O Ser, as pessoas e as coisas: ontologia, epistemologia e ética (12)

5. O Deus da verdade 

     Etimologicamente, a ideia da palavra verdade (a)lh/qeia) é de “não ocultamento”, mostrando-se tal qual é em sua pureza, sem falsificação. A palavra confere o sentido de confiabilidade, autenticidade, honradez e segurança.

     Jesus diz ao Pai que proclamou a sua Palavra a qual é a verdade. Nela não há ambiguidade nem dupla intenção, antes, expressa as coisas como realmente são em sua natureza essencial.

            Analisemos alguns aspectos concernentes à verdade.

            A verdade em sua essência única é sempre ontológica.[1] Por isso, “a verdade fundamenta-se de modo permanente na razão das coisas e foi estabelecida por Deus”, conforme corretamente interpreta Agostinho.[2]

            Nós, na maioria das vezes, quando procuramos algo de real, buscamos o verdadeiro, sem termos, com frequência, o sentido da verdade. Somente Deus que é a verdade, pode revelar a verdade para que possamos ter o sentido do verdadeiro.

            É essa verdade que nos permite aceitar ou rejeitar o que se nos apresenta como verdadeiro. Sem verdade, não há essencialmente algo verdadeiro ou falso.

            O agnosticismo, conforme já tratamos, pode ser muito confortador em determinadas circunstâncias. Porém, ser for coerente com sua premissa, gera um colapso intelectual e ético. Se não for coerente, quem ousaria considerá-lo com seriedade?

            Visto que não tem preocupações com o que é verdadeiro, e que não crê na verdade, como pode então, sustentar paradoxalmente que o seu ponto seja verdadeiro, tentado assim justificá-lo com algum fundamento que crer ser a verdade?

            Agostinho (354-430) escreveu com discernimento:

Por consequência, quem quer que duvide da existência da verdade, possui em si mesmo, algo verdadeiro, de onde tira todo fundamento para a sua dúvida. Ora todo verdadeiro, só é verdadeiro pela verdade. Não possui, pois, o direito de duvidar da existência da verdade aquele que de um modo ou outro chegou à dúvida. (…)  Não é o ato de reflexão que cria as verdades. Ele somente as constata. Portanto, antes de serem constatadas, elas permaneciam em si, e uma vez constatadas essas verdades nos renovam.[3]

A verdade percebida por Deus

            A verdade revelada nas Escrituras é a realidade como Deus a percebe. Deus percebe as coisas como são. Somente Deus, e mais ninguém, tem um conhecimento objetivo da realidade. As coisas são como são porque de alguma forma Deus as sustenta. Antes de atribuirmos valor à verdade, ela já o tem porque foi Deus quem a criou e lhe confere significado.

MacArthur comenta: “A verdade é aquilo que é consistente com a mente, a vontade, o caráter, a glória e o ser de Deus. Sendo mais preciso: a verdade é a autoexpressão de Deus”.[4]

            A verdade é uma expressão de Deus em si mesmo e na Criação. Deus é a verdade, opera por meio da verdade e nos conduz à verdade. A graça de Deus opera pela verdade e, nesta verdade que foi ouvida e compreendida, frutificamos (Cl 1.6).

     Sem a historicidade da morte e ressurreição não há o que fazer. Permaneceríamos em nossos pecados, fadados à condenação eterna. É por isso que a mensagem cristã é uma mensagem verdadeira e urgente.

     O Cristianismo revela a sua coerência lógica e espiritual pelo seu comprometimento com a verdade. Não há relevância na mentira. A proclamação cristã insiste no fato de que Deus é verdadeiro e que ele se revela, dando-se a conhecer. As Escrituras enfatizam esta realidade que confere sentido a toda a nossa existência, quer aqui, quer na eternidade. Deus é transcendente e pessoal. Ele se relaciona pessoalmente conosco.

     Na sua oração Jesus declara a certeza da veracidade da palavra de Deus: “A Tua Palavra é a verdade (a)lh/qeia) (Jo 17.17). Continua: “E a favor deles eu me santifico a mim mesmo, para que eles também sejam santificados na verdade (a)lh/qeia) (Jo 17.19).

     Jesus Cristo nos diz não que a Palavra de Deus se harmoniza com algum outro padrão distinto decorrendo daí a sua veracidade, antes, o que Ele afirma, é que a sua Palavra é a própria verdade, o padrão de verdade ao qual qualquer alegação pretensamente verdadeira deverá se adequar.[5] E mais: por mais verdadeiras que sejam nossas pesquisas e descobertas, se desconsiderarem as Escrituras, serão, no mínimo incompletas.

     Tomo aqui a arguta observação de Van Til:

Não há nada neste universo sobre o qual os seres humanos possam ter informação completa e verdadeira, exceto se levarem a Bíblia em consideração. Não queremos dizer, é claro, que alguém deve recorrer à Bíblia, em vez de ir ao laboratório, se pretende estudar a anatomia de uma serpente. Mas se alguém vai apenas ao laboratório, e não também à Bíblia, não terá uma interpretação correta, ou mesmo verdadeira, acerca da serpente.[6]

São Paulo, 29 de junho de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa



[1]“A verdade de Deus é única” (João Calvino, As Pastorais,São Paulo: Paracletos,1998, (1Tm 1.3), p. 28).

[2]Agostinho, A Doutrina Cristã, São Paulo: Paulinas, 1991, II.33. p. 140-141.

[3] Agostinho, A Verdadeira Religião, São Paulo: Paulinas, 1987, XXXIX.73. p. 108.

[4]John F. MacArthur, Jr., A guerra pela verdade: lutando por certeza numa época de engano, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2008, p. 30.

[5]Veja-se: Wayne A. Grudem,  Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 53-54.

[6]Cornelius Van Til, Apologética Cristã,  São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 21.

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