Teologia da Evangelização (123)

4.3.1.2. A Riqueza da misericórdia de Deus

Por meio do Evangelho Deus revela aspectos gloriosos da riqueza de sua misericórdia em determinar salvar os pecadores justamente condenados, atraindo-os para si.

          Paulo diz que Deus é rico em sua bondade, tolerância e longanimidade visando conduzir os homens ao arrependimento: “Ou desprezas a riqueza (plou=toj) da sua bondade, e tolerância, e longanimidade, ignorando que a bondade de Deus é que te conduz ao arrependimento?” (Rm 2.4).

          Na salvação do seu povo Deus demonstra a riqueza de sua glória em manifestação de misericórdia. A sua misericórdia revela também o seu amor eterno que envolve o decreto salvador materializando-se na encarnação de Cristo:

Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de que também desse a conhecer as riquezas (plou=toj) da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão. (Rm 9.22-23).

          Em Cristo temos de forma plena a riqueza da graça de Deus manifestada sobre o povo de Deus:

5 nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, 6 para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado, 7 no qual temos a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza (plou=toj) da sua graça, 8 que Deus derramou abundantemente sobre nós em toda a sabedoria e prudência. (Ef 1.5-8).

          A misericórdia de Deus consiste em que seu Filho nos imputou a sua glória, levando sobre si a nossa desonrosa vergonha. Ele efetuou uma troca magnífica para nós, jamais imaginada por homem algum: Ele assumiu a nossa humanidade pecaminosa, pagou as nossas dívidas, garantiu definitivamente o nosso perdão e nos comunicou a glória de sua herança.

          Nas palavras de Bonhoeffer (1906-1945), “O misericordioso [Jesus Cristo] empresta a honra própria ao decaído e toma sobre si a sua vergonha”.[1]

4.3.1.3. A riqueza do Evangelho e a Igreja

Paulo ora pelos efésios para que o “Pai da glória” lhes concedesse a percepção correta do propósito glorioso de Deus para com a sua igreja: Iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza (plou=toj) da glória da sua herança nos santos” (Ef 1.18).

O apóstolo traça um paralelo entre a antiga vida dos efésios, dominada pelo pecado, morte e destruição, e a realidade presente, caracterizada pela transformação operada pela graça.

1Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, 2 nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; 3 entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais. 4Mas Deus, sendo rico (plou/sioj) em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, 5 e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, — pela graça sois salvos, 6 e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus; 7 para mostrar, nos séculos vindouros, a suprema riqueza (plou=toj) da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus. (Ef 2.1-7).

          Portanto, na igreja vemos aspectos sublimes da sabedoria de Deus,[2] que consiste no seu poder onisciente se concretizando de acordo com a sua santa vontade.[3]

Por isso, a igreja, em sua natureza e mensagem testemunha a “multiforme sabedoria de Deus”. Quer aqui, quer na eternidade a igreja permanecerá como testemunho, inclusive para os anjos,[4] das diversas perfeições de Deus que se agenciam em perfeita sabedoria para constituir, santificar e preservar a igreja: “Para que, pela igreja, a multiforme (*polupoi/kiloj) sabedoria de Deus se torne conhecida, agora, dos principados e potestades nos lugares celestiais” (Ef 3.10).

          Lloyd-Jones (1899-1981) comenta:

A Igreja é o meio pelo qual a sabedoria se torna manifesta. A Igreja é uma espécie de prisma posto no caminho da luz para repartir o resplendor nas cores do espectro. (…) É através da Igreja, como um meio, que os anjos têm recebido esta nova concepção da transcendente glória da sabedoria de Deus. (…) A Igreja Cristã é mais maravilhosa do que qualquer coisa visível na natureza. (…) Como membros do corpo de Cristo somos o mais maravilhoso fenômeno do universo, a coisa mais admirável que Deus fez. (…) A Igreja é o brilho mais esplendente da sabedoria de Deus. (…) A Igreja é a expressão final da sabedoria de Deus, a realidade que, acima de todas as demais, capacita até os anjos a compreenderem a sabedoria de Deus.[5]

