A Pessoa e Obra do Espírito Santo (323)

9) “Não cobiçosos de sórdida ganância” 

                No Salmo 15 – quando Deus estabelece condições para habitarmos para sempre em sua companhia – entre os princípios, prescreve: “O que não empresta o seu dinheiro com usura, nem aceita suborno (dx;v;) (shahad) (= presente, dádiva, incentivo) contra o inocente. Quem deste modo procede não será jamais abalado” (Sl 15.5).1 

  O suborno, uma prática tão comum na antiguidade,2 não sendo comum leis contra esse costume de “reciprocidade”,3 recebe tratamento diferente nas páginas do Antigo Testamento em diversos lugares. 

O fundamento desta perspectiva jaz em Deus, Aquele que é justo e reto, não sendo subornável:  

Pois o SENHOR, vosso Deus, é o Deus dos deuses e o Senhor dos senhores, o Deus grande, poderoso e temível, que não faz acepção de pessoas, nem aceita suborno  (dx;v;) (shahad); que faz justiça ao órfão e à viúva e ama o estrangeiro, dando-lhe pão e vestes (Dt 10.17-18). 

Josafá quando nomeia juízes em Judá, os instrui mostrando que eles eram agentes de Deus, devendo, portanto, obedecer ao padrão de Deus. Então lhes diz: 

Vede o que fazeis, porque não julgais da parte do homem, e sim da parte do SENHOR, e, no julgardes, ele está convosco. Agora, pois, seja o temor do SENHOR convosco; tomai cuidado e fazei-o, porque não há no SENHOR, nosso Deus, injustiça, nem parcialidade, nem aceita ele suborno (dx;v;) (shahad) (2Cr 19.6-7). 

O fato é que os princípios éticos de um povo nunca estarão em um nível superior ao da sua religião. A religião como produto cultural expressará sempre os limites subjetivos do real e, consequentemente, os anseios de um povo que se materializarão em sua forma de construir o seu mundo real. A cultura é um forte reflexo desses aspectos, tendo a religião como forte ingrediente norteador e fomentador.4 

A fé cristã, no entanto, parte de um Deus transcendente, pessoal e que se revela. O Deus que fala e age, sendo o seu agir uma forma do seu falar. Fomos criados à sua imagem. Deus cria do nada. Nós, do nada, nada criamos, contudo remodelamos as formas atribuindo sentido imaginativo e imitativo à Criação, fazendo o que é-nos próprio na condição de imagem.5  O nosso trabalho encontra o seu modelo em Deus, aquele que o inspira pelo seu testemunho e ensino, colocando em nós o senso de beleza e o apelo estético: 9Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. (…) 11 porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há…” (Êx 20.9,11).6 

Deus é santo. Por meio de sua Palavra Ele exige de seu povo santidade.7 A justiça é uma das expressões da santidade. Por isso, Deus instrui aos juízes a fim de que não fossem passionais e interesseiros na formulação de seus juízos, o que os impediriam de enxergar com clareza a causa proposta. 

O suborno corrompe o que o homem tem de mais íntimo, sendo a sede de sua razão, emoção e vontade: seu coração: “Verdadeiramente, a opressão faz endoidecer até o sábio, e o suborno  (hn”T’m;) (mattanah) (dádiva, presente)8 corrompe o coração” (Ec 7.7). 

O suborno perverte a própria essência da prática da justiça, fazendo com o que o subornado, avance ainda mais, elaborando discursos para justificar e legitimar os seus atos: “Também suborno (dx;v;) (shahad) não aceitarás, porque o suborno (dx;v;) (shahad) cega até o perspicaz e perverte as palavras dos justos” (Ex 23.8). De fato, quão difícil é julgar a matéria em si, sem outros interesses e “estado de espírito”.  

O presente dado a quem julga pode ser um elemento extremamente eloquente a respeito da culpabilidade de quem o oferece; do baixo conceito sustentado a respeito de quem julga e, também, a ingênua vulnerabilidade de quem o recebe.  

