Os eleitos de Deus e o seu caminhar no tempo e no teatro de Deus (27)

10. O caminhar do eleito no tempo e no espaço de Deus

 

Retornando ao texto de Efésios, vemos que após tratar das questões mais eminentemente doutrinárias, Paulo, no capítulo 4, começa a aplicar de forma mais direta as implicações daqueles ensinos. Aliás, o capítulo primeiro dá a tônica de toda a Epístola: o propósito de Deus para com a Sua Igreja.

 

Este capítulo inicia-se com Paulo rogando aos irmãos à semelhança do que fizera em Romanos 12. É muita curiosa esta relação. Ali Paulo descreve a majestade de Deus, passando em seguida a rogar aos irmãos que se apresentem diante de Deus como um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus.

 

Em Efésios, após falar sobre o poder e glória de Deus, ele roga aos efésios que vivam de modo digno da vocação à qual foram chamados. O “pois” (ou)=n) estabelece a conexão com o que dissera antes, quer num contexto mais imediato ou, mais amplo, abrangendo tudo o que falara a respeito da grande obra de Cristo em favor da Sua Igreja.[1] Ou seja, Paulo relaciona de modo direto o Ser de Deus e os Seus atos gloriosos e eternos com a nossa vida. A consideração sobre a majestade e poder de Deus tem um reflexo objetivo em nosso comportamento. Aqui ele relaciona de modo determinante a fé com a prática cristã. Aliás, esta deve ser a conexão natural e indispensável: doutrina e vida.

 

Isto nós chamamos de integridade, o não esfacelamento condescendente e excludente daquilo que cremos, falamos e fazemos. Ainda que não haja a ideia de orgulho meritório na fé,[2] ela é responsável pelo nosso agir e pensar. “A fé não concerne a um setor particular da vida denominado religioso, ela se aplica à existência em sua totalidade”, escreveu Barth.[3] Contudo a genuína fé não pode ser autorreferente. Ela parte da Palavra e para lá se direciona.

 

Por buscarmos a coerência do crer e viver ‒ daí a extrema importância de uma fé inquiridora ‒[4] há compromissos sérios entre o que cremos e como agimos. Um distanciamento consciente e docemente acalentado e justificado entre o crer e o fazer, produz uma esquizofrenia intelectual, emocional e espiritual, cuja solução definitiva envolverá um destes caminhos: ou mudar a nossa crença, ou abandonar a nossa práxis.  “A fé cristã não é algo que se manifeste à superfície da vida de um homem, não é meramente uma espécie de camada de verniz. Não, mas é algo que está sucedendo no âmago mesmo de sua personalidade”, enfatiza Lloyd-Jones.[5]

 

Somos o que cremos – pelo menos, esta deve ser a nossa atitude cotidiana: esforçar-nos por viver conforme aprendemos nas Escrituras. A nossa fé tem implicações decisivas e fundamentais em nossa existência a começar aqui e agora. Fé cristã é crer de tal modo que buscamos transformar a nossa vida num reflexo daquilo que acreditamos.

 

A vida cristã envolve necessária e essencialmente integridade. Integridade significa busca da verdade, compreensão e vida. Nenhum de nós é absolutamente íntegro, contudo é impossível ser cristão sem esta busca de todo coração.[6]

 

Maringá, 21 de abril de 2019.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

 

*Leia esta série completa aqui.

 


[1] Ver: S.D.F Salmond, The Epistle of Paul to the Ephesians: In: W. Robertson  Nicoll, ed. The Expositor’s Greek Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 3, p. 319; D. Martyn Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1994, p. 11-20.

[2]“Não existe orgulho na fé. Fé é simplesmente a crença de que nada podemos fazer para nos salvar, mas que confiamos plenamente na graça de Deus” (Peter Jones, Verdades do evangelho x Mentiras pagãs, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 34).

[3]Karl Barth, Esboço de uma Dogmática, São Paulo: Fonte Editorial, 2006, p. 24.

[4]“A fé cristã não é uma fé apática, uma fé de cérebros mortos, mas uma fé viva, inquiridora. Como Anselmo afirmou, a nossa fé é uma fé que busca entendimento” (William L. Craig, Apologética Cristã para Questões difíceis da vida, São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 29. De igual modo: Garrett J. DeWeese; J.P. Moreland, Filosofia Concisa, São Paulo: Vida Nova, 2011, p. 158).

[5] David M. Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte, São Paulo: Editora Fiel, 1984, p. 89.

[6] “Para se viver com significado, é necessário descobrir a verdade, descobrir a realidade; uma vez descoberta, temos de viver em fidelidade para com a verdade. A integridade e a busca da verdade andam de mãos dadas” (Charles Colson; Harold Fickett, Uma boa vida, São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 174).

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