Eu lhes tenho dado a tua Palavra (Jo 17.1-26) (89)

b) Conhecimento da Santidade de Deus

Deus deseja se relacionar conosco. A vontade de Deus é que o conheçamos – aliás, este é o motivo fundamental da sua revelação –, para que, confrontados com ela, nos rendamos a Ele, o adoremos, e, neste ato, sejamos santificados cada vez mais nos alegrando em sua comunhão. Jesus ora: “E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (Jo 17.3).

Paulo considerou todas as outras coisas como perda, diante da realidade sublime do conhecimento de Cristo. Conhecer a Cristo era a sua prioridade. Ele declara: “Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus meu Senhor: por amor do qual perdi todas as cousas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo” (Fp 3.8).

Conhecer a Deus é deparar-nos com a sua santa majestade e, ao mesmo tempo, termos maior clareza de nosso pecado, daí o sentimento de pequenez, pecaminosidade e perdição. “O conhecimento de Cristo é a chave que abre a porta para a santificação”, expressou corretamente Shedd (1929-2016).[1]

O caminho da santificação passa invariavelmente pelo conhecimento de Deus, conforme Ele mesmo se revelou por meio das Escrituras, envolvendo uma experiência de vida. Este conhecimento é vivificador e libertador. “É quando fitamos a face de Deus que percebemos a necessidade de santificação, e nos é exposto o meio pelo qual pode ser realizada a nossa santificação, e é função do Espírito fazê-lo”, comenta Lloyd-Jones.[2]

Como temos insistido, a vida cristã é mais do que uma simples relação de intelecto ou, mesmo, uma mera experiência. No entanto, o ser mais do que isso não diminui nem exclui o aspecto intelectual e experiencial, antes os engloba.

O conhecimento de Deus é um envolvimento de fé, pelo qual nos relacionamos pessoalmente com Ele, revelando esta relação em santificação.

Calvino relaciona o conhecimento com a fé e a santificação:

Ora, visto que a fé abraça a Cristo como Ele nos é oferecido pelo Pai, e Aquele, de fato, seja oferecido não apenas como justiça, remissão dos pecados e paz, mas também como santificação, e fonte de água viva, sem dúvida, jamais o poderá alguém conhecer devidamente que não apreenda ao mesmo tempo a santificação do Espírito (…). A fé consiste no conhecimento de Cristo. E Cristo não pode ser conhecido senão em conjunção com a santificação do Seu Espírito. Segue-se, consequentemente, que de modo nenhum a fé se deve separar do afeto piedoso.[3]

A contemplação do Deus das Escrituras é um convite irrestrito ao nosso crescimento espiritual. Nada mais esclarecedor a nosso respeito do que uma visão real da grandeza de Deus: contemplar a Deus, por meio da sua revelação, significa ter os nossos olhos abertos para a nossa necessidade de santidade, de crescimento e fortalecimento em nossa fé.

O nosso confronto com a santidade de Deus deve nos estimular a sentir o mesmo desejo, conforme o vivenciado e recomendado por Pedro: “Desejai ardentemente, como crianças recém-nascidas, o genuíno leite espiritual, para que por ele vos seja dado crescimento para a salvação” (1Pe 2.2).

Devido à depravação de nossa natureza, todos pecamos e somos responsáveis diante de Deus. Conforme já enfatizamos, a proximidade de Deus nos faz mais sensíveis a isto. A contemplação da sua gloriosa santidade dá-nos consciência de forma insofismável a gravidade e intensidade de nossa miserabilidade.

Diversos servos de Deus ilustram este fato: Pedro, após pesca maravilhosa, registra Lucas,“prostrou-se aos pés de Jesus, dizendo: Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador” (Lc 5.8).

Algo muito curioso aconteceu aqui. Aqueles que conheciam a Cristo, em geral, desejavam a sua presença, ouvir suas palavras e usufruir de seus poderes. Pedro, no entanto, quando se depara com Cristo, vendo de forma estupefata o seu poder, se aterroriza de si mesmo: “Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador” (Lc 5.8).