Em Deuteronômio a mesma instrução de Êxodo é repetida: “Não torcerás a justiça, não farás acepção de pessoas, nem tomarás suborno (dx;v;) (shahad); porquanto o suborno (dx;v;) (shahad) cega os olhos dos sábios e subverte a causa dos justos” (Dt 16.19). Notemos que sempre os prejudicados são os “justos”, o “inocente”, o “órfão” e as “viúvas”, símbolos de pobreza e desamparo. Não há suborno para o que é justo ou para desfavorecer o favorecido. 

Os filhos de Samuel que também foram constituídos juízes, são acusados deste pecado, ignorando a lei de Deus e a integridade de seu pai tão bem conhecida: “Porém seus filhos não andaram pelos caminhos dele; antes, se inclinaram à avareza, e aceitaram subornos (dx;v;) (shahad), e perverteram o direito” (1Sm 8.3).  

Samuel teve que ouvir quieto, com tristeza e frustração os anciãos se aproveitando das circunstâncias, lhe dizerem: “Vê, já estás velho, e teus filhos não andam pelos teus caminhos; constitui-nos, pois, agora, um rei sobre nós, para que nos governe, como o têm todas as nações” (1Sm 8.5).  

Deus  atende  ao pedido pecaminoso do povo (1Sm 8.7-9,22; 10.17-24/Os 13.9-11).  Após uma batalha vitoriosa liderada por Saul contra os arrogantes amonitas, num clima de grande alegria, Saul é aclamado o primeiro rei de Israel.  

Na despedida de Samuel, depois de ter conduzido a Israel durante tantos anos, corajosa e serenamente, diz ao povo:  

Eis que ouvi a vossa voz em tudo quanto me dissestes e constituí sobre vós um rei.  2 Agora, pois, eis que tendes o rei à vossa frente. Já envelheci e estou cheio de cãs, e meus filhos estão convosco; o meu procedimento esteve diante de vós desde a minha mocidade até ao dia de hoje.  3 Eis-me aqui, testemunhai contra mim perante o SENHOR e perante o seu ungido: de quem tomei o boi? De quem tomei o jumento? A quem defraudei? A quem oprimi? E das mãos de quem aceitei suborno  (rp,Ko) (kopher) (presente para obter algum favor)9 para encobrir com ele os meus olhos? E vo-lo restituirei (1Sm 12.1-3). 

  A resposta do povo atestou a absoluta integridade de Samuel: “Em nada nos defraudaste, nem nos oprimiste, nem tomaste coisa alguma das mãos de ninguém” (1Sm 12.4). Em Samuel (“nome de Deus”), neste juiz-sacerdote-profeta, temos um exemplo magnífico de integridade reconhecido ao longo das Escrituras (Jr 15.1; At 3.24; 13.20/1Sm 3.20;13.11-13). 

No entanto, o ato de subornar é bastante prático e eficaz em seus objetivos pecaminosos: “Pedra mágica é o suborno (dx;v;) (shahad) aos olhos de quem o dá, e para onde quer que se volte terá seu proveito” (Pv 17.8). 

Maringá, 19 de outubro de 2021. 

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa 

MacArthur, Jr., ed. et. al. Pense Biblicamente!: Recuperando a visão cristã do mundo. São Paulo: Hagnos, 2005,p. 504).

[1] As palavras imagem, imaginativo e imitar têm uma raiz comum.

[1] Veja-se: Leland Ryken, Redeeming the Time: a Christian Approach to work and Leisure, Grand Rapids, MI.: Baker Book, 1995, p. 159ss.

[1]“A regra de nossa santidade é a lei de Deus” (J.I. Packer, O Plano de Deus para Você, 2. ed. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2005, p. 155).

[1]Considerando o contexto, a tradução da palavra por “suborno” é adequada.

One thought on “A Pessoa e Obra do Espírito Santo (323)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *