Uma fé que investiga e uma ciência que crê (13)


  1.4. Senhor e Rei de toda Terra (Continuação)

           Tomemos um caso específico. No Salmo 11 vemos que a vida de Davi está em perigo, os fundamentos do seu reino estão ameaçados; seus amigos aconselham-no a fugir para as montanhas onde teria melhor abrigo.

No entanto, o salmista indaga a respeito desta atitude, considerando-a inadequada (Sl 11.1-3). É possível[1] que este salmo tenha sido escrito no tempo em que Absalão preparava de forma sorrateira uma rebelião contra seu pai para tentar assumir o trono.[2]

            Em princípio o conselho que fora dado não lhe era estranho. Afinal, Davi já tivera a experiência de esconder-se nos montes devido à perseguição de Saul, no entanto o texto no livro de Samuel nos diz:“Permaneceu Davi no deserto, nos lugares seguros, e ficou na região montanhosa no deserto de Zife. Saul buscava-o todos os dias, porém Deus não o entregou na sua mão”(1Sm 23.14).

Um princípio teológico

            Davi sabia que quem lhe protegia não eram os montes, mas, Deus. Ele tinha consciência de que não podemos substituir Deus pelos montes. É Deus quem criou e sustenta os montes. Os montes podem servir como instrumentos de proteção, no entanto, quem nos protege é Deus. Por isso, Davi rejeita o conselho de seus amigos, porque se refugia em Deus (Sl 16.1; 36.7).[3]

            Davi também não apelou para uma suposta bondade sua, ou para uma pergunta retórica: “o que eu fiz para merecer isso?”, antes, tem uma perspectiva objetiva dos fatos, ainda que não se limite à percepção de seus conselheiros.

            Nesta rejeição, que poderia parecer mera teimosia, há, na realidade, uma questão de princípio teológico, uma experiência de fé. A nossa fé é sempre um transpirar de nossa teologia. Posso me valer da fuga, contudo, devo entender que, o meu socorro está em Deus. É dentro desta perspectiva que devo caminhar. A sua visão teológica regia a sua percepção e, consequentemente a sua atitude.

         Qual era, então, o fundamento de sua fé?

O salmista nos responde: “O SENHOR está no seu santo templo (lk’yhe) (heykal); nos céus tem o SENHOR seu trono (aSeK) (kisse) [4] os seus olhos estão atentos, as suas pálpebras sondam os filhos dos homens”(Sl 11.4).

Maringá, 29 de março de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Cf. C.F. Keil; F. Delitzsch, Commentary on the Old Testament, Grand Rapids, MI: Eerdmans, (1871), v. 5, (I/III), (Sl 11), p. 186.

[2] Há quem pense que o contexto deste salmo é o período no qual Davi fugia de Saul (João Calvino,O Livro dos Salmos,São Paulo: Paracletos, 1999, v. 1, (Sl 11), p. 233; F.B. Meyer, Joyas de los Salmos, 2. ed., Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones, 1972, p. 18; Leslie S. M’Caw, Salmos: In: F. Davidson, ed., O Novo Comentário da Bíblia, São Paulo: Vida Nova, 1976 (reimpressão), p. 508; J.A. Motyer, Salmos. In: D. A. Carson, et. al., orgs. Comentário Bíblico: Vida Nova, São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 747; Spurgeon e Simeon Cf. James M. Boice, Psalms: an expositional commentary, Grand Rapids, MI.: Baker Book House, 1994, v. 1, (Sl 11), p. 91). Se o Salmo foi escrito durante o período de Saul ou de Absalão, é uma “controvérsia perpétua” (Cf. Ernst W. Hengstenberger; John Thomson, Commentary of the Psalms, Tennessee: General Books, 2010 (Reprinted), (Sl 11), v. 1, p. 119). Por isso a indefinição: H.C. Leupold, Exposition of The Psalms, 6. impressão, Grand Rapids, MI.: Baker, 1979, p. 125. Para uma visão panorâmica das interpretações, veja-se: W.S. Plumer, Psalms, Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, © 1867, 1975 (Reprinted), p. 164. Especialmente devido à construção do verso três quando Davi fala de destruir os fundamentos, inclino-me a pensar que o Salmo foi escrito quando ele já era rei de Israel, havendo, portanto, uma subversão da ordem por meio de Absalão.

[3]“Guarda-me, ó Deus, porque em ti me refugio” (Sl 16.1). “Como é preciosa, ó Deus, a tua benignidade! Por isso, os filhos dos homens se acolhem à sombra das tuas asas” (Sl 36.7).

[4]Indica a realeza, perenidade, autopoder e o justo juízo de Deus. Ele é o Senhor dos senhores. Ele, com o seu poder estável e perene, é quem estabelece ou tira o trono do rei: “Porque sustentas o meu direito e a minha causa; no trono (aSeK) (kisse) te assentas e julgas retamente” (Sl 9.4).“Mas o SENHOR permanece no seu trono (aSeK) (kisse) eternamente, trono que erigiu para julgar” (Sl 9.7) “O teu trono (aSeK) (kisse), ó Deus, é para todo o sempre; cetro de equidade é o cetro do teu rei” (Sl 45.6). “Deus reina sobre as nações; Deus se assenta no seu santo trono (aSeK) (kisse) (Sl 47.8). “Justiça e direito são o fundamento do teu trono (aSeK) (kisse); graça e verdade te precedem” (Sl 89.14). “Desde a antiguidade, está firme o teu trono; tu és desde a eternidade” (Sl 93.2). “Nuvens e escuridão o rodeiam, justiça e juízo são a base do seu trono (aSeK) (kisse) (Sl 97.2). “Nos céus, estabeleceu o SENHOR o seu trono (aSeK) (kisse), e o seu reino domina sobre tudo” (Sl 103.19).“Tu, SENHOR, reinas eternamente, o teu trono (aSeK) (kisse) subsiste de geração em geração” (Lm 5.19). (Veja-se: John N. Oswalt, Kisse: In: R. Laird Harris, et. al., eds. Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 734-735).

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