A Pessoa e Obra do Espírito Santo (156)

6.3.2.2. O privilégio e a responsabilidade dos que pregam (continuação)

Calvino, fiel à sua compreensão da relevância da pregação bíblica,[1] usou de modo especial, o método de expor integralmente e aplicar[2] quase todos os livros das Escrituras à sua congregação.[3] A sua mensagem se constitui em um monumento de exegese, clareza[4] e fidelidade à Palavra, e soube aplicá-la com maestria aos seus ouvintes.

Calvino optou por uma interpretação que considerava  ser a única bíblica, visto que para ele, “o genuíno significado da Escritura é único, natural e simples”.[5] Por isso,  a importância de se entender o sentido das palavras[6] e o contexto histórico[7]  ou “circunstância” da passagem.[8]

“Quando passagens da Escritura são tomadas à revelia, e não se presta nenhuma atenção ao contexto, não nos admira que equívocos dessa natureza surjam com frequência”, comenta Calvino.[9] Sustentava que competia ao intérprete entender o que o autor quis dizer e o seu propósito.

          Ele entendia que “a pregação é um instrumento para a consecução da salvação dos crentes” e, que “embora não possa realizar nada sem o Espírito de Deus, todavia, através da operação interior do mesmo Espírito, ela revela a ação divina muito mais poderosamente”.[10]

Em outro lugar, conforme já vimos: “O ‘Espírito’ está unido com a Palavra, porque sem a eficácia do Espírito, a pregação do Evangelho de nada adiantará, mas permanecerá estéril”.[11] A Palavra não tem eficácia própria, não opera por si mesma (ex opere operato), antes pela ação do Espírito Santo.[12]

          É o Espírito quem confere poder à pregação do Evangelho; por isso não há lugar para vanglória: “Todo o poder da ação (…) reside no Espírito mesmo, e assim, todo o louvor deve ser inteiramente atribuído a Deus somente”.[13]

Referindo-se ao púlpito de Genebra sob o pastorado de Calvino, Lawson afirma: “Esse púlpito se tornou um trono do qual a Palavra de Deus reinava, governando os corações daqueles que se uniram no esforço histórico de reformar a igreja”.[14]

Maringá, 11 de abril de 2021.

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa


[1] Ele escreveu: “…. Quão necessária é a pregação da Palavra, e quão indispensável é que a mesma seja realizada continuamente” (João Calvino, Exposição de 1 Coríntios,(1Co 3.6), p. 103). Veja-se: também AsInstitutas, IV.1.9-11. Falando sobre a sua vocação, Calvino diz: “… Deus, me havendo tirado de minha originariamente obscura e humilde condição, considerou-me digno de ser investido com o sublime ofício de pregador e ministro do Evangelho” (J. Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, p. 37).

[2]Veja-se: T.H.L. Parker, Calvin’s Preaching, Louisville, Kentucky: Westminster; John Knox Press, 1992, p. 79ss. “Na pregação de Calvino o método expositivo dos pregadores da Reforma encontrou ênfase. Seus comentários eram frutos de sua pregação e aula, e seus sermões eram comentários ampliados e aplicados. (…) (O seu estilo) mostra-nos como o comentarista obteve o melhor do pregador. Contudo os seus sermões não eram meros comentários. Ali temos uma agilidade de percepção, uma firmeza no posicionamento, um poder de expressão que aliados fazem o pensamento da Escritura marcar e produzir sua impressão sem o auxílio da arte do orador” (Edwin C. Dargan, A History of Preaching, Grand Rapids, Mi.: Baker Book House, 1954, v. 1, p. 449).

[3] Uma tabela parcial sobre o que Calvino pregava durante a semana (de manhã e de tarde) e aos domingos, pode ser encontrada em: T.H.L. Parker, The Oracles of God: An Introduction to the Preaching of John Calvin, Cambridge, England: James Clark & Co. © 1947 (Reprinted: 2002), p. 160-162. (Agora em português: T.H.L. Parker, Os Oráculos de Deus, São Paulo: Cultura Cristã, 2016, p. 155-157). Do mesmo modo: T.H.L. Parker, Calvin’s Preaching, Louisville, Kentucky: Westminster; John Knox Press, 1992, p. 150-152.

[4] “Os comentários de Calvino são modelos de clareza e excelência” (Moisés Silva, O Argumento em Favor da Hermenêutica de Calvino: In: Fides Reformata, São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 5/1 (2000), p. 7).

[5]João Calvino, Gálatas,(Gl 4.22), p. 140. “Que proveito há se porventura alguém se interessa apenas por especulações curiosas? Que proveito há se porventura ele só adere à letra da lei e não busca a Cristo? Que proveito há se ele perverte o significado natural com as interpretações estranhas a ela? O apóstolo tem boas razões para lembrar-nos da fé que está em Cristo, a qual é o centro e a suma da Escritura.” [João Calvino, As Pastorais, (2Tm 3.15), p. 261-262]. (Ver também: João Calvino, AsInstitutas, IV.17.22). Sanday e Headlam afirmam que Calvino “era sem dúvida o maior dos comentaristas da Reforma. Ele é claro, lúcido, honesto e direto” (William Sanday & Arthur C. Headlam, A Criticial and Exegetical Commentary on the Epistle to the Romans,5. ed. Edinburgh: T. & T. Clark, 1975 (reimpression), p. ciii). Quanto ao sentido único do texto, vejam-se a opinião semelhante de outros Reformadores in: Walter C. Kaiser Jr., Uma Breve História da Interpretação: In: Walter C. Kaiser Jr.; Moisés Silva, Introdução à Hermenêutica Bíblica, São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 216-217.

[6] Cf. João Calvino, O Livro dos Salmos, v. 1, (Sl 18.5,8), p. 363-364, 368-369. Ele inclusive evitava o emprego de palavras não utilizadas nas Escrituras, ainda que soubesse ser impossível cumprir isso à risca. Nas Instituições, falando sobre a palavra “mérito”, faz um apelo: “Quanto a mim, fujo com todas as forças da alma de todas as contendas que se travam por causa de palavras; mas eu gostaria que sempre fosse mantida pelos cristãos esta sobriedade: que, não havendo necessidade ou algum propósito, não façam uso de palavras alheias à Escritura que possam gerar muito escândalo e pouco fruto” (João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, (II.6) v. 2, p. 225).

[7]Cf. Juan Calvino, Institución, IV.16.23.

[8] Cf. João Calvino, AsInstitutas, III.17.14.

[9] John Calvin, Commentary on the Book of the Prophet Isaiah, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House Company, (Calvin’s Commentaries), 1996, v. 7/1, (Is 14.12), p. 442.

[10]João Calvino, Romanos,2. ed. (Rm 11.14), p. 407.

[11] John Calvin, Commentary on the Book of the Prophet Isaiah, Grand Rapids: Michigan: Baker Book House Company, (Calvin’s Commentaries), 1996, v. 8/4, (Is 59.21), p. 271.

[12]Veja-se: João Calvino, O Evangelho segundo João, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2015, v. 2, (Jo 14.25), p. 109.

[13]John Calvin, “Commentary on the Prophet Ezekiel,” John Calvin Collection, (CD-ROM), (Albany, OR: Ages Software, 1998), (Ez 2.2), p. 96.

[14]Steven J. Lawson, O Pregador da Palavra de Deus. In: Burk Parsons, ed. João Calvino Amor à Devoção, Doutrina e Glória de Deus, São José dos Campos, SP.: Editora Fiel, 2010, p. 95.

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