A Pessoa e Obra do Espírito Santo (491)

6. Não negligenciar a manifestação profética

19 Não apagueis o Espírito.  20 Não desprezeis as profecias;  21 julgai todas as coisas, retende o que é bom” (1Ts 5.19-21).

            Em geral, é excelente ministrar aulas no início do semestre para os novos ditos calvinistas de cinco pontos. Eles têm um entusiasmo fascinante. Os olhos brilham, vibram com determinadas ideias, têm insights críticos-piedosos, etc. De quando em vez, verbalizam com entusiasmo um “glória”. O “amém” eu já nem contabilizo. Confesso, que esse clima tão empolgante por vezes me sensibiliza.

O problema se manifesta embrionariamente depois de umas três semanas de aula, quando têm que entregar seus primeiros trabalhos. A romaria de choros e lamentações começa pelos atrasos e a alegada não possibilidade de realizar as tarefas, etc. Piedade vira maledicência. O “glória” e “amém”, são substituídos por algo menos piedoso: “Ctr C” e “Ctr V”.  Nesse processo, alguns começam a descobrir que a soteriologia bíblica é pela graça, mas as nossas responsabilidades se materializam em poder operante que envolve concentração, esforço, abnegação perseverança e ética.

            Mudando intensamente o que deve ser mudado, devemos entender que a profecia não é apenas algo admirável, mas, tem implicações de obediência e serviço.[1]

Comentando 1Co 11.4, Calvino explica o que entende por profecia: “Explicar os mistérios de Deus visando à instrução daqueles que ouvem”.[2] Em outro lugar: “Profecia é simplesmente o correto entendimento da Escritura e o dom particular de explicá-la, visto que todas antigas profecias e todos os oráculos divinos já foram concluídos em Cristo e seu evangelho”.[3]

Portanto, o profeta é “o mensageiro de Deus aos homens”.[4] Desse modo, “a profecia não é o dom da predição”.[5] Podemos perceber então, que a profecia tem uma ligação dupla e indissolúvel. A sua fonte é a Palavra de Deus; na outra ponta, temos o seu objetivo especial: a edificação da Igreja[6] e, de modo geral, o bem de todos.[7]

Continua:

Um profeta será o intérprete e ministro da revelação. (…) (A) profecia não consiste na simples interpretação da Escritura, mas também inclui o conhecimento para fazer aplicação às necessidades do momento, e isto só pode ser obtido por meio da revelação e da influência especial de Deus.[8]

            Dentro da visão Reformada, a Palavra de Deus ocupa o lugar central do Culto, visto que é por intermédio dela que Deus nos fala.[9] Deus se dignou em revelar a Si mesmo como Palavra e através da Palavra: “No princípio era o Verbo”(Jo 1.1). “No princípio, não era a música, nem o teatro. Deus identifica seu Filho, que é Deus, com a Palavra. Isso é tremendamente importante”.[10]

            A pregação não deve ser rejeitada; ela deve ser entendida como a Palavra de Deus para nós; recusá-la é o mesmo que rejeitar o Espírito (Cf. 1Ts 4.8).[11]

O mundo por sua vez, deseja ansiosamente ouvir, porém, não a Palavra de Deus (1Jo 4.5).[12] Há uma carência frenética por ouvir experiências daquilo que conduz a um sucesso fácil, ainda que não real e, portanto, não duradouro (Sl 73.1-10).

Perseverar no caminho sólido dos princípios da Palavra pode se tornar muito difícil quando os resultados não são perceptíveis. Sempre há a tentação, mesmo para os fiéis, de não perseverarem “com firmeza na verdade reta”.[13]

            Devemos dar crédito à verdade procedente de Deus (1Ts 2.10-13). Contudo como há falsos pregadores e falsos mestres, é necessário “provar” o que está sendo proclamado; exercitar o “ceticismo cristão” – que não aceita tudo, contudo, não rejeita a procura da verdade[14]

O apóstolo João instrui a Igreja:

Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai (dokima/zw) [15] os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora. Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que vem e, presentemente, já está no mundo. Filhinhos, vós sois de Deus e tendes vencido os falsos profetas, porque maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo. Eles procedem do mundo; por essa razão, falam da parte do mundo, e o mundo os ouve. Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus nos ouve; aquele que não é da parte de Deus não nos ouve. Nisto reconhecemos o espírito da verdade (a)lh/qeia) e o espírito do erro. (1Jo 4.1-6).[16]

A verdade não gera mentira: “…mentira alguma jamais procede da verdade (a)lh/qeia) (1Jo 2.21).

