“Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (47)


 5.2. O Que é Santificação

Toda fé adulta teve outrora seu período de infância; nem ela é tão perfeita em alguém que não haja mais qualquer necessidade de progresso. Portanto, aqueles que já eram crentes, passam a crer ainda mais, enquanto fazem progresso diariamente rumo ao alvo. E, assim, aqueles que já alcançaram os primórdios da fé, que então se esforcem continuamente para obter progresso. – João Calvino.[1]

           Quando fomos convertidos por Deus, fomos santificados, separados do mundo para Deus. Ato contínuo, iniciou-se o processo de santificação: de crescimento espiritual, que consiste no abandono do velho modo de vida e uma progressão rumo à obediência perfeita à vontade de Deus. A santificação, portanto, começa pelo restabelecimento de nossa comunhão com Deus em Cristo Jesus.[2] Não há santificação sem restauração à comunhão com Deus.

            Hodge (1823-1886), assim define: “A santificação é a obra sustentadora e desenvolvedora do Espírito Santo sujeitando todas as faculdades da alma cada vez mais perfeitamente à influência purificadora e reguladora do princípio de vida espiritual implantado”.[3]

Packer enfatiza o aspecto pedagógico da santificação, definindo-a como “um processo educacional, planejado e programado por Deus com o propósito de nos refinar, purificar, animar, firmar e amadurecer. Por meio dele, Deus nos leva, progressivamente, à forma moral e espiritual que ele quer que alcancemos”.[4]

5.3. O poder de Deus em nossa santificação

Para nós não há pior obstáculo do que nosso orgulho pessoal; pois sempre queremos ser mais sábios do que o somos, e por isso rejeitamos com diabólico orgulho tudo quanto nossa própria razão não pode explicar, como se fosse justo limitar o infinito poder de Deus segundo nossa tacanha capacidade. Em certa medida, é justo inquirirmos sobre o método e a razão das obras de Deus, contanto que seja com sobriedade e reverência. − João Calvino.[5]

        Façamos uma digressão tomando outra oração. Ele toma um fato histórico no qual o poder de Deus se manifestou de forma cabal e gloriosa: na ressurreição do Senhor Jesus e na sua glorificação. Diz o apóstolo:

15 Por isso, também eu, tendo ouvido a fé que há entre vós no Senhor Jesus e o amor para com todos os santos,  16 não cesso de dar graças por vós, fazendo menção de vós nas minhas orações,  17 para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele, 19E qual a suprema (u(perba/llw) grandeza (me/geqoj) do seu poder (du/namij) para com os que cremos (pisteu/w), segundo a eficácia (e)ne/rgeia) da força (kra/toj) do seu poder (i)sxu/j); 20o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais, 21acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir não só no presente século, mas também no vindouro. (Ef 1.19-21).

            O apóstolo se vale de seis termos que, associados, conferem um sentido por demais grandioso, ainda que limitado,  para descrever a supremacia gloriosa do poder de Deus. Assim, ele fala de:

a) “Suprema” (u(perba/llw) (= “ir além”, “superar”)(19). De onde vem a nossa palavra hipérbole. Tanto o verbo como o substantivo (u(perbolh/) são empregados unicamente por Paulo no Novo Testamento. O verbo é traduzido por “sobre-excelente” (2Co 3.10); “superabundante” (2Co 9.14); “suprema” (Ef 1.19; 2.7); “que excede” (Ef 3.19). O substantivo, é traduzido por “sobremaneira” (Rm 7.13; Gl 1.13); “sobremodo excelente” (1Co 12.31); “excessivamente” (2Co 1.8); “excelência” (2Co 4.7); “acima de toda comparação” (2Co 4.17); “grandeza” (2Co 12.7).

b) “Grandeza” (me/geqoj) (19). Só ocorre aqui. A palavra é empregada para descrever a grandeza física ou espiritual.[6]

c) “Poder” (du/namij) (19). Possivelmente esta seja a palavra mais utilizada no Novo Testamento para descrever o poder de Deus.

d) “Eficácia” (e)ne/rgeia) (19).[7] De onde vem a nossa palavra “energia”. A palavra aponta para uma ação eficaz em atividade com vistas à concretização de seu propósito.

Este substantivo pode também ser traduzido por “força operante” (Ef 3.7); “cooperação” (Ef 4.16); “poder” (Cl 2.12); “operação” (2Ts 2.11).

E)ne/rgeia e seus derivados, no NT, descrevem sempre um poder eficaz em atividade sobre-humana, por meio da qual a natureza de quem a exerce se revela.[8]

e) “Força” (kra/toj) (19).[9] Este substantivo também pode ser traduzido por “Valorosamente” (Lc 1.51); “Poderosamente” (At 19.20); “Poder” (1Tm 6.16; Hb 2.14); “Domínio” (1Pe 4.11; 5.11; Ap 1.6; 5.13); “Império” (Jd 25). Aponta para o poder que alguém possui ou, que é decorrente da sua posição. Na LXX, na maioria das vezes a palavra está associada ao poder de Deus (Sl 62.11).

f) “Poder” (i)sxu/j) (19).[10] Também é traduzido no Novo Testamento por “Força” (Mc 12.30.33; Lc 10.27; 1Pe 4.11; 2Pe 2.11; Ap 5.12; 7.12; 18.2).[11] Tem o sentido de “poder fazer algo”, “ter a capacidade de”, podendo ser aplicado à capacidade de exercer tal poder ou força.

  Em nenhum outro texto estas palavras ocorrem de forma associada como aqui. Paulo quer enfatizar de várias maneiras a supremacia de Deus sobre todas as coisas, evidenciando que Ele opera com todo seu poder, força, grandeza e eficácia em nossa vida, os que cremos.

Paulo ora para que Deus desvende os nossos olhos para que vejamos, entre outras coisas, a suprema grandeza do seu poder manifestado em nossa vida.[12]

Maringá, 17 de maio de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 2.11), p. 95.

[2] “A santificação é questão de estarmos corretamente relacionados com Deus e de nos tornarmos inteiramente devotados a Ele. Santificação é tornar-me positivamente santo”  (D.M. Lloyd-Jones, Santificados Mediante a Verdade, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, (Certeza Espiritual, Vol. 3), 2006, p. 91). À frente: “Santificação é ser devotado a Deus, não somente ser separado do mundo, e sim separado para Deus e para compartilhar Sua vida – santidade positiva” (D.M. Lloyd-Jones, Santificados Mediante a Verdade, p. 91).

[3] A.A. Hodge, Esboços de Theologia, Lisboa: Barata & Sanches, 1895, p. 489.

[4] J. I. Packer, A Redescoberta da Santidade, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 14. Outra boa definição temos em Milne: “A santificação é essencialmente o processo mediante o qual o Espírito torna cada vez mais real em nossa vida nossa união com Cristo em sua morte e ressurreição” (Bruce Milne, Conheça a Verdade, São Paulo: ABU Editora, 1987, p. 200).

[5]João Calvino, O evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1, (Jo 3.9), p. 124-125.

[6]Cf. W. Grundmann, Me/gaj: In: G. Kittel; G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament,Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), v. 4, p. 544.

[7] Fp 3.21; Cl 1.19; 2Ts 2.9.

[8]Veja-se: William Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1988, p. 51-57.

[9] Ef 1.19; 6.10; Cl 1.11.

[10] Ef 1.19; 6.10; 2Ts 1.9.

[11]Aqui temos uma variante textual.

[12]Ver também: Ef 3.16,20; Fp 3.10; Cl 1.9-11; 1Pe 1.5.

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