the Christian Church, v. 3, § 120, p. 623).

[8]Cf. Eusebius, The Life of Constantine The Great, III.12. In: Philip Schaff; Henry Wace, eds. Nicene and Post-Nicene Fathers of Christian Church, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, (reprinted). (Second Series), 1978, v. 1, p. 523 (Vejam-se: Philip Schaff, History of the Christian Church, v. 3, § 120, p. 622ss; K.S. Latourette, História del Cristianismo, 3. ed. Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones, 1977, v. 1, p. 201; C.A. Blaising, Concílio de Nicéia: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã,v. 1, p. 310; J.L. Gonzalez, A Era dos Mártires, p. 93; Giuseppe Alberigo, org. História dos Concílios Ecumênicos, p. 26s.; J.N.D. Kelly, Primitivos Credos Cristianos, Salamanca: Secretariado Trinitario, 1980, p. 254).

[9] V.L. Walter, Arianismo: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, v. 1, p. 105.

[10]Para uma crítica desta posição, Vejam-se: J.N. D. Kelly, Primitivos Credos Cristianos, Salamanca: Secretariado Trinitario, 1980, p. 356ss. Temos uma defesa da visão tradicional, preservada desde Calcedônia (451), In: Giuseppe Alberigo, org. História dos Concílios Ecumênicos, p. 68-70.

[11] Cf. Archibald A. Hodge, Esboços de Theologia, p. 104; J.N. D. Kelly, Primitivos Credos Cristianos, p. 354. Este Credo seria posteriormente reafirmado na oitava sessão do 6° Concílio Ecumênico, realizado em Constantinopla (16/9/680) (Cf. J.N. D. Kelly, Primitivos Credos Cristianos, p. 356). (Os primeiros 4 Concílios Ecumênicos – reuniram as igrejas do Ocidente e do Oriente –, foram: Nicéia (325), Constantinopla (381), Éfeso (431) e Calcedônia (451)).

[12] Cf. P. Schaff, The Creeds of Christendom, 6. ed. Revised and Enlarged, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (1931), v. 1, p. 27. No entanto, a Reforma tornou-o mais conhecido, traduzindo-o para vários idiomas, reafirmando a sua importância. (Cf. J.N. D. Kelly, Primitivos Credos Cristianos, p. 354).

[13]O adjetivo “Católico” é uma transliteração do grego “kaJoliko/j”, que pode ser traduzido por “universal” e “geral”. O termo grego é constituído de duas palavras: “kata/”          (= cujo significado original é “abaixo”; todavia, em composição assume os mais diversos sentidos; aqui, talvez signifique, “de acordo com” (Vejam-se: H.E. Dana e Julius R. Mantey, Manual de Gramatica Del Nuevo Testamento Griego, Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones © 1975, p. 104-105, 110-111)) e “o(/loj” (= Todo, inteiro, completo). Assim, grego “kaJoliko/j” pode significar: “conforme ou de acordo com o todo”. A palavra só ocorre uma vez no Novo Testamento e, mesmo assim, na forma adverbial, acompanhada de um advérbio de negação, (“kaJo/lou mh\) sendo traduzida (ARA, BJ, ARC, ACR) por “absolutamente não” (At 4.18).

Até onde vai o nosso conhecimento, o primeiro homem a usar a palavra “católica” para se referir à Igreja, foi Inácio de Antioquia (c. 30-110 AD), na sua epístola à Igreja de Esmirna, escrita por volta do ano 110, quando diz: “Onde quer que se apresente o bispo, ali também esteja a comunidade, assim como a presença de Cristo Jesus também nos assegura a presença da Igreja católica” (Inácio de Antioquia, Cartas de Santo Inácio de Antioquia, 3. ed. Petrópolis, RJ.: Vozes, 1984, 8.2. p. 81).

[14]Cláusula acrescentada.

[15]Cláusula acrescentada.

[16] A expressão “Deus de Deus” foi omitida em Constantinopla, porém foi recolocada no III Concílio local de Toledo (589) na Espanha. (Vejam-se: A.A. Hodge, Esboços de Theologia, p. 103; H. Bettenson, Documentos da Igreja Cristã, p. 56; P. Schaff, The Creeds of Christendom, 6. ed. Revised and Enlarged, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, (1931), v. 1, p. 26-27).

[17]Cláusula acrescentada.

[18]Cláusula acrescentada.

[19]Cláusula acrescentada.

[20]Cláusula acrescentada.

[21]Cláusula acrescentada.

[22]Cláusula acrescentada.

[23]Cláusula acrescentada.

[24]Cláusula acrescentada.

[25]Como vimos, a expressão “e do Filho” em latim “Filioque”, foi acrescentada no III Concílio local de Toledo (589)

[26] McGrath nos chama a atenção para o fato de que mesmo o Credo afirmando que o Espírito juntamente com o Pai e o Filho devem ser adorados, ele não declara explicitamente que o Espírito é Deus (Ver: Alister E. McGrath, Teologia Sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã, São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 364-365).

[27] Mark A. Noll, Momentos Decisivos na História do Cristianismo, p. 63-64.

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