Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (56)

5.6. A Palavra e a oração como meios de santificação

Em sua oração Jesus Cristo evidencia dois dos meios de santificação: Ele ora ao Pai e especifica: “Santifica-os na verdade; a tua Palavra é a verdade”(Jo 17.17).

Todos nós, possivelmente sem exceção, estamos acostumados – na ausência de algum elemento necessário à concretização de determinada tarefa –, a improvisar, buscando uma alternativa que atenda à nossa necessidade imediata. Deste modo, usamos ferramentas diferentes para suprir alguma carência, um adesivo ou cola para provisoriamente colar os óculos, vedar o vazamento de uma mangueira etc.

Vocês podem estar se perguntando: o que isso tem a ver com a santificação? A questão é simples: Pedro nos diz que no campo espiritual não precisamos improvisar. Tudo que necessitamos para o nosso crescimento espiritual foi-nos concedido por Deus. Ele afirma que segundo o poder de Deus, “nos têm sido doadas todas as cousas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória”(2Pe 1.3).

Em teologia denominamos essas “cousas que nos conduzem à piedade”, de meios de graça ou meios de santificação.[1] No Catecismo Menor de Westminster, em resposta à pergunta 88,[2]Quais são os meios exteriores e ordinários pelos quais Cristo nos comunica as bênçãos da redenção?”, lemos: “Os meios exteriores e ordinários pelos quais Cristo nos comunica as bênçãos são as suas ordenanças, especialmente a Palavra, os sacramentos e a oração, os quais todos se tornam eficazes aos eleitos para a salvação” (grifos meus).

Em outras palavras, podemos dizer, como Berkhof (1873-1957), que Deus como “causa eficiente da salvação“[3] é Quem nos comunica, por meio dos “canais objetivos que Cristo instituiu na igreja”[4] as bênçãos da salvação para o seu povo.

Hodge (1797-1878) faz uma advertência importante:

Por meio de graça não significa todos os instrumentos que Deus quer usar como meio para a edificação espiritual de Seus filhos. Esta frase é apropriada para indicar aquelas instituições que Deus ordenou como canais ordinários da graça, isto é, das influências sobrenaturais do Espírito Santo, para as almas dos homens.[5]

O Espírito honra unicamente a Palavra. Não queiramos substitui-la por nossos métodos ou nossa experiência. Deus nos concedeu o que é suficiente. Ele não precisa de subterfúgios ou de nossa engenhosidade para edificar o seu povo, conduzi-lo à maturidade na fé.

Lloyd-Jones (1899-1981) adverte-nos quanto a isto:

O Espírito Santo é o poder atuante na Igreja, e o Espírito Santo jamais honrará coisa alguma senão a Sua Palavra. Foi o Espírito Santo quem nos deu esta Palavra. Ele é o seu Autor. Não é dos homens! Tampouco a Bíblia é produto da ‘carne’ e do ‘sangue’. (…) O Espírito não honrará nada, senão Sua Palavra. Portanto, se não crermos e não aceitarmos sua Palavra, ou se de algum modo nos desviarmos dela, não teremos direito de esperar a bênção do Espírito Santo. O Espírito Santo honrará a verdade, e não honrará outra coisa. Seja o que for que fizermos, se não honrarmos esta verdade, Ele não nos honrará.[6]

Biblicamente vemos que o Espírito dá testemunho de Cristo, que é a Verdade (Jo 15.26/Jo 14.6); guia-nos à verdade que é Cristo (Jo 16.13/Jo 14.6); age por meio da Palavra, que é a Verdade de Deus, criando em nós a fé salvadora e nos conduzindo à santificação (Jo 17.17,19; Rm 10.17/2Co 3.18; 2Ts 2.13; 1Pe 1.2).

Quando falamos da relação do Espírito Santo com a Palavra, temos em vista que foi este o principal meio estabelecido por Deus, por intermédio do qual o Espírito age com vista à nossa  submissão a Deus em santificação.

O mesmo Espírito que inspirou os escritores sagrados a fim de que registrassem de forma infalível e inerrante a Palavra de Deus (2Tm 3.16; 2Pe 1.20-21), aplica as Escrituras aos nossos corações, nos regenerando (Tt 3.5; 1Pe 1.23) e santificando.

Pedro, assim se dirige às Igrejas da Dispersão: “Eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito”(1Pe 1.2).

Considerando que Deus age por intermédio da Escritura, o estudo sério e sistemático da Palavra é fundamental para o nosso crescimento espiritual.

Obviamente, não será a leitura mecânica da Bíblia que nos fará amadurecer em nossa fé em Deus. Houve e certamente há homens que possivelmente conheçam a Bíblia melhor do que nós, sabendo passagens de memória, distinguindo bem os períodos históricos etc., mas, não conhecem o Deus da Palavra.

O conhecimento de Deus e de sua Palavra evidencia-se pela prática da Palavra. “O crescimento espiritual não é místico, sentimental, devocional, psicológico ou resultado de truques secretos. Vem através da compreensão e da prática de princípios dados pela Palavra de Deus”, acentua MacArthur.[7]

Por isso, quando lemos e estudamos a Bíblia devemos desejar ser conduzidos a Deus em reverência e adoração, prontos para ouvir a sua voz e praticá-la em nosso viver cotidiano. O Espírito fala por intermédio da Palavra, nos convencendo de nossos pecados e da necessidade do perdão, nos humilhando, nos dispondo a orar, confessar, agradecer, interceder, louvar e confiar. A palavra torna-se mais eficaz em nós conforme fomos nos quebrantando diante de Deus. “O Espírito fala ao nosso coração na medida em que nele faz morada”, interpreta Spener (1635-1705).[8]

Maringá, 27 de maio de 2020.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1]Ver: Hermisten M.P. Costa, A Palavra e a Oração como Meios de Graça: In: Fides Reformata, São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 5/2 (2000), 15-48.

[2]Ver também: Catecismo Maior de Westminster,Perg. 154.

[3] Louis Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 613.

[4] Louis Berkhof, Teologia Sistemática,609.

[5] Charles Hodge, Systematic Theology, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1976 (Reprinted), v. 3, p. 466. Em outro lugar: “Os meios de graça são (…) aqueles que Deus ordenou com o objetivo de comunicar as influências vivificadoras e santificadoras do Espírito às almas dos homens” (Charles Hodge, Systematic Theology,v. 3, 708). Ver também: Herman Hoeksema, Reformed Dogmatics, 3. ed. Grand Rapids, Michigan: Reformed Publishing Association, 1976, p. 634.

[6]D.M. Lloyd-Jones, O Combate Cristão, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 103.

[7]John F. MacArthur, Jr. Chaves para o Crescimento Espiritual, 2. ed., São José dos Campos, SP.: Fiel, 1986,  p. 7.

[8]Philipp J. Spener,  Pia Desideria, São Paulo: Imprensa Metodista, 1985, p. 77.

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