O brilho da glória de sua majestade torna mais patente as nossas manchas espirituais. Foi esta a experiência de Isaías diante da revelação de Deus: “Ai de mim! Estou perdido! porque sou homem de lábios impuros, habito no meio dum povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos”(Is 6.5).

Paulo, o apóstolo de Cristo, que tinha uma visão correta da glória de Deus e da sua dimensão espiritual, escreve: “Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal” (1Tm 1.15). Esta experiência foi comum a diversos servos de Deus: Moisés, Jó, Isaías, Ezequiel, Daniel e João (Vejam-se: Ex 3.6; Jó 42.5-6; Is 6.1-5; Ez 1.28; Dn 10.9; Ap 1.17). 

Pecadores não arrependidos não podem se sentir à vontade na presença do Deus santo.[4]

O fato é que jamais poderemos ser santos sem que antes e durante, tenhamos a consciência de nosso pecado.

De modo enfático assevera Lloyd-Jones (1899-1981): “Nunca houve um santo sobre a face da terra que não tenha visto a si mesmo como um vil pecador; de modo que se você não sente que é um vil pecador, não é parecido com os santos”.[5]

No entanto, como o nosso conhecimento de Deus é menor do que estes homens tiveram, a nossa consciência do pecado também é diminuta. A contemplação da santidade de Deus ilumina as nossas trevas, mostrando-nos como realmente somos e o quanto necessitamos de Deus.

A consciência de nossa pecaminosidade nos acompanhará sempre e, se me permitem, digo mais: ela é uma das características dos homens regenerados, que crescem em sua fé.[6]

Quanto mais perto estivermos do Santo, mais certeza da nossa impureza teremos. Antes, talvez não julgássemos pecado determinadas práticas triviais de nossa vida; agora, porém, já não nos sentimos bem neste procedimento, temos uma consciência mais apurada da santidade de Deus e do que Ele requer de nós; assim, crescer em santidade significa aprimorar a consciência de nossas falhas.

Calvino enfatizou que “quanto mais eminentemente alguém se destaca em santidade, mais ele se sente destituído da perfeita justiça e mais que claramente percebe que em nada pode confiar senão unicamente na misericórdia de Deus”.[7]

Do mesmo modo, Murray (1898-1974):

Quanto mais profunda é a sua percepção da majestade de Deus, maior será a intensidade de seu amor a Deus; quanto maior a sua persistência na busca de alcançar o prêmio da sublime vocação de Deus em Cristo, maior será a sua consciência da seriedade do pecado que permanece nela, e mais penetrante será sua repugnância por ele.[8]

O nosso conforto é que mesmo Deus sendo santo, não podendo conviver com o pecado, odiando a iniquidade (Is 61.8), e nós sendo miseráveis pecadores, Ele nos perdoa e purifica quando, arrependidos, lhe confessamos os nossos pecados: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1Jo 1.9).

O conhecimento de Deus é uma experiência de amor, que se revela em nossa obediência aos seus mandamentos.

Maringá, 04 de julho de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Russell P. Shedd,Lei, Graça e Santificação, São Paulo: Vida Nova, 1990, p. 60.

[2]D.M. Lloyd-Jones,  Vida No Espírito: No Casamento, no Lar e no Trabalho, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 133.

[3] J. Calvino,  As Institutas,III.2.8.

[4] Sproul desenvolve esse argumento de forma habilidosa e edificante. Veja-se: R.C. Sproul, A santidade de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 1997, p. 66ss.

[5] David M. Lloyd-Jones, O Clamor de um Desviado: Estudos sobre o Salmo 51,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1997, p. 40.

[6] Ver: Catecismo de Heidelberg, Pergunta 115. (Vejam-se também, as Perguntas: 13,42,43,56,60, 62,70, 81, 103, 117, 126).

[7] João Calvino, O Livro dos Salmos,v. 2, (Sl 32.1), p. 42.

[8]John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada,p. 161.

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