A Pessoa e Obra do Espírito Santo (359)

b) Nas orações

Como é natural, a igreja sentia prazer espiritual em participar do privilégio de poder falar com Deus em companhia dos irmãos; não havia reuniões seccionadas. A Igreja era um todo que perseverava unanimemente no templo e nas casas. (At 1.14; 2.42,46; 3.1; 12.5,12).

          A Oração do Pai Nosso nos mostra a importância de orarmos em comunhão, comunitariamente: “Pai nosso”. E, uns pelos outros, cientes de nossas carências e pecaminosidade: “O pão nosso”, “perdoa-nos as nossas dívidas”. De fato, a oração nos aproxima de Deus e, também do nosso próximo, sendo, portanto, um ato fundamental e vital da comunidade cristã.[1]

          A Oração do Senhor realça de forma vívida o nosso privilégio (filiação, manutenção, perdão), responsabilidade (santificar o nome de Deus, perdoar, interceder), carências recíprocas (manutenção, perdão, sustento em meio às tentações e proteção do mal) e nossa dimensão escatológica (Vontade divina multidimensional, vinda do Reino)  O Pai Nosso é a oração dos filhos.

          A Trindade nos cerca e protege no labor da oração. Oramos ao Pai, por intermédio do Filho, sob à direção do Espírito. A Trindade Bendita nos deu a sua Palavra como manual de nossas orações quanto à forma e o espírito que deve caracterizar a nossa aproximação de Deus.

Paulo demonstrou algumas das bênçãos de Deus que foram preparadas desde a eternidade e que são derramadas continuamente sobre a sua Igreja, o seu povo eleito. Ele bendiz a Deus por isso (Ef 1.3). Agora ele conduz a Igreja à oração.

Aqui estão dois aspectos da vida cristã que jamais devem ser separados: Louvor e oração. Nós oramos enquanto louvamos e louvamos enquanto oramos. A nossa percepção não pode ser estanque desta prática cristã adoracional tão essencial à vida cristã. “O louvor distingue o cristão particularmente em sua oração e em seu culto a Deus”, destaca Lloyd-Jones.[2] E mais: O nosso louvor em sua espontaneidade espiritual, deve proceder de um coração sincero[3] e agradecido, sendo guiado pelo Espírito,[4] que nos ensina por meio da Palavra.

          Paulo era um homem que mantinha viva na memória suas lembranças. A Igreja de Deus em diversos lugares ocupava a sua mente e, por isso mesmo, as suas orações. Ele mantinha em seu íntimo uma relação afável com suas igrejas, por isso a sua constante e intensa lembrança de oração. “Fazendo menção (mnei/a) (= “lembrança”, “memória”) de vós nas minhas orações” (Ef 1.16).

          Esta foi e deve continuar sendo uma característica marcante da igreja. A sua lembrança recíproca tanto como pelo corpo (igreja) como pelas pessoas individualmente.

          Na Igreja Primitiva não encontramos preponderantemente em sua membresia pessoas ricas. Pelo contrário, conforme indica Paulo, “….Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes” (1Co 1.27). Pense na satisfação de saber que somos sincera e afetuosamente lembrados e mencionados perante Deus com alegria. Irmãos lembram-se de nós nos mencionado em suas orações.

          Wedel (1892-1970) escreveu sobre isso:

O que não deve ter significado para tantas pessoas humildes entrarem em uma comunidade onde era diariamente relembrado por um grande grupo de companheiros crentes, pelo grande Paulo, que fundara sua congregação, por crentes nas distantes cidades de Roma ou Antioquia! (…) Os homens constroem túmulos majestosos e pirâmides gigantescas a fim de serem relembrados após a morte. A igreja cristã é uma comunidade de memória mútua, em que a lembrança pelos outros faz parte da própria vida da igreja. Ora, essa intercessão mútua nada nos custa. Assim lembramo-nos gratuitamente tanto dos crentes mais humildes como dos crentes maiores. Sermos lembrados pelos outros crentes é uma das recompensas do Cristianismo.[5]

          Em suas constantes orações, Paulo revelava a sua fé em Deus e o seu amor, recordando sempre de seus irmãos. A fé e o amor presentes entre os crentes efésios, transbordam na vida e nos escritos do Apóstolo.

