Eu lhes tenho dado a tua Palavra (Jo 17.1-26) (88)

a) Conhecimento genuíno, intenso e prático (continuação)

Todos somos incapazes de entender os “mistérios de Deus” até que Ele mesmo por sua graça nos ilumine.[1] “A Palavra de Deus é uma espécie de sabedoria oculta, a cuja profundidade a frágil mente humana não pode alcançar. Assim, a luz brilha nas trevas, até que o Espírito abra os olhos ao cego”, resume Calvino.[2]

A voz de Deus é única, no sentido de que, não há contradição.      Originalmente, Deus se revelou na Criação. Criação é sinônimo de revelação: no Éden só havia um livro – o livro da Natureza. Todavia, com o pecado, a Natureza também sofreu as consequências. Ficou obscurecida. Perdeu parte da sua eloquência primeva em apontar para o seu Criador (Gn 3.17-19).[3] E como parte do castigo pelo pecado, o homem perdeu o discernimento espiritual para ver a glória de Deus manifesta na Criação (Sl 19.1; Rm 1.18-23).

A Revelação Geral que fora adequada para as necessidades do homem no Éden – embora saibamos que ali também se deu a Revelação Especial (Gn 2.15-17,19,22; 3.8ss.) – tornou-se, agora, incompleta e ineficiente[4] para conduzi-lo a um relacionamento pessoal e consciente com Deus.

No entanto, em sua revelação (Geral e Especial) haverá sempre uma multiforme e harmoniosa mensagem a respeito de glória de Deus e da necessidade de nosso retorno à comunhão com o nosso Criador.

Se Deus pelo Espírito não iluminar a nossa mente, desobstruindo os nossos olhos, jamais a entenderemos salvadoramente.[5] Portanto, quando o Espírito aplica a Palavra ao nosso coração, Ele produz a sua boa obra em nós, gerando a fé salvadora que se direciona para Cristo e para os feitos de sua redenção.[6] Paulo, portanto, está correto em pedir a Deus que conceda aos efésios Espírito de sabedoria e de revelação.

Aos filipenses, enquanto escreve, interrompe com esta oração: “E também faço esta oração: que o vosso amor aumente (perisseu/w)[7] mais e mais em pleno conhecimento (e)pi/gnwsij) e toda a percepção”(Fp 1.9).

No mesmo sentido ora o apóstolo Pedro:

Graça e paz vos sejam multiplicadas, no pleno conhecimento (e)pi/gnwsij) de Deus e de Jesus, nosso Senhor. Visto como, pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo (e)pi/gnwsij) daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude. (2Pe 1.2-3).

Por mais sábios espiritualmente que sejamos, esta é uma Escola da qual jamais poderemos nos afastar. É preciso continuar aprendendo sempre. Os efésios conheciam a Palavra, porém, estavam começando; estavam apenas no início da vida cristã. Como é natural, na escola da fé, ninguém nasce maduro. É preciso, continuar, seguir em frente. Deus propicia os meios para isso.

Paulo, ensinou, pregou, escreveu e ora pelos efésios. Pedro fala que este conhecimento de Deus aliado às diversas virtudes cristãs, não se torna inativo, antes frutuoso: “Porque estas coisas, existindo em vós e em vós aumentando, fazem com que não sejais nem inativos, nem infrutuosos no pleno conhecimento(e)pi/gnwsij) de nosso Senhor Jesus Cristo” (2Pe 1.8).

Isto implica reafirmar que a nossa santidade passa necessariamente pelo conhecimento de Deus e, que a santificação tem não simplesmente um sentido subjetivo, mas, também, objetivo, em nossas relações externas.[8]

Portanto, a santidade cristã, tendo como modelo a santidade perfeita de Deus,[9] evidencia-se em todas as nossas relações:

Segundo é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento (a)nastrofh/), porque escrito está: Sede santos, porque eu sou santo. Ora, se invocais como Pai aquele que, sem acepção de pessoas, julga segundo as obras de cada um, portai-vos (a)nastre/fw)[10] com temor durante o tempo da vossa peregrinação. (1Pe 1.15-17).

Por isso, “a santificação pode ser chamada de coroa de realização do caráter humano”, conclui Schultz (1927-2003).[11]

Maringá, 04 de julho de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Cf. João Calvino, As Institutas,II.2.21.

[2] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 2.11), p. 89.

[3]Groningen acentua: “O Senhor soberano julgou necessário revelar explicitamente a natureza de sua relação pactual com a humanidade. Ele fez isto antes do homem cair em pecado. Depois da queda, isto se tornou ainda mais necessário devido aos efeitos do pecado” (Gerard Van Groningen, Revelação Messiânica no Velho Testamento, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1995, p. 63).

[4] Vejam-se: B.B. Warfield, Revelation and Inspiration: In: The Works of Benjamin B. Warfield, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1981, p. 7ss.; Herman Bavinck, Dogmática Reformada: Prolegômena, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 1, p. 312ss.; William G.T. Shedd, Dogmatic Theology, Grand Rapids, MI.: Zondervan, (s.d.), v. 1, p. 66ss.). A revelação Geral é “tênue e obscura para a humanidade pecadora, e mesmo para a humanidade redimida” (Gerard Van Groningen, Revelação Messiânica no Velho Testamento, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1995, p. 64).

[5]Vejam-se: João Calvino, As Institutas,III.2.33; Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, Jenison, Michigan: T.E.L.L., 1988, (Sermon nº 17), p. 208; John Calvin, Commentary on the Book of the Prophet Isaiah, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, (Calvin’s Commentaries), 1996, v. 8/4, (Is 59.21), p. 271.

[6]Cf. William Hendriksen, O Evangelho de João,São Paulo: Cultura Cristã, 2004, (Jo 17.20), p. 772.

[7] perisseu/w = crescer, abundar, exceder, encher, transbordar, progredir. (Vejam-se: Mt 5.20; At 16.5; Rm 5.15; 15.13; 1Co 15.58; 2Co 1.5; 8.2,7; 9.8; Ef 1.8; Fp 1.26; 4.12, 18; 1Ts 3.12; 4.1,10).

[8] Ver: Joseph R. Schultz, Santificação: In: Carl F.H. Henry, org. Dicionário de Ética Cristã, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 537.

[9] “O início mesmo da santificação é a doutrina da Pessoa e do Ser de Deus” (D.M. Lloyd-Jones, Santificados Mediante a Verdade, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, (Certeza Espiritual, v. 3), 2006, p. 99).

[10]Tanto o substantivo “procedimento” (a)nastrofh/) como o verbo (a)nastre/fw) têm o sentido literal de: “volta para trás”, “entornar”, “derrubar”. O sentido figurado, conforme emprega Pedro, é de “comportamento”, “condução”, “modo de vida”, “estilo de vida”, “conversação”, “conduta”, etc. Como o verbo e o substantivo são neutros, o adjetivo é que vai qualificar o procedimento.

[11]Joseph R. Schultz, Santificação: In: Carl F.H. Henry, org. Dicionário de Ética Cristã, p. 538.

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