Diáconos e Presbíteros: Servos de Deus no Corpo de Cristo (15)

A Confissão de Westminster retrata com propriedade:

 

As igrejas mais puras debaixo do céu estão sujeitas à mistura e ao erro; algumas têm degenerado ao ponto de não serem mais igrejas de Cristo, mas sinagogas de Satanás; não obstante, haverá sempre sobre a terra uma igreja para adorar a Deus segundo a vontade dele mesmo. (XXV.5).

 

No entanto, o Senhor, o único cabeça da igreja a tem preservado, mesmo quando, por vezes, tudo parece perdido, como foi no período que antecedeu à Reforma (1517), durante o Iluminismo na Europa (1650-1800) e mesmo, de forma muito mais sutil, com o ecumenismo nos anos de 1960 e na falta de sentido de verdade do homem contemporâneo e mesmo em determinados círculos evangélicos.[1] Deus, o Cabeça da Igreja evidencia de forma poderosa o seu governo por meio de uma volta às Escrituras.

 

O Senhor não abandona a sua Igreja a despeito dos mais violentos e sutis ataques de Satanás. Ele está no controle.  Portanto, a Igreja que pretende ter outro cabeça não pode ser a verdadeira Igreja de Cristo. Não temos outro chefe ou cabeça, senão a Cristo, o Senhor. Mais uma vez recorro à Confissão de Westminster:

 

Não há outro Cabeça da Igreja senão o Senhor Jesus Cristo; em sentido algum pode ser o Papa de Roma o cabeça dela, mas ele é aquele anticristo, aquele homem do pecado e filho da perdição que se exalta na Igreja contra Cristo e contra tudo o que se chama Deus. (XXV.6).

 

Isso significa que os momentos de maior fortalecimento da igreja na história sempre estiveram associados à compreensão da natureza gloriosa de Jesus Cristo. Por outro lado, a igreja entra em profunda decadência espiritual, a sua pregação se desvia das Escrituras, quando ela perde a dimensão da glória, grandeza e singularidade de Jesus Cristo.

 

É observável historicamente que os momentos de maior fortalecimento da igreja sempre estiveram associados à compreensão da natureza gloriosa de Jesus Cristo. Por outro lado, a igreja entra em profunda decadência espiritual, a sua pregação se desvia das Escrituras, quando ela perde a dimensão da glória, grandeza e singularidade de Jesus Cristo. Fica claro que a pregação expositiva e, por sua vez, o seu abandono, é um dos indicadores do lugar que Cristo ocupa na igreja. O nível espiritual da igreja nunca está acima de seu púlpito.

 

A Reforma espiritual da igreja começa pelo púlpito, por aquilo que é pregado e ensinado em nossas igrejas, acompanhado de oração, suplicando a misericórdia de Deus que ilumine as nossas mentes e aqueça os nossos corações nos conduzindo ao arrependimento e à obediência sincera ao Senhor. Essa transformação se estende à vida e família dos fiéis, e faz diferença em todos os seus relacionamentos.

 

Vale lembrar que o estudo e o ensino da doutrina não visam mostrar o quanto conhecemos a Palavra e, ao mesmo tempo, o quão distante estão os outros de conhecerem como conhecemos. Esse tipo de farisaísmo religioso, arrogante e satisfeito consigo mesmo, identificador prazeroso dos erros dos demais, colocando-se num patamar acima, deve estar totalmente distante de nós. Este tipo de pensamento e comportamento é o que há de mais estranho ao verdadeiro conhecimento pessoal de Deus por meio de sua Palavra e, consequentemente, de nossa vivência com ele.

 

O conhecimento de Deus nunca é estéril, antes, é frutuoso em obediência e piedade. Portanto, não esperemos agradar a Deus sendo-lhe desobediente, desonrando o seu Filho.

 

Um dos pontos cruciais da Reforma, herdado dos pré-reformadores, foi a supremacia de Cristo sobre a Igreja. A Igreja não pertence a homens. Ela deve ser governada por Cristo que o faz por meio de sua Palavra. A igreja como Corpo de Cristo deve ser seu agente na história, evidenciando a supremacia dele em sua fé, ensinamentos e atitudes. O pré-reformador João Huss (c. 1369-1415)[2] morreu por esta verdade, sendo queimado vivo em 1415.

 

A igreja como Corpo de Cristo tem sido fortalecida na força de seu poder e, é por isso que ela ultrapassa em muito a nossa capacidade de compreensão e explicação. Ela é o povo de Deus, os ramos da videira, o edifício fundamentado em Cristo, as ovelhas, sob a direção e cuidado do Sumo Pastor.[3] Somos o povo de Deus, propriedade exclusiva dele (1Pe 2.9-10). Ninguém poderá nos destruir. O Senhor reina sobre todas as coisas e a Igreja é o seu corpo presente na história que está sendo formado e aperfeiçoado até a consumação vitoriosa de sua obra.

