Diáconos e Presbíteros: Servos de Deus no Corpo de Cristo (10)

Comunidade carismática

 

Os cristãos não só professam crer no Espírito Santo, mas são também os receptores de Seus dons. – Charles Hodge.[1]

 

A igreja envolve variedade e unidade. Somos pessoas diferentes, com personalidades distintas, porém, fomos também criados à imagem de Deus. Somos a imagem de Deus, a despeito da queda. Fomos recriados em Cristo.  Temos a responsabilidade de viver como reflexo dessa imagem que nos caracteriza e nos aproxima grandemente de Deus. O Espírito Santo é o unificador da Igreja, aplicando em nossos corações o fruto da obra de Cristo, nos regenerando, transformando o nosso coração, nos possibilitando viver, por graça, em comunhão com o Senhor.

 

Stott (1921-2011) explica:

 

A igreja é uma, porque o Espírito habita em todos os crentes. A igreja é multifacetada, porque o Espírito distribui diferentes dons aos crentes. De forma que o dom do Espírito (que Deus nos dá) cria a unidade da igreja, e os dons do Espírito (que o Espírito dá) diversifica o ministério da igreja.[2]

 

A Igreja é uma comunidade carismática porque todos os seus membros receberam dons (xa/risma) (= “resultado de uma ação”, “prova de favor”, “benefício” ou “dádiva”)[3] para o serviço de Deus na Igreja. Os dons concedidos pelo Espírito, longe de servirem para confusão ou vanglória, devem ser utilizados com humildade (1Co 4.7/2Co 5.18),[4] para a edificação e aperfeiçoamento dos santos (1Co 12.1-31/Ef 4.11-14/Rm 12.3-8).[5]

 

Calvino acertadamente diz que “se a igreja é edificada por Cristo, prescrever o modo como ela deve ser edificada é também prerrogativa dele”.[6]

 

Do mesmo modo acentua Kuyper (1837-1920): “Os carismata ou dons espirituais são os meios e o poder divinamente ordenados pelos quais o Rei habilita a sua Igreja a realizar sua tarefa na terra”.[7]

 

O Carisma tem sempre um fim social: a Igreja; a comunhão dos santos.[8] E também, como elemento de ajuda na proclamação do Evangelho (Hb 2.3-4).[9]

 

Calvino trabalha insistentemente com este princípio:

 

As Escrituras exigem de nós e nos advertem a considerarmos que qualquer favor que obtenhamos do Senhor, o temos recebido com a condição de que o apliquemos em benefício comum da Igreja.

Temos de compartilhar liberalmente e agradavelmente todos e cada um dos favores do Senhor com os demais, pois isto é a única coisa que os legitima.

Todas as bênçãos de que gozamos são depósitos divinos que temos recebido com a condição de distribuí-los aos demais.[10]

 

O Espírito é soberano na distribuição dos dons. Eles não podem ser reivindicados (1Co 12.11,18), antes, devem ser recebidos como manifestação da graça de Deus e utilizados para a glória de Deus. Devemos cultivar os dons que recebemos (1Co 12.31), provavelmente no uso que fazemos dele em amor para a glória de Deus no serviço da igreja.

 

Maringá, 15 de junho de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

*Acesse todos os textos dessa série aqui.


[1] Charles Hodge, Teologia Sistemática, São Paulo: Editora Hagnos, 2001, p. 391.

[2] John Stott. Batismo e Plenitude do Espírito Santo, 2. ed. (ampliada), São Paulo: Vida Nova, 1986, p. 64.

[3] H. Conzelmann,  xa/risma: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1982 (Reprinted), v. 9, p. 403.

[4] “Ninguém possui coisa alguma, em seus próprios recursos, que o faça superior; portanto, quem quer que se ponha num nível mais elevado não passa de imbecil e impertinente. A genuína base da humildade cristã consiste, de um lado, em não ser presumido, porque sabemos que nada possuímos de bom em nós mesmos; e, de outro, se Deus implantou algum bem em nós, que o mesmo seja, por esta razão, totalmente debitado à conta da divina graça” (João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 4.7), São Paulo: Paracletos, 1996, p. 134-135).

[5] Obviamente, não estamos trabalhando aqui com as categorias de Max Weber (1864-1920), que define Carisma como “Uma qualidade pessoal considerada extracotidiana (…) e em virtude da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanos ou, pelo menos, extracotidianos específicos ou então se a toma como enviada por Deus, como exemplar e, portanto, como ‘líder’” (Max Weber, Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia Compreensiva, Brasília, DF.: Editora Universidade de Brasília, 1991, v. 1, p. 158-159). Como o próprio Weber explica, “O conceito de ‘carisma’ (‘graça’) foi tomado da terminologia do cristianismo primitivo” (Ibidem., p. 141). Weber tomou a palavra emprestada em Rudolph Sohm (1841-1917), da sua obra Direito Eclesiástico para a Antiga Comunidade Cristã (Cf. Ibidem., p. 141). A análise das questões relativas ao domínio carismático, “estão no centro das reflexões de Weber” (Julien Freund, A Sociologia de Max Weber, Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 184).

[6] J. Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 4.12), p. 125.

[7] Abraham Kuyper, The Work of the Holy Spirit, Chaattanooga: AMG. Publishers, 1995, p. 196.

[8] Veja-se: Frederick D. Bruner, Teologia do Espírito Santo, São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 229.

[9]3 Como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação? A qual, tendo sido anunciada inicialmente pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram;  4 dando Deus testemunho juntamente com eles, por sinais, prodígios e vários milagres e por distribuições do Espírito Santo, segundo a sua vontade” (Hb 2.3-4). Veja-se: João Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 2.4), p. 56.

[10]João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 36. “Qualquer habilidade que um fiel cristão tenha, deve dedicá-la ao serviço de seus companheiros crentes, como também submeter, com toda sinceridade, seus próprios interesses ao bem-estar comum da Igreja” (João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 36).

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