          Algo em especial me chamou a atenção no final das provações de Jó. Ele confessa ter aprendido muito com Deus e com as suas ações. Deus repreende os amigos de Jó pela sua precipitação e por dizer coisas não verdadeiras a respeito do Senhor. Por determinação de Deus, eles agora deveriam apresentar um sacrifício ao Senhor. Jó intercederia por eles (Jó 42.7-9). O curioso no texto é que até agora a situação de Jó não havia mudado; ele continuava de luto pelos seus filhos, sem bens e sob os efeitos dos males que lhe sobrevieram. No entanto, relata o texto: “Mudou o SENHOR a sorte de Jó, quando este orava pelos seus amigos; e o SENHOR deu-lhe o dobro de tudo o que antes possuíra” (Jó 42.10).

          Jó não questionou a ordem de Deus, não fez menção de a quantos sofrimentos seus amigos, devido a uma má teologia,[6] lhe submeteram. Simplesmente obedeceu. Possivelmente aqui, temos o último teste de Jó. Ele obedeceu a Deus e, então, o Senhor o abençoou: “….e o SENHOR deu-lhe o dobro de tudo o que antes possuíra” (Jó 42.10).

          Não transformemos isso em um joguinho com Deus. Não sejamos tentados a pensar: vou interceder pelo meu irmão. Continuamos: Enquanto isso o Senhor vai duplicar os meus bens. Neste caso, se Deus duplicar a sua sensibilidade será uma coisa magnífica. Mas, também não funciona assim.

          Temos aqui a ilustração de um princípio de obediência e total consagração. Conseguir superar as nossas dificuldades e apreensões para pensar e orar pelos nossos irmãos é por si só algo resultante da graça operante de Deus. Isto, já é uma grande bênção! A partir daí as nossas angústias parecem diminuir, adquirimos um novo olhar e perspectiva e, neste processo, inclusive, Deus nos abençoa e manifesta de forma poderosa a sua misericórdia sobre nós, até mesmo, conforme a nossa necessidade e sua vontade, com bens materiais.

     Neste particular, Calvino, atento ao pastoreio e corretamente zeloso pelo ensino da sã doutrina, insiste no fato de que o pastorado envolve não somente o ensino, mas, também, a intercessão pelos fiéis. “Aqueles que pretendem que seu labor seja proveitoso para a edificação da igreja, e aqueles que possuem zelo verdadeiro, não apenas se devem entregar ao ensino; mas, também, paralelamente, orar a Deus para operar com eles pelo poder e pela graça”.[7]

          Ao mesmo tempo, o reformador destaca que não há cristão que não necessite das orações de seus irmãos: “Mesmo o mais perfeito dos homens, que mereça o mais extremado enaltecimento, necessita de intercessão em seu favor, enquanto viver neste mundo, a fim de que Deus lhe conceda não só a perseverança final, mas também o progresso diário”.[8]

Maringá, 02 de dezembro de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Veja-se: Eugene H. Peterson, O pastor contemplativo: voltando à arte do aconselhamento espiritual, Rio de Janeiro: Textus, 2002, p. 17,52-53.

[2]D.M. Lloyd-Jones, O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 48.

[3] “…. Visto que não é suficiente que pronunciemos os louvores a Deus com nossos lábios, se também não procederem do coração” (João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 9.14), p. 195).

[4]“Não podemos empregar nossas línguas para que deem louvor a Deus a menos que sejam elas governadas pelo Espírito Santo” (João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Edições Paracletos, 1996, (1Co 12.3), p. 373).

[5]Theodore O. Wedel, The Epistle to the Ephesians: In: George A. Buttrick, ed. The Interpreter’s Bible, New York: Abingdon Press, 1953, v. 10, p. 627.

[6]Calvino está correto ao declarar: “Toda teologia, quando alienada de Cristo, é não só vã e confusa, mas também nociva, enganosa e espúria; porque, ainda que os filósofos às vezes pronunciassem ditos excelentes, contudo nada têm senão o que é transitório e ainda eivado de sentimentos ímpios e errôneos” (João Calvino, Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 14.6), p. 93).

[7]João Calvino, Sermões em Efésios, Brasília, DF.: Monergismo, 2009, p. 130.

[8]João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos,1998, (Fm 4) p. 367.

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