 

Em Ef 1.16-23 o apóstolo ora para que a igreja, mesmo nos momentos de abatimento e fraqueza tenha os seus olhos iluminados para saber esta verdade revelada, compreendendo-a pelo Espírito de sabedoria que nos foi concedido.

 

A cosmovisão cristã obviamente não se aplica apenas a esta vida, antes, tem um sentido escatológico, aponta para o fim, quando Cristo será plenamente glorificado, consumando a sua obra na criação. A escatologia é a consumação natural do plano de Deus na sua historificação temporal.

 

A Escatologia é precedida de uma história realizada – vivemos a agimos em correspondência à nossa fé e vocação. A história aponta para uma escatologia decisiva. Desta forma, olhando pelo prisma da escatologia, podemos dizer que a história é escatológica, visto que para lá ela caminha de forma progressiva e realizante: A história se consumará na não história, no atemporal e eterno. Por outro lado, a escatologia confere sentido à história.

 

A fé da Igreja respalda-se em um fato histórico, e nutre-se da esperança que emana da promessa de Deus: “A esperança é o alimento e a força da fé”.[4] E, quanto ao tempo, devemos ter em mente esta certeza: “Os tempos estão nas mãos e à disposição de Deus, de modo que devemos crer que tudo é feito na ordem prefixada e no tempo predeterminado”.[5]

 

O Senhor Jesus também anela pela conclusão de sua obra quando ele estará completo como cabeça, tendo o seu corpo completado e perfeito, totalmente enchido por ele (Ef 1.23). Já nesse estado de existência, a Igreja pode declarar com fé em alto e bom som:

 

31Que diremos, pois, à vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? 32 Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas? 33 Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. 34 Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós. 35 Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? 36 Como está escrito: Por amor de ti, somos entregues à morte o dia todo, fomos considerados como ovelhas para o matadouro. 37 Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou. 38 Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, 39 nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm 8.31-39).

 

 

Maringá, 21 de junho de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

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[1] “Hoje vivemos numa igreja que se incomoda menos com a verdade que com qualquer artigo. O amor à verdade não é nem mesmo uma virtude: é um defeito, porque a verdade divide as pessoas. A verdade causa controvérsia. A verdade causa debate. A verdade causa transtorno aos relacionamentos. A verdade crucifica pessoas. Jesus afirmou: ‘Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz’ (Jo 18.37)” (R.C. Sproul, Oh! Como amo a tua lei. In: Don Kistler, org. Crer e Observar: o cristão e a obediência, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 19).

[2]Huss, pregador da Capela de Belém e professor e Reitor da Universidade de Praga, fora excomungado em 1412 por ter aderido às ideias de Wycliff, tendo pregado contra as indulgências, desafiado a autoridade do papa e enfatizado a autoridade das Escrituras. Em 1415 compareceu no Concílio de Constança (1414-1418), na Alemanha, sendo supostamente protegido por um salvo-conduto do Imperador, que terminou por ser suspenso pelo papa, sob a alegação de “não era necessário manter a palavra dada a um herege” e de que “ele jamais concedera qualquer salvo-conduto, e que não estava obrigado a seguir aquele que fora emitido pelo imperador alemão”. Foi queimado vivo. Fox narra as suas palavras ditas ao carrasco: “Vais assar um ganso (pois o nome Huss significa ganso na língua Boêmia), porém dentro de um século surgirá um cisne que não poderão nem assar e nem ferver”. Fox interpreta: “Se Huss neste momento disse uma profecia, deve ter se referido a Martinho Lutero, que apareceu ao final de aproximadamente cem anos, e em cujo escudo de armas tinha a figura de um cisne” (John Fox, O Livro dos Mártires, 4. ed. Rio de Janeiro: CPAD., 2002, p. 166). (Ver: Mark A. Noll, Momentos Decisivos na História do Cristianismo, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2000, p. 192; André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 39; Robert G. Clouse, Richard V. Pierard e Edwin M. Yamauchi, Dois Reinos – A Igreja e a Cultura interagindo ao longo dos séculos, São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 216; John Fox, O Livro dos Mártires, p. 162-166; John MacArthur, Por que ainda prego a Bíblia após quarenta anos de ministério: In: Mark Dever, ed., A Pregação da Cruz, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 142-143; John MacArthur, Escravo: A verdade escondida sobre nossa identidade em Cristo, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2012, p. 65-75.

[3] “Ele não pode ser nossa Cabeça a não ser que também seja simultaneamente nosso Pastor, tendo sobre nós toda autoridade” (João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 183).

[4]J. Calvino, As Institutas, III.2.43.

[5]João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (Tt 1.3), p. 303.

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