O Ser, as pessoas e as coisas: ontologia, epistemologia e ética (11)

4. O Deus que cria, preserva e transforma

            Nas Bodas de Caná da Galiléia, Jesus Cristo evidencia a sua divindade mudando a essência da água em vinho, não havendo mistura nem fórmulas para isso. Ele, como Deus que é, pode fazer isso e mais ninguém.

            A mudança essencial mais poderosa que podemos constatar em nosso existência é a transformação de um coração. Somente Deus pode e de fato transforma corações de pedra em coração de carne. Essa mudança não é física, mas, essencial e escapa à nossa compreensão. Cremos nisso porque vemos os seus efeitos das Escrituras, na história e em nossa própria vida.

            Antes de termos valor socialmente reconhecido  – ou exagerado por nós mesmos –, o que somos, tem o seu fundamento em Deus que nos criou como uma identidade própria e nos preserva. Assim sendo, aos olhos de Deus, não podemos ser mais nem menos do que somos em essência. Ele sabe o que somos, afinal Ele é quem atua constantemente em nossa preservação. Nele vivemos, nos movemos e existimos.

            Isso traz uma implicação séria. Devemos desejar existir de forma coerente com o que somos em Cristo. Deus revela em sua Palavra o que somos. O que as pessoas dizem que somos, julgando a nossa aparência ou a nossa situação circunstancial, não muda o que somos. Assim sendo, Deus é quem diz o que de fato somos.

Idolatria social

            Por outro lado, desejar representar um papel social por meio de sinais externos de poder, como pompa, títulos, influência ou bens, se constitui em uma tentativa de existir alheado do que Deus deseja para nós. O nosso existir não deve consistir em uma falseado essencial por meio de uma máscara existencial.

            Por traz dessas observações está um conceito realista bíblico. Ninguém pode nos separar do amor de Deus, ninguém pode eliminar o fato de que somos a imagem de Deus, ainda que deteriorada após o pecado. Mas, também, ninguém pode nos fazer uma super imagem de Deus. Vemos então, que muito de nossos desejos de riqueza, poder, fama e sucesso, não passa de uma tentativa de negar a Deus, vivendo como se Ele não fosse Deus, idolatrando o nosso desejo.

            Deus é Deus. Ele nos conhece. Afinal, nos criou e sustenta. Quão infantil é o ateísmo teórico e prático. 

Somos o que Deus diz que somos

            Insistimos, portanto no fato de que as coisas antes de terem valor de  existência, já receberam esse valor de Deus. A criação não está solta em busca de significado, mas, o significado da realidade está em Deus que cria e preserva todas as coisas. Permanece o conceito de Agostinho a respeito da essência das coisas: A verdade é o que é.[1]

            Por isso, o sentido essencial do nosso existir está na verdade, já que, como escreveu Agostinho, “só a verdade, que torna verdadeiras todas as coisas, faz-nos felizes”.[2]

            A vida cristã não se caracteriza simplesmente por sustentar ideias corretas e ter uma visão mais ampla da realidade; mas, também, em proceder corretamente de acordo com a amplitude da realidade revelada. A ação cristã deve ser acompanhada de motivação e espírito condizentes com a fé cristã, filha de nossa eleição eterna.

Maringá, 25 de junho de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Cf. Agostinho, Solilóquios, São Paulo, Paulinas, 1993, II.5.8. p. 76-77.

[2]Agostinho, Comentário aos Salmos,  São Paulo: Paulus, 1997, v. 1, (Sl 4), p. 41-42.

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