Uma oração intercessória pela Igreja (62)

6.2. O Pai da Glória

                 “16não cesso de dar graças por vós, fazendo menção de vós nas minhas orações, 17para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória (do/ca), vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele” (Ef 1.16-17).

                Nós oramos ao Deus que é o nosso Pai. Paulo se refere a Ele como “Pai da glória”, ou, “Pai glorioso”. O nosso Deus é Pai e é glorioso. A glória é o que distingue e identifica a Deus como Deus.[1] Toda glória provém Dele e está nele. Todas as glórias estampadas na Criação são decorrentes dele.

            “É verdade que os mais ínfimos e mais insignificantes objetos, quer nos céus quer na terra, até certo ponto refletem a glória de Deus”, comenta Calvino.[2] Contudo, todas estas expressões da glória de Deus na Criação, ainda que reunidas, estão distantes de esgotar a glória do Ser de Deus. Não há glória real fora de Deus[3] ou de sua comunicação. Ele, somente Ele é o Pai da glória. Por isso, somente Ele é o Pai glorioso.

            A contemplação, ainda que diminuta, de sua gloriosa majestade, é-nos concedida para que o adoremos, como reverentemente pontuou Calvino:

Ora, visto que a majestade de Deus, em si mesma, vai além da capacidade humana de entendimento e não pode ser compreendida por ela, devemos adorar sua grandiosidade em vez de investigá-la, a fim de não permanecermos extasiados por tão grande esplendor. Assim, devemos buscar e considerar Deus em suas obras, que as Escrituras chamam de representações das coisas invisíveis (Rm 1.20; Hb 11.1), visto que estas obras representam, para nós, aquilo do Senhor que de outra forma não podemos ver. Ora, isso não mantém nosso espírito suspenso no ar através de especulações frívolas e vãs, mas é algo que devemos conhecer e que gera, nutre e confirma em nós uma piedade verdadeira e sólida, ou seja, uma fé unida ao temor reverente.[4] 

            Paulo já havia falado sobre aspectos esplêndidos da glória de Deus manifestados em nossa eleição e salvação com todos os ingredientes maravilhosos da soberania, bondade, amor e misericórdia de Deus. Portanto, aqui, não traz nenhum elemento novo. O Deus que eles conheciam é o Deus glorioso; o Deus e Senhor da glória (At 7.2; 1Co 2.8; Tg 2.1).

            O Deus a Quem oramos é o Deus glorioso, aquele que habita o céu. A glória de Deus é a beleza harmoniosa de suas perfeições e da sua obra salvadora; “é a refulgência da plenitude dos Seus atributos”, interpreta Ridderbos (1879-1960).[5]

            A glória de Deus é tão eterna quanto Ele o é. Nada nem ninguém pode lhe acrescentar ou diminuir glória. As suas obras revelam a nós aspectos de sua glória, mas, nada acrescentam.

            O Deus a Quem oramos é eternamente o Deus da glória: A Ele pertencem “o reino, o poder e a glória para sempre”(Mt 6.13). Não há glória fora de Deus porque toda glória procede dele e é preservada pelo seu glorioso poder.

            Portanto, a glória não está na Criação, mas, no Deus que cria e sustenta todas as coisas pelo seu poder. É por isso que uma tentação sutil, à qual estamos sujeitos, é nos deter na beleza da criação e não vermos nela, aspectos, da Glória do Criador.

            Outro extremo comum e destruidor, é não zelar pela Criação, como bem acentua Bavinck: “Uma doutrina da criação é o alicerce da cosmovisão bíblica e cristã. A criação não deve ser deificada nem desprezada, mas, como ‘teatro da glória de Deus’, deve ser desfrutada e usada com ponderação. Ela é a boa criação de Deus”.[6]

             A manifestação plena da glória de Deus conforme nos foi dada conhecer, está em Jesus Cristo. O Filho é “…. o resplendor da glória (do/ca) e a expressão exata do seu Ser….” (Hb 1.3/Jo 1.14; 1Pe 4.11). Ele também é o Senhor da glória: “Meus irmãos, não tenhais a fé em nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor[7] da glória (do/ca), em acepção de pessoas” (Tg 2.1).