          A riqueza da glória de Deus se manifesta também em nossa cotidianidade; em nossa manutenção e preservação. Deus cuida de nós não apenas externamente. Ele nos fortalece intimamente, alimentando, nutrindo a nossa alma, concedendo vigor à nossa resistência por meio da Palavra para os embates desta vida, aos quais estamos sujeitos, inclusive, como resultado de nossa fidelidade a Deus. Quando o homem interior é fortalecido pelo Espírito, toda a nossa estrutura também o é.

Sabendo que somente Deus pode nos fortalecer, Paulo ora a Ele neste sentido, para que a família da fé seja fortalecida no poder do Espírito: “Por esta causa, me ponho de joelhos diante do Pai, de quem toma o nome toda família, tanto no céu como sobre a terra, para que, segundo a riqueza (plou=toj) da sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito no homem interior” (Ef 3.14-16).

          Do mesmo modo Ele suplica para que Deus supra as necessidades da igreja de Filipos:     “E o meu Deus, segundo a sua riqueza (plou=toj) em glória, há de suprir, em Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades” (Fp 4.19).

          Deste modo, evangelizar envolve necessariamente o anúncio do santo, glorioso e eterno propósito de Deus para o Seu povo por meio de Jesus Cristo. De fato, ser o portador comissionado desta mensagem é uma graça concedida por Deus a todos os santos. Podemos, portanto, juntamente com o apóstolo Paulo, dizer de forma alegre e comprometida: “A mim, o menor de todos os santos, me foi dada esta graça de pregar aos gentios o evangelho das insondáveis riquezas de Cristo” (Ef 3.8).

Maringá, 23 de novembro de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Dietrich Bonhoeffer, Discipulado, 2. ed. São Leopoldo, RS.: Sinodal, 1984, p. 61. “Misericórdia é o princípio eterno da natureza de Deus que o leva a buscar o bem temporal e a salvação eterna dos que se opuseram à vontade dele, mesmo a custo do sacrifício próprio” (Augustus H. Strong, Teologia Sistemática, São Paulo: Hagnos, 2003, v. 1, p. 431).

[2]A sabedoria de Deus consiste na escolha dos melhores meios para a consecução de Seus santos propósitos. Outras definições: “A sabedoria de Deus é sua capacidade de selecionar os melhores meios para a obtenção do alvo mais elevado” (William Hendriksen, Romanos, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, (Rm 11.33), p. 510). “A sabedoria fala sobre o arranjo e a adaptação de todas as coisas para o cumprimento de seus santos propósitos” (John Murray, Romanos, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2003, (Rm 11.33-36), p. 469). “Podemos definir a sabedoria de Deus dizendo que é o atributo pelo qual Ele dispõe os Seus propósitos e os Seus planos, e dispõe os meios que produzem os resultados que Ele determinou” (D. Martyn Lloyd-Jones, As Insondáveis Riquezas de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 73).

[3] “A sabedoria de Deus poderia ser definida como a onisciência agindo com uma vontade santa” (John MacArthur, Deus: Face a face com sua majestade, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2013, p. 65).

[4]“A igreja (…) é um espelho no qual os anjos contemplam a portentosa sabedoria de Deus, a qual anteriormente não conheciam. Contemplam uma obra totalmente nova para eles, cuja forma estava oculta em Deus” (João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 3.10), p. 94).

[5]D. Martyn Lloyd-Jones, As Insondáveis Riquezas de Cristo, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 76-77. “Os anjos podem ver o poder de Deus na Criação, a ira de Deus no Monte Sinai e o amor de Deus no Calvário. Mas eles veem a sabedoria de Deus na Igreja” (John MacArthur, Deus: Face a face com sua majestade, São José dos Campos, SP.: Fiel, 2013, p. 68).

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