A Pessoa e Obra do Espírito Santo (369)

c) Louvando a Deus  (Continuação)

“Cantar Salmos com graça no coração”[1]

Ora, o próprio dom do homem é cantar, sabendo o que está a dizer; ao entendimento deve seguir-se o coração e a afeição, o que se não pode dar a menos que tenhamos o cântico impresso em nossa memória para jamais cessar de cantar. – João Calvino.[2]

          Horton parece-me correto ao declarar que “a pregação determina o foco e profundidade da adoração”.[3] O nosso louvor é a expressão de um coração alegre diante de Deus: O júbilo começa no coração e os lábios apenas o expressam, ensina-nos Agostinho (354-430): “Pois, não se jubila com palavras; mas somente se emitem sons de alegria, que de certo modo são concebidos e gerados pelo coração, como expressão da ideia que for impossível manifestar por palavras”.[4]

          Parece-me que aqui podemos cair em uma armadilha sutil, porém, quase onipresente: Transformarmos a nossa pregação, ensino, louvor e testemunho em meios para causar sentimentos, sem sentimentos. Nesse caso, seríamos apenas manipuladores de emoções. Meros profissionais, talvez competentes, porém hipócritas.[5]

          O nosso culto começa por uma vida de obediência[6] com um coração sincero.[7] O ato público de adoração é a complementação indispensável de nosso culto cotidiano a Deus, escreve Calvino.

Porquanto Deus preceitua, em primeiro lugar, que o adoremos interiormente, e em seguida também verbalizemos uma profissão de fé externa. O principal altar, no qual Deus é adorado, deve estar situado dentro de nós, pois Deus é adorado espiritualmente através da fé, de orações e de outros ofícios de piedade. A confissão externa deve ser forçosamente acrescentada, não só para que nos exercitemos na adoração a Deus, mas também para que nos ofereçamos inteiramente a ele, tanto no corpo quanto na mente, assim como Paulo preceitua (1Co 7.34; 1Ts 5.23) – em suma, para que Ele nos possua inteiramente.[8]

          É natural e até desejável que usemos de nossos talentos para servir a Deus com novas composições que reflitam a nossa fé decorrente da Palavra. A nossa fé por proceder da Palavra deve ser orientada pela Palavra em nossas experiências cotidianas.

          O Livro de Salmos se constitui num modelo majestoso e singular deste emprego. No entanto a novidade do que cantamos não estará circunscrita à data da composição ou à atualidade do ritmo, mas sim, à forma como cantamos. Com “graça no coração”.

Maringá, 11 de dezembro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] O Diretório de Culto de Westminster, São Paulo: Editora Os Puritanos, 2000, p. 65; Confissão de Westminster, 21.5.

[2] Carta de Calvino ao leitor de sua obra, A forma das orações e canções eclesiásticas, com o modo de administrar os sacramentos e de consagrar o casamento segundo o costume da Igreja. (1542). In: Herman J. Selderhuis, ed., Calvini Opera Database 1.0. Netherlands: Instituut voor Reformatieonderzoek, 2005, v. 6, col. 171.

[3]Michael Horton, As Doutrinas da Maravilhosa Graça, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p. 87.

[4] Agostinho, Comentário aos Salmos, São Paulo: Paulus, (Patrística, 9/2), 1997, v. 2, (Sl (66) 67.2), p. 335.

[5] Por mera analogia, veja-se: Étienne Gilson, Introdução às Artes do Belo – O que é filosofar sobre a arte?  São Paulo: É Realizações, 2010, p. 195-196.

[6] “A regra que distingue o culto puro do culto corrompido é de aplicação universal, a fim de que não adotemos qualquer artifício que nos pareça adequado, mas olhemos para a determinação do único que que tem autoridade de prescrevê-lo. Portanto, se queremos que Deus aprove nosso culto, então que se observe esta regra que ele, por toda parte, enfatiza com a máxima exatidão. Pois, há uma dupla razão pelas quais o Senhor, ao condenar e proibir todo e qualquer culto falso, requer que rendamos obediência somente à sua própria voz. Primeiro, porque isto tende a estabelecer grandemente sua autoridade para que não sigamos nossos próprios deleites, mas dependamos inteiramente de sua soberania; e, segundo, tal é nossa estultícia, que, quando somos deixados livres, tudo o que somos capazes de fazer é nós desviarmos da vereda certa, não há limite para nossos desvios, até que nos vejamos sepultados sob uma multidão de superstições” (João Calvino, A Necessidade de Reformar a Igreja: In: Waldemir Magalhães, ed., As Obras de João Calvino, Recife, PE: CLIRE, 2017, p. 158). Veja-se também: João Calvino, Romanos, 2. ed., São Paulo: Parakletos, 2001, (Rm 12.1), p. 435.

[7]“Visto que não é suficiente que pronunciemos os louvores a Deus com nossos lábios, se também não procederem do coração” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 9.14), p. 195).

[8]João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6,São Paulo: Parakletos, 2000, v. 1, (Dn 3.2-7), p. 192.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *