Eu lhes tenho dado a tua Palavra” (Jo 17.1-26) (58)

5.7. A Santificação e a responsabilidade do crente (Continuação)

A obra do Espírito é nos regenerar; mas o nosso chamado é para produzir em nossa vida os frutos da regeneração. No contexto da aliança da graça que Deus estabelece com seu povo, precisa nos tornar conformes à imagem de Cristo. – Joel R. Beeke; Mark Jones.[1]

Desse modo, a busca por uma vida santa é um aspecto da resposta da igreja ao gracioso chamado divino (2Pe 1.10).

Vocação e perseverança em santidade

A eficácia da vocação divina não é uma coisa abstrata, uma teoria para ser discutida apenas em alguns momentos, quem sabe, de uma aula na academia, antes, evidencia-se na vida de um pecador transformado. Creio que Spurgeon (1834-1892) está correto ao afirmar: “Quando a vida de um pecador é transformada, sabemos que Deus o chamou eficazmente (…). Não podemos saber se um chamado de Deus foi eficaz até que a vida de um homem tenha mudado”.[2]

Na vocação de Deus vemos parcialmente a concretização do seu propósito sábio, amoroso e eterno que envolve toda a nossa existência.

Deus nos chama fazendo com que o seu gracioso propósito eterno passe a fazer parte da experiência do regenerado:

Nele [Jesus Cristo], digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados (proori/zw) segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade. (Ef 1.11).
Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou (proori/zw) para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou (proori/zw) esses também chamou (kale/w) e aos que chamou (kale/w), a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou. (Rm 8.29-30).

Esta ordem divina é eficaz porque Deus opera eficazmente em nossa mente e coração. Deus age na história conforme o seu decreto. Ele nos chama e adota como filhos benditos e herdeiros da Aliança! Aqui a Palavra de Deus é definitivamente colocada e sedimentada em nosso coração.

A doutrina da perseverança do santos, inclui em sua essência, a perseverança em santidade, não uma justificativa acomodatícia à prática e permanência no pecado.[3] A graça de Deus que nos chama, nos acompanha até à consumação de sua obra em nós, nos conduzindo à glorificação perfeita em Cristo. O próprio Filho, senhor da glória (1Co 2.8), é quem nos conduzirá ao Pai (1Pe 3.18).

A vocação de Deus permanece e nos sustenta até o fim (Fp 1.6).[4] Este chamado é para a glória eterna do seu reino:

Devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu (ai(re/omai) desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade, para o que também vos chamou (kale/w) mediante o nosso evangelho, para alcançardes a glória de nosso Senhor Jesus Cristo. (2Ts 2.13-14).

O Deus de toda a graça, que em Cristo vos chamou (kale/w) à sua eterna glória, depois de terdes sofrido por um pouco, ele mesmo vos há de aperfeiçoar, firmar, fortificar e fundamentar” (1Pe 5.10). (Ver: 1Ts 2.12).

Deus nos chama para a sua glória. Não há nada maior do que isso, nem aqui, nem na eternidade. A nossa salvação não é o fim último. Ela é o meio: somos destinados desde a eternidade à glória de Deus. Calvino resume: “Concordo que a glória de Deus deve estar, para nós, acima de nossa salvação”.[5]

Considerando que foi Deus mesmo quem nos chamou (vocacionou) (Fp 3.14; 2Tm 1.9; Hb 3.1; 2Pe 1.10), devemos instar com nossos irmãos e, interceder junto ao Senhor para que Ele torne nossos irmãos dignos dessa vocação. Este foi o procedimento de Paulo:

Rogo-vos (parakale/w),[6] pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno (a)cio/w)[7] da vocação (klh=sij) a que fostes chamados. (Ef 4.1).

Não cessamos de orar por vós, para que o nosso Deus vos torne dignos (a)cio/w) da sua vocação (klh=sij)e cumpra com poder todo propósito de bondade e obra de fé. (2Ts 1.11).

Alegremo-nos na doce, graciosa e gloriosa condição de filhos de Deus. O Pai nos chamou a este privilégio: “Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados (kale/w) filhos de Deus; e, de fato, somos filhos de Deus” (1Jo 3.1).[8]

Maringá, 29 de maio de 2020. Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Joel R. Beeke; Mark Jones orgs. Teologia Puritana: Doutrina para a vida, São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 757. “A medida de todos nós é sermos aquilo que Deus pretende que sejamos” (João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 1,  (Jo 3. 27), p. 142).

[2]C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 21.

[3]“É totalmente errado afirmar que o crente está seguro, independentemente de sua vida posterior de pecado e infidelidade. A verdade é que a fé em Jesus Cristo está sempre atrelada à vida de santidade e fidelidade. Sendo assim, não é apropriado pensar a respeito de um crente independentemente dos frutos na fé e na santidade. Dizer que o crente está seguro, qualquer que seja a extensão de seu hábito de pecado em sua vida subsequente, é abstrair a fé em Cristo de sua definição mais exata e ensinar o tipo de abuso que torna a graça de Deus em lascívia. A doutrina da perseverança é a doutrina daqueles crentes que perseveram (…). A Perseverança dos santos faz lembrar forçosamente que somente aqueles que perseveram até o fim são verdadeiramente santos, mas a conquista do prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo não é automática. Perseverança significa o engajamento de nossa pessoa na devoção mais intensa e concentrada aos meios ordenados por Deus para a realização de seu propósito de salvação. A doutrina escriturística da perseverança não tem nenhuma afinidade com o quietismo e o antinomismo prevalecentes nos círculos evangélicos” (John Murray. Redenção: consumada e aplicada, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 138-139).

[4]Veja-se: C.H. Spurgeon, Sermões Sobre a Salvação, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 20.

[5]J. Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (Tt 1.2), p. 301.

[6] O verbo tem o sentido de: implorar (Mt 8.5; 18.29), suplicar (Mt 18.32); exortar (Lc 3.18; At 2.40; 11.23); conciliar (Lc 15.28); consolar (Lc 16.25; 15.32; 1Ts 5.11; 2Ts 2.17); confortar (At 16.40; 2Co 1.4; 7.6); contemplar (2Co 1.4); convidar (At 8.31); pedir (At 9.38; 1Co 4.13; 16.15); pedir desculpas (At 16.39); fortalecer (At 20.2,12); solicitar (At 25.2; Fm 9,10); chamar (At 28.20); admoestar (1Co 4.16; Hb 10.25); recomendar (1Co 16.12; 2Co 8.6; 9.5; 1Tm 6.2).

O apelo de Paulo era frequentemente fundamentado numa questão teológica; não se amparava simplesmente em sua idoneidade ou autoridade, antes em Deus mesmo. Assim ele o faz pelas misericórdias de Deus (Rm 12.11Ts 2.12) e pelo Senhor Jesus (Rm 15.30; 1Co 1.10; Fp 4.2). Como cooperador de Deus exorta a que os coríntios não recebam em vão a graça de Deus (2Co 6.1); roga também pela mansidão e benignidade de Cristo (2Co 10.1).

[7] Este advérbio tem o sentido primário de “contrabalança”, aquilo que é de “igual valor”, “equivalente”. A ideia da palavra é a de estabelecer uma relação de compatibilidade e equilíbrio.

[8] Veja-se: John Murray, Redenção: Consumada e Aplicada, 2. ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2010, p. 83.

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