            Jesus Cristo, nas horas que antecediam a sua autoentrega em favor do seu povo, ora ao Pai: “…. Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que o Filho te glorifique a ti (…). Eu te glorifiquei na terra, consumando a obra que me confiaste para fazer; e agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo”(Jo 17.1,4,5). O Deus Trino é o Senhor da glória. “O grande desejo de nosso Senhor em toda a Sua vida na terra era glorificar Seu Pai”, comenta Lloyd-Jones.[8]

            Quando oramos ao nosso Pai, devemos ter sempre presente em nossas mentes que estamos falando com o “Pai da glória” (Ef 1.17). A glória de Deus deve nos encher de admiração e reverente temor: O nosso Deus, com quem nos relacionamos real e pessoalmente, é um Pai e o Senhor da glória: A Paternidade de Deus nos aproxima; a sua glória nos dá a dimensão da sua grandeza e majestade (Santo temor).

            Por isso, a nossa oração deve vir acompanhada previamente do senso de adoração: Deus é o Senhor da glória.  E de gratidão: a nossa salvação é por meio de sua glória e para a sua glória.

            A glória de Deus se revela na Criação e na obra salvadora, por meio da qual Ele redime o seu povo. Nós podemos chamá-lo de Pai, porque Ele, na manifestação da sua glória, nos salvou.

            A Palavra de Deus nos diz: “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras das suas mãos” (Sl 19.1). “Em suas obras há glória e majestade, e a sua justiça permanece para sempre”(Sl 111.3).

            Deus declara diretamente: “A todos os que são chamados pelo meu nome, e os que criei para minha glória, e que formei e fiz” (Is 43.7. Vejam-se: Ef 1.6,12). A glória de Deus é o alvo da criação e, como homens e mulheres recriados em Cristo, como somos, devemos viver de forma intensa este propósito em nossos pensamentos, propósitos e atos.[9]

            Devemos destacar que nós oramos ao Pai, não ao Filho. Jesus Cristo é Deus. Ele é o nosso único mediador que nos conduz ao Pai. Oramos no nome de Cristo ao Pai.[10]

            Portanto, a nossa oração é marcada por reverente intimidade com o nosso Pai, que se designou assim e deseja que nos relacionamentos com Ele deste modo. Lloyd-Jones (1899-1981), coloca a questão de forma bíblica e terna:

Deus, afinal, quer que pensemos nele como nosso Pai. É uma espécie de antropomorfismo; é Deus condescendendo com nossa fraqueza. O pai humano gosta de ouvir o filho dizer coisas e contar-lhe coisas que Ele já sabe; não se aborrece com elas, nem considera perda de tempo. Ele deriva delas grande prazer, e devemos aprender disso que o nosso Pai celestial deleita-Se em ver que nos aproximamos dele e Lhe apresentamos nossas petições e razões.[11]

Maringá, 29 de maio de 2023.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]“Glória é Deus. Glória é a suma de todas as excelências, perfeições e atributos do Senhor Deus Todo-poderoso. (…) A característica suprema de Deus é glória. Ele o é em Si mesmo. Sua essência é gloriosa. Esta é indescritível, é perfeição absoluta” (D.M. Lloyd-Jones, O supremo propósito de Deus: Exposição sobre Efésios 1.1-23, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 321).

[2] João Calvino, O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 1999, v. 2, (Sl 65.8), p. 615.

[3]Veja-se: João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 1.17), p. 46.

[4]João Calvino, Instrução na Fé, Goiânia, GO: Logos Editora, 2003,Cap. 3, p. 13.

[5]J. Ridderbos, Isaías: Introdução e Comentário, São Paulo: Vida Nova; Mundo Cristão, 1986, (Is 6.1-4), p. 94. Veja-se: Thomas R. Schreiner, Uma Teologia bíblica da glória de Deus: In: S. Storms; J. Taylor, orgs. John Piper: ensaios em sua homenagem, São Paulo: Hagnos, 2013, p. 262.

[6]Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Deus e a Criação, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 2, p. 415-416. Veja-se: Hermisten M.P. Costa, O Deus que fala: um estudo do Salmo 19, Goiânia, GO.: Edições Vila Nova, 2016.

[7]A expressão Senhor não ocorre no original. Daí que uma tradução mais literal seria: “Jesus Cristo, de glória” ou “Jesus Cristo, a glória” (Ver: 1Co 2.8).

[8]D.M Lloyd-Jones, Salvos desde a eternidade, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 1), p. 47.

[9] Veja-se: John D. Hannah, Como glorificamos a Deus?: In: Richard D. Phillips, et. al., Série Fé Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2015, v. 2, p. 8-34.

[10]Vejam-se: D.M. Lloyd-Jones, O supremo propósito de Deus: exposição sobre Efésios 1.1-23, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 314-315.

[11]D.M. Lloyd-Jones, Seguros Mesmo no Mundo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2005 (Certeza Espiritual: v. 2), p. 10.

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