“Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (57)

5.7. A Santificação e a responsabilidade do crente

   Conforme temos insistido, a justificação é uma pré-condição para a santificação. Vimos também que ambos os aspectos de nossa salvação ocorrem juntos, no sentido de que a justificação é um ato de Deus  por meio do qual nos declara justos em Cristo Jesus.[1] A santificação é uma ação graciosa e contínua de Deus em nossa vida nos conduzindo à conformidade da  imagem de seu Filho, Jesus Cristo.

            Um grave problema que gostaria de mencionar rapidamente aqui, é a confusão que costuma ser feita resultante da inversão dessa ordem. Nesse caso a pessoa  consideraria que a santificação os conduziria a justificação. Ou seja, a nossa suposta atitude de obediência e boas ações, nos conduziria a sermos aceitos por Deus, sendo, portanto, justificados. Na realidade nada que podemos fazer por nós mesmos pode ser aceito pelo Deus santo que não tolera o mal. Somente pela fé em Cristo, o Deus encarnado, e nos  seus merecimentos, poderemos nos tornar agradáveis a Deus.

            Todo o nosso pensar, sentir e agir, estão contaminados em maior ou menor grau pelo pecado. Por isso, a ordem destes aspectos magníficos da vida cristã jamais podem ser separados sem perdermos a dimensão da soberana graça de Deus em Cristo. Portanto, não há espaço nem para a separação entre a justificação e a santificação, nem inversão. Dito isso continuemos em nossa exposição

Vocação à santidade

Em um mundo de incertezas próprias de nossa condição de criaturas frágeis,[2] podemos ter uma convicção que emana da Palavra: Deus nos chama eficazmente por sua livre vontade e graça. O chamado de Deus é eficaz porque Ele é completo no seu propósito: “Que nos salvou e nos chamou (kale/w) com santa vocação (klh=sij);[3] não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos” (2Tm 1.9). (Rm 8.30; Gl 1.15).[4]

Na Igreja de Deus, constituída de todos os seus servos, judeus e gentios, vemos aspectos da riqueza da glória dele em misericórdia, conforme escreve Paulo:

23 A fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão, 24 os quais somos nós, a quem também chamou (kale/w), não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios? 25 Assim como também diz em Oséias: Chamarei (kale/w) povo meu ao que não era meu povo; e amada, à que não era amada; 26 e no lugar em que se lhes disse: Vós não sois meu povo, ali mesmo serão chamados (kale/w) filhos do Deus vivo. (Rm 9.23-26).

Deus nos atrai para si, visto que Ele “…. nos chamou (kale/w) para a sua própria glória e virtude” (2Pe 1.3); à comunhão de seu Filho e à “koinonia” da igreja (1Co 1.26; Ef 4.1; Cl 3.15): “Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados (kale/w) à comunhão (koinwni/a) de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (1Co 1.9).

A nossa vocação não tem nada em si mesma que possa motivar o nosso orgulho já que o próprio Senhor diz: “….Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes; não vim chamar (kale/w) justos, e sim pecadores” (Mc 2.17).

Somos chamados na “graça de Cristo” (Gl 1.6). À vaidosa igreja de Corinto, Paulo é bastante enfático: “Irmãos, reparai, pois, na vossa vocação (klh=sij); visto que não foram chamados muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento” (1Co 1.26).

            Ele é fiel: “Fiel é o que vos chama (kale/w)….” (1Ts 5.24). O Deus santo nos chama à sua santidade por meio de uma santa vocação: “…. segundo é santo aquele que vos chamou (kale/w), tornai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento, porque escrito está: Sede santos, porque eu sou santo” (1Pe 1.15-16/Rm 1.7; 1Co 1.2; Ef 1.4; 2Tm 1.9).

            Esta vocação, portanto, envolve necessariamente, o propósito de santidade que deve guiar a nossa vida: “Porquanto Deus não nos chamou (kale/w) para a impureza, e sim para a santificação” (1Ts 4.7). Em outras palavras, somos chamados a seguir os passos de Jesus: “Porquanto para isto mesmo fostes chamados (kale/w), pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos” (1Pe 2.21/Hb 3.1).[5]

            Continuaremos no próximo post.

Maringá, 28 de maio de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Watson (c. 1620-1686) disse que “A justificação é uma misericórdia provinda das entranhas da livre graça. Deus não nos justifica porque temos valor, mas ao nos justificar nos faz de grande valor” (Thomas Watson, A Fé Cristã, estudos baseados no breve catecismo de Westminster, São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 264).

[2] Veja-se: João Calvino, As Institutas, I.17.10

[3] *Rm 11.29; 1Co 1.26; 7.20; Ef 1.18; 4.1,4; Fp 3.14; 2Ts 1.11; 2Tm 1.9; Hb 3.1; 2Pe 1.10

[4]Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou (kale/w) pela sua graça, aprouve(Gl 1.15).

[5] “Por isso, santos irmãos, que participais da vocação (klh=sij) celestial, considerai atentamente o Apóstolo e Sumo Sacerdote da nossa confissão, Jesus” (Hb 3.1).

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