No entanto, neste período de grandes e graves transformações, torna-se evidente que os homens, de forma cada vez mais veemente, querem ouvir mais o reflexo de seus desejos e pensamentos, a homologação de suas práticas. Assim sendo, a palavra que deveria ser profética, tende com demasiada frequência – mesmo assinando o seu obituário –, a se tornar apenas algo apetecível ao “público alvo”, aos seus valores e devaneios,[17] ou, então, nós pregadores, somos tentados a usar de nossa “eloquência” para compartilhar generalidades da semana, sempre, é claro, com uma alusão bíblica aqui ou ali, para justificar a nossa “pregação”;[18] o fato é que uma geração incrédula, é sempre acintosamente crítica para com a palavra profética.[19]

São Paulo, 31 de maio de 2022.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] “Uma profecia não é uma ‘bênção’ para ser admirada mas uma instrução que deveria nos levar à ação” (David F. Pennant, Ageu: In: D.A. Carson, et. al. eds. Comentário Bíblico: Vida Nova, São Paulo: Vida Nova, 2009, (Ag 1.12-15) p. 1291).

[2] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 11.4), p. 331-332.

[3]João Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 12.6), p. 431.       

[4] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 12.10), p. 378.

[5] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 14.3), p. 410. Do mesmo modo, ver: João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 12.28), p. 390.

[6] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 14.22), p. 425.

[7] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 14.24), p. 426-427.

[8] João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 14.6), p. 413.

[9] Vejam-se: Segunda Confissão Helvética,XXIII. In: Livro de Confissões,São Paulo: Missão Presbiteriana do Brasil Central, 1969, § 5.220; Confissão de Westminster,21.5; João Calvino, As Institutas,IV.1.5.

[10] John Piper, O Lugar da Pregação na Adoração: In: Fé para Hoje, São José dos Campos, SP.: Fiel, nº 11, 2001, p. 20.

[11]Dessarte, quem rejeita estas coisas não rejeita o homem, e sim a Deus, que também vos dá o seu Espírito Santo” (1Ts 4.8). Veja-se: J. Calvino, As Institutas,I.9.3.

[12]“Eles procedem do mundo; por essa razão, falam da parte do mundo, e o mundo os ouve” (1Jo 4.5).

[13] João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 3,(Sl 73.10), p. 102. Sobre a perseverança, em outro lugar Calvino escreveu: “A melhor evidência da genuína piedade é quando anelamos por Deus sob a pressão de nossas aflições, e mostramos, mediante nossas orações, uma santa perseverança na fé e na paciência; enquanto a seguir damos vazão à nossa gratidão” (João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 2, (Sl 66.13), p. 630). “Todos os homens reconhecem que o mundo é governado pela providência divina; mas quando daí surge uma lamentável confusão de coisas a perturbar a tranquilidade deles e os envolve em dificuldades, poucos são os que conservam em sua mente a inabalável convicção dessa verdade” (João Calvino, O Livro dos Salmos,v. 1, (Sl 11.4), p. 240).

[14] Vejam-se: François Turretini, Compêndio de Teologia Apologética, São Paulo: Cultura Cristã, 2011, v. 1, p. 233; Gene Edward Veith, Jr., De Todo o teu entendimento, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 129-131.

[15]Dokima/zw ressalta o aspecto positivo de “provar” para “aprovar”, indicando a genuinidade do que foi testado (2Co 8.8; 1Ts 2.4; 1Tm 3.10).

[16]Archibald Alexander (1772-1851), um dos fundadores do Seminário de Princeton e seu primeiro professor de Teologia Sistemática, resumiu:

            “Na avaliação da experiência religiosa é de todo importante manter continuamente à vista o sistema de verdade divina contido nas Sagradas Escrituras; caso contrário, nossa experiência, como ocorre muito frequentemente, se degenerará em entusiasmo. (…) Em nossos dias não há nada mais necessário que estabelecer na religião, uma cuidadosa distinção entre as experiências verdadeiras e as falsas; para ‘provar os espíritos se procedem de Deus.’ E ao fazer esta discriminação, não há outro padrão de prova senão a infalível Palavra de Deus. Tragamos cada pensamento, motivo, impulso e emoção, ante esta pedra de toque. ‘À lei e ao testemunho, se não falam de acordo com estes, é porque não há luz neles’” (Archibald Alexander, Thoughts on Religious Experience,Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1989 (Reprinted), p. xviii). Da mesma forma, ver: Abraham Kuyper,  A Obra do Espírito Santo, São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 44).

[17]R.B. Kuiper, com indisfarçável e justa tristeza, diz: “Os membros das igrejas querem que lhes falem do púlpito sobre o que fazer, mas raramente sobre o que crer. A maioria deles não se interessa por teologia, e dos poucos que se interessam, cada qual quer o seu próprio doutor em teologia. Seus pastores de boa vontade os deixam seguir seu caminho. Houve tempo em que os filhos da aliança eram instruídos por seus pastores nas verdades da religião cristã. Hoje são poucos os que tentam fazer isso” (R.B. Kuiper, Evangelização Teocêntrica,São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1976, p. 146).

[18]Veja-se: D. Martyn Lloyd-Jones, As Insondáveis Riquezas de Cristo, p. 52.

[19]Veja-se: D. Martyn Lloyd-Jones,Do Temor à Fé, Miami: Vida, 1985, p. 46-47.

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